Vitorioso na maioria das quedas de braço travadas com o Palácio do Planalto nos primeiros dois meses de governo Lula, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), atua para manter o controle sobre estatais e por maior influência sobre o andamento de matérias no Congresso. A força de Lira, reeleito com votação recorde ao comando da Casa, vem incomodando a base de Lula e causando embaraços ao governo, cauteloso com os riscos de confrontá-lo. O PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem Lira foi aliado, também já se indispôs com movimentos de aliados do presidente da Câmara.
Além de ter alinhavado com o Planalto, em fevereiro, a manutenção de indicados do Centrão nos comandos da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), Lira segue contemplado no governo Lula na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), um de seus feudos políticos mais antigos. O atual diretor-presidente, José Marques de Lima, foi superintendente em Maceió e ascendeu à chefia da estatal em 2017, no governo Temer, sob as bençãos do deputado e de seu pai, o então senador Benedito de Lira (PP-AL).
O peso da família Lira na CBTU remonta à primeira passagem de Lula pela Presidência. Em 2007, o PP emplacou como diretor-presidente um aliado de Benedito em Alagoas, Elionaldo Magalhães. Na mesma época, nomes ligados ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), rival político de Lira, perderam a superintendência alagoana da CBTU, que foi assumida por Marques.
Lira, de preto à esquerda, e seu pai, o então senador Benedito de Lira (PP), na inauguração de uma estação do VLT de Maceió em 2017: presidente da CBTU, José Marques de Lima (à direita), é apadrinhado da família — Foto: Divulgação/CBTU
Em 2019, Lira se tornou réu por corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF), por suposto recebimento de propina de Francisco Carlos Caballero Colombo, sucessor de Elionaldo, para mantê-lo à frente da CBTU. A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) narra que um assessor de Lira foi flagrado com R$ 106 mil escondidos pela roupa, em fevereiro de 2012, após receber o dinheiro de Colombo no Aeroporto de Congonhas.
A defesa entrou com recurso, e um pedido de vista do ministro Dias Toffoli mantém o caso paralisado desde 2020. Procurado, o advogado Pierpaolo Bottini, responsável pela defesa de Lira, alegou que a conexão entre o dinheiro achado com o assessor e a suposta corrupção na CBTU se baseou na delação do doleiro Alberto Youssef. Com base no pacote anticrime, aprovado pelo Congresso em 2019, que passou a vetar recebimento de denúncia lastreada pela palavra de delator, a defesa pleiteia uma “reanálise do caso” pelo STF.
Lira mantém ainda dois primos, Joãozinho Pereira e César Lira, nas superintendências da Codevasf e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas, respectivamente, e apadrinhados na chefia regional do Dnocs e na administração do Porto de Maceió.
Além de suas indicações seguirem intocadas, Lira busca um acordo com o Planalto para manter a análise de Medidas Provisórias (MPs) nos plenários das duas Casas, o que na prática lhe confere mais poderes — na regra em vigor, os textos passam primeiro pela Câmara e só depois chegam aos senadores. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quer a recriação das comissões mistas responsáveis pela análise das MPs.
— Na pandemia houve acordo para simplificar análise de MPs, mas criou um problema porque o Senado passou a receber as medidas nos últimos dias e não indica relator — disse Renan Calheiros, aliado de Lula.
A discussão tem impacto em temas caros ao Planalto, como a retomada do chamado “voto de qualidade” da Receita Federal no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a reorganização do governo, ambos tratados em MPs.
A influência de Lira também deixou o PL numa saia justa. Com a possível federação entre PP e União Brasil, que ultrapassaria o PL como maior bancada do Congresso, aliados de Lira vêm cobiçando a relatoria do Orçamento de 2024, rompendo um acordo com a sigla de Jair Bolsonaro. Para integrar o bloco de Lira, o PL abriu mão da presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, com a promessa de indicar o relator do Orçamento.
Lideranças do PL se fiam na palavra de Lira para ocupar o espaço pretendido na Comissão Mista do Orçamento, cuja composição só deve ser definida após as comissões da Câmara.
— Não creio que farão uma virada de mesa — disse o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ).
Ao assumir as rédeas do Orçamento, o Centrão ganharia fôlego para reagir à extinção do “orçamento secreto”, julgada pelo STF no fim de 2022. A decisão de acabar com as emendas de relator do Orçamento, manobradas por Lira no governo Bolsonaro, foi um revés creditado por aliados do presidente da Câmara à atuação de Lula junto ao Supremo, algo que o Planalto nega.
Lula e ministros têm evitado enfrentar Lira por receio de que isso trave o governo. Na semana passada, o presidente da Câmara alertou que o Planalto “ainda não tem uma base consistente”, no mesmo dia em que Lula avaliava demitir o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, do União Brasil. Após o alerta, Lula manteve o ministro.
Procurado pelo jornal, Lira não se manifestou.
As apostas do presidente da Câmara no governo Lula:
Vitórias
Votação recorde: Lira foi reeleito em fevereiro para a presidência da Câmara dos Deputados com 464 votos, um recorde desde a redemocratização. O bloco de apoio ao parlamentar do PP teve participação do PT, partido do presidente Lula, e do PL, de Bolsonaro.
Cargos mantidos: Apesar de ter sido um dos principais aliados do então presidente Jair Bolsonaro, Lira e seu grupo político conseguiram manter, no governo Lula, o controle de cargos como a presidência da CBTU, origem de processo contra ele no STF; presidência nacional e a superintendência em Alagoas da Codevasf e do Dnocs; uma diretoria do Sebrae e a administração do Porto de Maceió
Permanência de ministro: Alvo de acusações como uso de avião da FAB e recebimento de diárias para comparecimento em evento de caráter pessoal, o ministro Juscelino Filho (Comunicações), indicado pelo União Brasil, foi mantido pelo presidente Lula na pasta no mesmo dia em que Lira, em um recado ao Palácio do Planalto, afirmou que o governo não tem uma base consistente na Câmara.
Derrotas
Aliado preterido: O líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), aliado próximo de Lira, foi preterido para o Ministério da Integração Nacional.
Orçamento Secreto: O STF derrubou em dezembro do ano passado o orçamento secreto, mecanismo pelo qual verbas do Orçamento da União eram distribuídas de forma desigual e sem transparência entre parlamentares. Lira era um dos controladores dessa repartição