A conduta do procurador-geral da República, Augusto Aras, fez setores do Congresso Nacional iniciarem uma articulação para tentar mudar os critérios de escolha de quem vai ocupar o cargo. Hoje, a indicação parte do presidente da República.
Há iniciativas no Senado e na Câmara para vincular a indicação do chefe do Executivo à lista tríplice elaborada pelos membros do MPF (Ministério Público Federal) e enviada ao Palácio do Planalto. Hoje, o documento é apenas uma sugestão ao chefe do Executivo.
Pelas regras atuais, previstas na Constituição, o presidente pode escolher para a função qualquer procurador da República com mais de 35 anos. O nome é submetido a sabatina e aprovação pelos senadores, por maioria absoluta (41 votos).
Aras foi uma escolha fora da lista tríplice, quebrando uma tradição —desde 2003, o PGR indicado foi um dos três nomes mais votados em eleição interna no MPF. À época da escolha de Aras, início do nono mês de seu mandato, Jair Bolsonaro afirmou que buscava alguém em sintonia com sua gestão.
Assim, desde a largada, Aras passou a enfrentar críticas, hoje em tom mais elevado. É cobrado internamente por uma postura mais enérgica em relação a possíveis crimes cometidos por Bolsonaro e ministros e sobre as ações do governo contrárias à política de isolamento social no combate à pandemia do coronavírus.
Parlamentares avaliam que o momento é propício para fazer o debate sobre a lista tríplice. Além do clima de insatisfação em torno da atuação de Aras, contribuiria para isso, avaliam eles, o fato de não ser época de sucessão na Procuradoria —o mandato de Aras acaba em setembro de 2012 e pode ser renovado por mais dois anos pelo próprio presidente da República.
Os defensores da ideia no Congresso contam com o apoio de procuradores. Há algumas semanas, eles lançaram um manifesto em apoio a uma nota da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) que pede aos parlamentares que incorporarem a lista tríplice na Constituição. Mais de 600 membros do MPF assinaram.
Autor de proposta para alterar as regras do jogo, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) diz esperar que o assunto ganhe fôlego após o período crítico da pandemia do coronavírus.
“A imparcialidade inerente ao cargo fica fragilizada quando o PGR não é escolhido pela lista tríplice, quando o presidente escolhe a seu bel prazer”, afirmou.
texto de Contarato, que teve o apoio de praticamente todos os partidos com representantes no Senado, impõe ao chefe do Executivo a obrigação de observar a lista tríplice para a escolha do procurador-geral e mantém outras regras, como o mandato de dois anos e a possibilidade de recondução.
A matéria está na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Presidente do colegiado, Simone Tebet (MDB-MS) disse que a partir de 1º de agosto, com a possível retomada da rotina normal das comissões, o assunto poderá vir a tomar fôlego.
Na CCJ, em sabatina no final de setembro do ano passado, Aras, então postulante ao cargo de PGR, criticou o sistema de lista tríplice.
“O corporativismo na categoria que a lista tríplice trouxe a partir de 2003 é exatamente aquele que atomiza, que faz com que cada membro do Ministério Público seja um Ministério Público.”
“[Faz com] que cada membro do Ministério Público caia na armadilha do voluntarismo ou de uma verdadeira atividade caprichosa.”
Acusações de alinhamento de Aras ao Planalto se intensificaram após o chefe do MPF se manifestar no inquérito das fake news que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) contra os mandados de busca e apreensão contra políticos, empresários e ativistas bolsonaristas.
O procurador-geral também rejeitou pedidos de partidos adversários para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido.
No início da semana passada, em entrevista ao apresentador Pedro Bial, da TV Globo, Aras disse que um Poder que invade a competência de outro perde suas garantias constitucionais e isso poderia ensejar uma atuação por parte das Forças Armadas, em sintonia com o que defende Bolsonaro.
A repercussão negativa forçou Aras a soltar uma nota para dizer que a Constituição não admite intervenção militar.
O mandato de Aras se encerra no segundo semestre de 2021. Se a lista tríplice se tornar lei e for mantida a possibilidade de recondução, ele terá que se lançar em uma disputa interna, se quiser prosseguir no exercício da função.
Álvaro Dias (Podemos-PR) defende emendar a Constituição. “Há um movimento no Parlamento e é importante que se faça este debate”, disse. “Assistimos hoje a um assédio forte por parte do presidente da República ao PGR e isso decorre, em parte, da forma como se escolhe o ocupante do cargo”, afirmou.
Na Câmara dos Deputados, Joice Hasselmann (PSL-SP) busca assinaturas para uma proposta que batizou de “PEC Aras”. Ela afirma ter reunido cerca de 100 das 171 assinaturas necessárias para a matéria tramitar. A iniciativa da parlamentar, uma ex-aliada do Planalto, avança sobre a proposta do Senado.
A “PEC Aras” estabelece mandato de quatro anos para o PGR, ficando vedada a recondução. Além disso, cria impedimento pelo prazo de quatro anos, após o cumprimento do mandato, para o exercício de qualquer outro cargo ou função pública fora da carreira do Ministério Público da União.
Representante do Podemos de Rondônia na Câmara, Léo Moraes também busca apoio para uma PEC sobre o tema. E tornar este sistema obrigatório também para o diretor-geral da PF.
“A escolha por listas é muito melhor do que o critério político, que representa um risco para a credibilidade da instituição”, afirmou o presidente da ADPF (Associação de Delegados da Polícia Federal), delegado Edvandir Paiva. Ele avalia que ser oportuno inserir a PF no debate sobre a lista tríplice como pretende o deputado Moraes.
No Senado também há sugestões de lista tríplice para a PF. “É um contraponto a toda essa situação que hoje se discute hoje no país e é alvo de um inquérito, se houve ou não interferência do presidente na Polícia Federal”, disse Álvaro Dias.
Por meio de assessores, a Folha pediu a opinião dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) sobre o assunto, mas não houve resposta.
ENTENDA O PAPEL DO PGR
O que faz o procurador-geral? Indicado pelo presidente, é o chefe do MPF e representa a instituição junto ao STF e ao STJ. Também tem atribuições administrativas ligadas a outras esferas do Ministério Público da União. É papel do PGR ainda investigar e denunciar políticos com foro especial, incluindo o próprio presidente da República. O mandato é de dois anos, com possibilidade de recondução.
Como foi a escolha de Aras para o cargo? Após meses de negociações, Bolsonaro deixou de lado a lista tríplice divulgada em junho de 2019 por eleição interna da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) e escolheu Aras. Apesar de o presidente não ser obrigado a seguir o resultado do pleito, é tradição que o faça —foi o que ocorreu nos governos de Lula (PT), Dilma (PT) e Temer (MDB).
Quem antecedeu Aras no posto? Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, foram os seguintes:
- Geraldo Brindeiro (1995-2003)
- Cláudio Fonteles (2003-2005)
- Antonio Fernando Souza (2005-2009)
- Roberto Gurgel (2009-2013)
- Rodrigo Janot (2013-2017)
- Raquel Dodge (2017-2019)