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terça-feira 1 de outubro de 2024 às 12:23h

As mulheres são maioria entre os eleitores, mas os homens são a maioria absoluta entre os eleitos

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Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no ano de 2024, 52% do eleitorado brasileiro é feminino. Há 100 anos, no entanto, não estaríamos coletando esses mesmos números. A existência do eleitorado feminino no Brasil pode ser considerada uma conquista recém-nascida diante da desigualdade ainda latente de participação política entre os sexos. O voto feminino é incorporado na constituição brasileira no ano de 1934, há menos de um século, se tornando obrigatório apenas em 1965.

A obrigatoriedade ou não de votar pode parecer um mero detalhe, mas diante de um cenário em que as mulheres casadas eram consideradas civilmente incapazes, como consta no artigo 6º, inciso II do Código Civil de 1916, muitas delas eram desautorizadas a exercer seus direitos políticos pelos próprios maridos, o que na prática mantém um grande número de mulheres afastadas dos pleitos. A condição de incapacidade civil das mulheres é eliminada apenas no ano de 1962, com o estabelecimento do “Estatuto da Mulher Casada”.

No que diz respeito à presença de mulheres em cargos políticos, o direito de ser votada é garantido pela constituição em 1946, há 78 anos. Alzira Soreano, a primeira mulher eleita prefeita no Brasil, no município de Lages-RN, em 1928, é um caso isolado e sua eleição é resultado de uma lei estadual potiguar que assegurava que todos teriam o direito ao voto, independente do sexo. Poder ser votada, no entanto, não basta.

A Lei das Eleições, alterada recentemente, pode até parecer fomentar a participação feminina na política, no entanto, a obrigatoriedade de lançar um mínimo de 30% de candidaturas femininas não parece promover, de fato, paridade entre homens e mulheres, senão cumprir uma política protocolar de cotas. As mulheres continuam sendo preteridas nas candidaturas de seus partidos e coligações, se situando na margem numérica dessa porcentagem.

Além disso, para que os partidos preencham os requisitos previstos por essa lei, muitas acabam encaixadas em candidaturas “laranja”. Em 2021, por exemplo, 60% das candidaturas sem voto eram femininas, o que indica fraudes nas candidaturas das mulheres.

Em 2024, a tendência é que essa situação se repita. Embora sejam 52% do eleitorado, as mulheres compõem apenas 33% das candidaturas totais para as eleições municipais. O número reduzido de mulheres pode ser explicado pela falta de incentivo que a categoria recebe até hoje para sua participação nos espaços públicos, bem como pela dificuldade na conciliação, por parte da mulher, entre carreira e vida familiar.

O único partido que possui mais candidaturas femininas nas eleições de 2024 é a UP, onde elas representam 53% do total, seguidos dos 41% do PCdoB. O partido com maior disparidade é, curiosamente, o PCB, também da esquerda, que tem 31% de mulheres candidatas, se situando praticamente na margem das cotas. O PT e o PSOL possuem respectivamente 36% e 40% de suas vagas ocupadas por mulheres, migalhas que não devem ser confundidas com avanço ou gentileza.

O Novo, o MDB, o PDT, e o Republicanos, 34%, número que se repete na maioria das siglas. O PL, que tem apostado na importância das mulheres em suas campanhas no atual pleito a fim de mudar sua imagem para o público após o resultado das eleições presidenciais de 2022, 33%. Os dados, no entanto, não deixam mentir: esquerda ou direita, não importa. Nenhum lado parece, de fato, se comprometer com uma mudança no status quo no que diz respeito à participação feminina na política.

No que concerne aos resultados das eleições, os números pioram. Nas últimas eleições municipais, de 2020, as mulheres foram 13% dos prefeitos eleitos. Entre os vereadores esse número sobe timidamente para os 20% de mulheres eleitas. O que isso nos indica é que, além da propensão a serem menos votadas e a sofrerem fraudes em suas candidaturas, as mulheres também não confiam o voto à própria categoria. Muitas ainda seguem a tradição da dependência ideológica, optando por votar de acordo com os maridos ou figuras de referência em suas comunidades locais e religiosas.

Quando as mulheres finalmente adentram esse espaço político, também não temos nenhuma garantia de que as pautas caras à categoria sejam tópicos de discussão e transformação na lei.

A tese da legítima defesa da honra, por exemplo, utilizada durante muito tempo como atenuante de pena para o crime de feminicídio, só foi considerada inconstitucional no ano de 2021. É no segundo governo Lula ainda, em 2010, que a Lei da Alienação Parental, instrumento utilizado para proteger abusadores e pedófilos, é instituída. A volta do Ministério das Mulheres, envolvido em diversas polêmicas, não foi o suficiente para sua revogação. O Projeto de Lei 872/23, que criminaliza a misoginia, continua engavetado. A política feita por mulheres e para mulheres parece caminhar a passos tímidos, tropeçar em pedras e pisar em ovos por aqui e ali.

A centralidade do sexo feminino parece ser reduzida, na verdade, às campanhas eleitorais. É inegável que as coligações e partidos políticos reconhecem a importância das mulheres na hora de solicitar os preciosos votos. Da extrema direita à esquerda radicalizada, todos parecem dar extrema importância à representação da força do eleitorado feminino. Concretizar, de fato, transformações políticas voltada a esse grupo – a bem-dizer, metade da população mundial – parece ser um assunto que é, com exceção do período eleitoral, sempre deixado para depois. Afinal, as necessidades da mulher podem sempre esperar mais um pouquinho.

Por Ana Calderaro – Ela é escritora e integra a Mulheres Associadas, Mães e Trabalhadoras do Brasil (Matria). É associada à Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel).

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