Há poucos meses, o técnico em saneamento Aécio Pereira sentou-se pela primeira – e única – vez diante da juíza auxiliar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, para prestar depoimento sobre seu papel nos atos de vandalismo que tomaram Brasília no dia 8 de janeiro. Primeiro executor do quebra-quebra a ser condenado – foram 17 anos de cadeia por crimes como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito – Aécio foi questionado sobre armas, financiamento aos ataques, complacência em bloqueios policiais e depredação de prédios públicos na praça dos Três Poderes. Quatro perguntas específicas, porém, dão pistas mais claras de como a justiça tentará responsabilizar aquele que, não é segredo para ninguém, Alexandre de Moraes acredita estar por trás da intentona: o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Você acredita nas afirmações do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro sobre a ocorrência de fraudes nas urnas e nas eleições? Isso colaborou para sua ida a Brasília e à marcha até à praça dos Três Poderes? Você queria a queda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o retorno do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro? Se o ex-presidente Jair Bolsonaro tivesse dado declaração reconhecendo a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a lisura das eleições, você teria ido a Brasília e à Praça dos Três Poderes?”, questionou a auxiliar de Moraes em um roteiro pré-concebido de mais de 20 tópicos de interesse da invesntigação. Aécio se manteve em silêncio.
É de se esperar que perguntas semelhantes sejam feitas aos mais de 1.300 réus que respondem por destruir o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal na busca por enquadrar Bolsonaro, no mínimo, como instigador dos protestos de janeiro. O figurino de partícipe por instigação nem de longe é um crime menor, dizem especialistas ouvidos por VEJA. “Um dos muitos critérios legais é a relevância do alcance e da capacidade de mobilização da palavra do Bolsonaro. Se for confirmado que ele de fato instigou, ele não é um instigador qualquer. Ele pode ter uma pena alta não pelo simples fato de ser instigador, mas pela qualidade, alcance e robustez dessa instigação”, diz a professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo Helena Lobo, ressalvando que falava em tese, sem analisar as provas contidas nos inquéritos tocados pelo ministro Alexandre de Moraes. Dois dias depois dos episódios de vandalismo, Jair Bolsonaro publicou – e apagou na sequência – um vídeo em que provocava o STF e questionava a vitória de Lula nas urnas.
“As pessoas estavam tranquilas e foram de alguma forma estimuladas por um determinado tipo de discurso, de gesto, de prática que as levou a se reunirem, saírem de suas casas, se concentrarem e depois destruir as coisas e atacar os poderes constituídos. Essa instigação está na raiz de tudo. Por isso ela é mais grave e, em tese, os instigadores vão ter penas ainda maiores porque eles que fizeram surgir o desejo de praticar os crimes”, completa Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. “Se os instigadores não existissem, muito provavelmente não teríamos pessoas vindo do país inteiro para se reunir na praça dos Três Poderes. Pessoas com posição de poder, que organizam e orientam, recebem penas maiores porque o juízo de reprovabilidade é maior. O sujeito não é só um peão no tabuleiro”, diz.