Agosto é o mês de luta da população em situação de rua. Para discutir esse tema, a Assembleia Legislativa da Bahia promoveu audiência pública nesta terça-feira (17), de forma virtual. A iniciativa do debate partiu da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Casa, do Fórum das Catadoras e Catadores de Rua e em Situação de Rua da Bahia e do Movimento População de Rua.
“Vivemos uma crise humanitária no Brasil e precisamos pesquisar, analisar os reflexos desses números em nosso Estado. A Bahia possui 17 municípios com mais de 100 mil habitantes. Precisamos, portanto, de ações muito mais céleres, aproximar a população em situação de rua e catadores/as em situação de rua no processo de elaboração legislativa, abrindo as portas para ouvir suas demandas, e debater proposições com vários setores da sociedade, que possam contribuir numa resposta a violação de direitos e evitar que estas pessoas fiquem mais tempo nas ruas e tenham menor adesão às ofertas e ações públicas”, disse o presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Jacó (PT). Para ele, é preciso fortalecer as redes que já existem e construir políticas permanentes, em um processo em que a elaboração conte com a participação social das redes de apoio e dos que sabem o que é viver na rua.
O deputado repudiou ação que ocorreu na segunda-feira (16), no Porto da Barra, em Salvador, quando colocaram fogo no barraco que estava ocupado por Ana Paula Franzosi e Edilson Silva Souza, casal em situação de rua. A mulher está em estado grave. “É mais um triste episódio que o desinteresse do Estado influencia diretamente no comportamento da sociedade, haja vista que os moradores de rua são tratados, ora com compaixão, ora com repressão, preconceito, indiferença e violência. Meu total repudio e que o criminoso seja rapidamente encontrado”.
O petista apresentou a proposta de criação do Fórum Permanente de Promoção e Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua e dos Catadores/as em Situação de Rua, o Fórum Maria Lúcia Pereira. “Uma homenagem a esta líder do Movimento de População de Rua da Bahia, mulher negra, desafiadora e ícone de resistência que lutou para contribuir na melhoria dos serviços públicos para aqueles que mais precisam”, defendeu.
Diversos parlamentares também participaram da discussão. Dentre os participantes, estava a deputada Maria del Carmen (PT), que enfatizou a necessidade de tratar com dignidade pessoas em situação de rua. “Estamos aqui para somar, para fortalecer esse cuidado com essas pessoas”. Segundo o deputado Hilton Coelho (Psol), é preciso dar voz e vez a essas pessoas, que muitas vezes são invisibilizadas. “Elas vivem na rua tentando sobreviver, e muitas vezes esquecem até de sua cidadania. A nossa ajuda é no sentido de dizer que elas têm o mesmo direito que eu tenho a saúde, educação”. A deputada Fátima Nunes (PT) frisou a importância de ofertar serviços de capacitação a essas pessoas.
Já o deputado Angelo Almeida (PSB), presidente da Comissão Especial para Avaliação dos Impactos da Pandemia da Covid-19, direcionou questionamentos sobre a pandemia, que aprofundou as mazelas socioeconômicas do Brasil e afetou, principalmente, pessoas em vulnerabilidade social e em situações de rua. O socialista questionou as doses do imunizante ao vírus prometidas pela Prefeitura de Salvador a essa população que teria sido de 7 mil e só foram apenas 2 mil. O deputado deve convidar o secretário de saúde do município de Salvador, Leo Prates, para que preste esclarecimentos sobre o destino dos imunizantes.
Suley Oliveira, do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR), listou uma série de demandas formuladas por movimentos sociais ligados aos direitos das pessoas em situação de rua. Dentre os pedidos, estão a vacinação prioritária de pessoas idosas em situação de rua, ampliação dos beneficiários do aluguel social, criação de pontos de higienização e lavagem de roupas, além de uma garantia de renda mínima.
“Quero falar que a gente precisa de apoio. Não só por causa da pandemia, porque também sofremos outra pandemia, que é a da discriminação”, afirmou Oliveira. “Algumas instituições ainda não estão preparadas para ver essa população empoderada”.
A representante do Fórum Catadores de Rua, Annemone Santos, defendeu que a sociedade civil, iniciativa privada e governo precisam atuar juntos para promover melhorias. Ela também pediu mais atenção às necessidades da população em situação de rua por parte de todas as secretarias da Prefeitura de Salvador e do Governo do Estado.
Contexto
Conforme definição da Secretaria Nacional de Assistência Social, a população em situação de rua se caracteriza por ser um grupo populacional diverso, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou fragilizados e falta de habitação convencional regular, sendo compelidas a utilizar a rua como espaço de moradia e sustento, por caráter temporário ou de forma permanente. Já os catadores/as em situação de rua apresentam as mesmas características descritas acima, no entanto, esse grupo populacional utiliza a catação de materiais recicláveis como um dos meios de sobrevivência.
Um levantamento nacional feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em março do ano passado localizou 222 mil brasileiros em situação de rua, mas o relatório divulgado em junho já ressaltava a tendência de crescimento. Embora não seja específico para pessoas sem moradia, em outubro de 2020, o Cadastro Único registrava 14 milhões de famílias em extrema pobreza, um acréscimo de 1,3 milhão sobre o número de janeiro de 2019.
Luta
O mês de agosto é dedicado à luta da população de rua em memória ao acontecimento conhecido como “Massacre da Sé”, em 2004, no qual sete pessoas foram assassinadas e oito ficaram gravemente feridas enquanto dormiam na região da Praça da Sé, capital paulista. Tal fato desencadeou o início da mobilização de grupos da população em situação de rua para construir o Movimento Nacional da População de Rua, em uma contínua luta pela garantia de direitos.