“Um politiqueiro” que “está completamente antiquado”, fez um governo que “deu pouco aos pobres e muito aos ricos”, é “o maior corruptor da história moderna brasileira”, “não está nem um pingo preocupado com a sorte do Brasil” e ainda “é o responsável pela tragédia do desastrado Bolsonaro”, disse na Folha de S. Paulo o ex-presidente Lula (PT) nos últimos meses pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que se prepara para sua quarta candidatura à Presidência da República e, apostando na disputa em 2022 contra o ex-aliado, escolheu como estratégia atacá-lo.
A insatisfação de alas do PDT com a postura, no entanto, deixou os bastidores e começou a vir a público, com queixas de que a beligerância pode tirar de Ciro votos na esquerda, tem efeito limitado na tentativa de representar a terceira via e ainda prejudica a montagem de palanques locais da sigla.
Rompido com o presidenciável e a cúpula do partido, o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE) expressou, em entrevista à Folha de S.Paulo no mês passado, o descontentamento que ele diz se repetir em várias instâncias. “Ciro tem que criticar [Jair] Bolsonaro e parar de atacar Lula”, afirmou.
Segundo a coluna Painel, da Folha, aliados do ex-ministro intensificaram esforços para convencê-lo a mudar a mira de suas armas para o atual ocupante do Planalto, mas o pré-candidato ainda se opõe à alteração, que contaria com a simpatia do publicitário João Santana, ex-marqueteiro de Lula e hoje auxiliar de Ciro.
De acordo com pesquisa Datafolha de maio, o pedetista tem 6% de intenções de voto no primeiro turno, em um cenário liderado por Lula (41%), seguido por Bolsonaro (23%).
Após mais uma rodada de alfinetadas do rival, o ex-presidente respondeu há alguns dias que não fará “jogo rasteiro”, confirmando a orientação do PT de ignorar os ataques. Correligionários de Ciro defendem que ele faça uma trégua e se reaproxime do petismo em nome de unidade na esquerda.
Um dos principais focos de resistência ao discurso crítico a Lula está no Nordeste, onde o ex-presidente possui popularidade mais alta que nas demais regiões do país. Membros dos diretórios do PDT em Pernambuco, no Maranhão, na Paraíba e em Sergipe se opõem às provocações.
No Maranhão, por exemplo, o senador Weverton Rocha (PDT) é pré-candidato ao governo do estado e trabalha para ter os apoios de Lula e do governador Flávio Dino (PC do B).
Ele disputa a indicação como candidato da base governista com o vice-governador Carlos Brandão (PSDB) e já conseguiu o aval de seis partidos aliados ao governador para a empreitada.
Também tem buscado reforçar as pontes com os petistas. Há cerca de um mês, esteve em Brasília em um jantar com Lula, que sinalizou um possível apoio do PT à sua candidatura.
À Folha Weverton afirma que setores do PDT têm “passado do ponto” nas críticas ao ex-presidente e diz apostar em um armistício entre Lula e Ciro até as eleições do próximo ano.
“É claro que cada um tem seu estilo. Mas acredito que vai chegar o momento de parar para pensar e, no final, os dois vão acabar chegando a um entendimento. Serei uma das pontes para ajudar nisso”, afirma.
De acordo com o senador, mesmo que PDT e PT tenham seus candidatos próprios ao Planalto, os dois partidos devem mirar no principal adversário, que é Bolsonaro (sem partido): “Por mais que haja diferenças, a hora é de união”.
A dureza do discurso de Ciro também começa a deixar marcas no cenário político de seu estado natal, o Ceará. Encerrando um ciclo de oito anos à frente do governo local, Camilo Santana (PT) tende a apoiar um nome do PDT para a sua sucessão.
A intenção, contudo, esbarra no próprio PT. Diante do acirramento imposto por Ciro, grupos ligados aos deputados federais Luizianne Lins e José Airton Cirilo, ambos do PT, defendem uma candidatura ao governo que garanta um palanque fiel a Lula no Ceará.
“Essa agressividade verbal de Ciro com o PT não é de agora. Por isso, defendemos a construção de um palanque para Lula e vamos brigar nas instâncias do partido para isso”, afirma José Airton.
