“Nas eleições de 2020, eu e minha vice sofremos ataques racistas. Fui chamada de macaca nas redes sociais por pessoas ligadas ao outro grupo. Logo após o pleito, um dos nossos militantes foi brutalmente assassinado com dez tiros, exatamente o número da legenda da qual eu fazia parte na época. Foi um recado. No meu primeiro ano de governo, um candidato a vereador pelo meu partido foi executado com 19 tiros na face. Tudo isso foi oriundo do resultado do processo político. Mas até hoje as investigações não avançaram e ninguém foi responsabilizado”.
Este relato foi feito pela prefeita de Cachoeira, Eliana Gonzaga (PT), na audiência pública sobre violência política de gênero e raça para marcar o 14 de março, Dia Nacional de Luta contra a Violência Política contra as Mulheres, data em que a vereadora Marielle Franco foi assassinada. Engajada na luta, a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) promoveu, na manhã desta quinta-feira (14), juntamente com a Secretaria de Política para Mulheres (SPM), e a Procuradoria Especial da Mulher da ALBA, o evento no Auditório Jornalista Jorge Calmon.
O ato reuniu deputadas estaduais, representantes de secretarias de Estado, da sociedade civil organizada, prefeitas e vereadoras de 16 municípios baianos para discutir a temática, fortalecer o sentimento de sororidade e criar um espaço de escuta para mulheres que enfrentaram violência em suas trajetórias políticas, além de lançar as bases para a formação de um Grupo de Trabalho de Prevenção e Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça.
De acordo com a proponente do encontro, deputada Fabíola Mansur (PSB), procuradora especial da mulher da ALBA, a luta travada precisa ser feita de maneira conjunta, com a participação ativa de diversos órgãos públicos, independentemente de partido político. “Quando a gente entende que o nosso partido são as mulheres, quando a gente entende que a nossa luta é coletiva, tudo vai ficando mais fácil, ou pelo menos, menos difícil”, afirmou Mansur.
A socialista aproveitou a ocasião para divulgar os números da Procuradoria Especial da Mulher, em um recorte que levou em consideração o início das atividades no dia 23 de novembro de 2023, o recesso parlamentar durante todo o mês de janeiro de 2024, o período do carnaval, até o dia quatro de março. Ao todo, foram realizados 19 atendimentos psicológicos, 19 assistências sociais, e 22 representações jurídicas. Fabíola ainda ressaltou a importância da apresentação de denúncias embasadas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e à Polícia Federal, e explicou o amparo legislativo viabilizado a partir da Lei Federal nº 14.192/2022.
Em que pese exista legislação vigente com teor inibitório, a inaplicabilidade nos casos concretos é alvo de críticas por parte das detentoras de mandato eletivo, que já foram alvo de violência política. Segundo a vereadora em Alagoinhas, Juci Cardoso (PC do B), apenas quatro mulheres exercem a vereança no município, e há três anos têm sido vítimas de violência política de gênero.
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a cada 30 dias ocorrem em média sete casos envolvendo comportamentos de humilhação, constrangimento, ameaça ou que prejudiquem uma candidata ou mandatária em razão de sua condição feminina. Isso sem contar com a subnotificação. A desigualdade de tratamento entre homens e mulheres na política tem início desde a possibilidade de ingresso no partido político e, em caso de eleição, durante todo o mandato, conforme ressaltou a vice-prefeita de Adustina, Loirinha do Sem Terra (PT).
Segundo a chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Política para Mulheres (SPM), Aldinha Sena, que no evento representou a titular da pasta, secretária Elisângela Araújo, o desequilíbrio de gênero na política pode ser facilmente percebido ao analisar o percentual de vagas preenchidas pelo público feminino.
Esforço
A deputada Neusa Cadore (PT) defende um esforço conjunto para que nas eleições municipais deste ano mais mulheres sejam eleitas, como forma de reforçar a luta feminina na política. “Nós estamos em um ano eleitoral, em que vamos renovar o nosso esforço no sentido de garantir mais vagas para as mulheres nos espaços de poder. Temos que ter em mente que na Bahia temos mais de cem municípios que não tem nenhuma mulher com assento na Câmara de Vereadores. Isso precisa mudar, porque é na política que reduzimos as desigualdades sociais”, afirmou.
Conforme ressaltou a deputada Fátima Nunes (PT), o lugar da mulher é onde ela quiser. Segundo a petista, as mulheres querem a igualdade de oportunidades com os homens, e a possibilidade de lutar por uma sociedade melhor. “Na política, nós não tratamos apenas de interesses nossos. Nós tratamos de interesses da sociedade, da melhoria da qualidade de vida, na saúde, na educação, na ciência e tecnologia, do ingresso dos nossos jovens nas universidades. Queremos que mais mulheres ocupe os espaços de poder”, frisou.
Único deputado homem a participar da audiência pública, Marcelino Galo (PT), fez o uso da palavra para defender o combate à extrema-direita e, segundo o próprio parlamentar, ao conservadorismo que atinge diretamente os direitos das mulheres. Segundo o legislador, que assumiu recentemente o mandato na ALBA, a luta contra a violência política contra as mulheres não deve ser desempenhada apenas pelo público feminino, sendo também dever dos homens.
Além dos já mencionados, participaram do encontro a deputada Maria del Carmen (PT), presidente da Comissão de Constituição e Justiça; a delegada Bianca Andrade Torres; a defensora pública, Lívia Almeida; o representante da Secretaria de Comunicação Social do Estado da Bahia (Secom), Jaime Dourado; e a Superintendente da Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial dos Povos das Comunidades Tradicionais (Sepromi), Daniele Costa.