A Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, que trata da Reforma Administrativa, partiu de uma premissa de equilíbrio fiscal em situação de crise, porém resultará em efeito contracionista e potencialmente recessivo, conforme estudos que projetaram seus efeitos a longo prazo.
A proposição, inspirada em uma linha ideológica privatista e de Estado mínimo, sequer possui equivalência em países de inspiração liberal, como Estados Unidos e Austrália. Vale lembrar que tais países possuem amplo aparato estatal na provisão de serviços públicos profissionais de alta qualificação técnica e autônomos perante ingerências políticas.
Os pressupostos trazidos pela Reforma Administrativa poderão resultar em gravíssimos retrocessos ao nível de desenvolvimento humano do país, já bastante atrasado e inferior a países como Irã, Cuba, Armênia e Bósnia-Herzegovina.
Infelizmente, sua tramitação e votação em caráter remoto no Congresso Nacional prejudicarão o necessário debate e, principalmente, uma avaliação honesta dos efeitos deletérios ao serviço público do país, resultando em servidores mal remunerados, sem perspectiva e órgãos públicos sucateados.
Em linhas didáticas, a PEC 32/2020 aprovada na CCJ propõe em seu bojo regras extremamente danosas ao serviço público, as quais elencamos:
– O texto prevê o fim do regime jurídico único da União e criação de vínculo de experiência, vínculo por prazo determinado, cargo com vínculo por prazo indeterminado, cargo típico de Estado e cargo de liderança e assessoramento (cargo de confiança).
– Propõe ainda a exigência de dois anos em vínculo de experiência, com “desempenho satisfatório” antes de o profissional ser investido de fato no cargo público.
– A proposta enviada pelo governo acaba com a estabilidade de parte dos futuros servidores. Atualmente, a regra geral é que todo servidor público é estável no cargo, só podendo ser demitido se for condenado sem mais possibilidade de recurso na Justiça ou se cometer infração disciplinar. Para os atuais servidores, essa regra continuará valendo. Segundo a proposta do governo, a estabilidade passa a ser garantida apenas para servidores das chamadas carreiras típicas de Estado, que só existem na administração pública. Uma lei a ser enviada posteriormente listará quais serão essas carreiras que vão manter a estabilidade.
– Há também a criação do “vínculo de experiência”, no qual o aprovado em concurso público passa por um período de um a dois anos de trabalho, ao fim do qual haverá a classificação final e a seleção de fato para o serviço.
– A PEC ainda substitui os cargos em comissão de livre provimento e exoneração e funções de confiança por cargos de liderança e assessoramento, com critérios para nomeação estabelecidos pelo Executivo.
– São proibidos pontos como férias superiores a 30 dias pelo período de um ano, adicionais de tempo de serviço, licença-prêmio ou licenças decorrentes de tempo de serviço, aposentadoria compulsória como modalidade de punição e incorporação de gratificação a salário. Tais restrições não se aplicam a juízes, membros do Ministério Público e militares no texto atual da PEC 32/2020.
– A União poderá editar normas para políticas de remuneração, ocupações de cargos de liderança e assessoramento, progressão e promoção funcionais, entre outras. Todas as esferas do Executivo também poderão firmar cooperações com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, que envolvam inclusive o compartilhamento de estrutura física e o uso de recursos humanos de particulares.
Portanto, a maior vítima será a sociedade brasileira e o futuro da Nação, sequestrados por uma ideologia falsamente reformista e que implicará em retrocessos severos à nossa já deficiente dinâmica social e institucional, marcada pela persistência de um crônico patrimonialismo, clientelismo e fisiologismo no trato dos bens públicos. Que estejamos preparados para uma posição ainda pior no IDH mundial.