Em caso de candidatura própria do PT, uma das opções seria o próprio José Airton, que já concorreu ao governo cearense em 1998 e 2002, sendo derrotado nas duas oportunidades.
Outra alternativa seria apoiar o ex-senador Eunício Oliveira (MDB), que em abril se encontrou com Lula em Brasília e anunciou publicamente apoio ao ex-presidente. Eunício é adversário ferrenho de Ciro desde 2014.
No Sudeste, a estratégia do pré-candidato do PDT já foi questionada por filiados como o ex-deputado federal Miro Teixeira (RJ) e o vice-presidente municipal do partido em São Paulo, Gabriel Cassiano, ligado ao movimento de juventude e entusiasta do projeto político de Ciro.
Miro, que retornou à legenda após oito anos para ajudar a coordenar a pré-campanha do presidenciável, chegou a declarar publicamente discordar do que qualificou como “linha radical contra Lula”, mas amenizou o tom e diz à Folha que compreende a conduta do correligionário.
“Eu não a teria, mas passei a entender por que ele a tem”, afirma, elogiando o “padrão de autenticidade” do presidenciável. “É uma postura que ele adotou. Se isso dá certo, eu não sei dizer.”
Na avaliação do ex-parlamentar, Ciro optou por centrar suas críticas em Lula e em Bolsonaro ao mesmo tempo para evitar ser visto como alguém que não é competitivo. “Ele bate nos dois. Está na postura de ser a primeira via. Ele não se apresenta como cauda de cometa, mas como um candidato preferencial.”
Cassiano foi às redes sociais no mês passado endossar a posição de Gadêlha e o direito do pernambucano “de fazer críticas construtivas a Ciro e discordar do rumo político que tem tomado”.
“Eu mesmo, como árduo cirista, até mais que trabalhista, tenho visto com ceticismo e baixa vantagem Ciro criticar, com razão, mas sem muita dosagem, os erros do PT e do ex-presidente Lula”, escreveu o dirigente da sigla, que não enxerga na estratégia nenhum benefício para a campanha.
Cassiano, que foi candidato a deputado estadual em 2018 e a vereador em 2020, afirmou à Folha divergir da eficácia da tática de explorar o antipetismo para atrair bolsonaristas arrependidos. “Ele pensa que consegue ir para o segundo turno contra o Lula. Só que acho que essa equação não funciona.”
“O Bolsonaro tem um eleitorado muito consolidado, e o Lula também. É muito difícil uma terceira via alcançar votos suficientes para ultrapassar um dos dois. Acho uma estratégia equivocada. Este momento deveria ser de concentração de forças para a unidade do campo da esquerda popular.”
Favorável a uma aliança de Ciro com o PT, Cassiano colhe assinaturas em uma carta para ser levada ao pedetista pregando a conciliação entre as partes. “Para mim, a única forma de o Ciro chegar à Presidência no futuro é fazer um acordo político com o PT. Ele pode ser o vice.”
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, tem minimizado as pressões internas e dito que são manifestações isoladas. Alinhado ao pré-candidato, Lupi também acredita que Bolsonaro possa ficar fora do segundo turno, o que justificaria as “críticas substantivas” de Ciro a Lula.
Ciro iniciou com mais ênfase o movimento de afastamento do PT na eleição de 2018, ao não embarcar na campanha de Fernando Haddad no segundo turno, que teve Bolsonaro como vencedor. Naquele pleito, o pedetista terminou em terceiro lugar, com 13 milhões de votos (12% dos válidos).
Mesmo com as críticas domésticas à sua postura e as possíveis arestas na construção de palanques regionais, Ciro disse na quinta-feira (10) que se sente responsável por “falar a verdade para a população brasileira” e que deve manter o tom das críticas a Lula.
“Vou arcar com as responsabilidades e consequências da minha posição. Eu ajudei o Lula, pouca gente ajudou o Lula como eu ajudei. Eu tenho uma certa coerência. Mas o Lula infelizmente não tem mais energia, não tem mais nenhuma novidade, o Lula está tomado de ódio”, afirmou à Folha.