O argentino Alejandro Sánchez, de 36 anos, tem uma empresa que administra condomínios em Buenos Aires. Além de fazer a parte contábil, a companhia também é responsável pela manutenção e reparos nos edifícios. A inflação de 83% em 12 meses tem complicado seu trabalho. Os pagamentos, agora, precisam ser à vista ou, no máximo, em duas vezes, porque ninguém sabe quanto os preços vão subir mesmo no curto prazo e os empréstimos são difíceis de sair.
“As pessoas também não conseguem economizar para pagar determinados trabalhos. Tenho um edifício com elevadores precisando de uma manutenção grande, de 4 milhões de pesos (cerca de R$ 140 mil). Quando a moeda era estável, as pessoas se planejavam, poupavam por seis meses e o conserto era feito nos últimos dois meses do período. Agora, não tem como fazer isso.”
Sánchez destaca que, apesar da crise financeira do país, seu negócio tem crescido. Ele continua almoçando fora de segunda a sexta-feira e sai para jantar com a família cerca de duas vezes por semana.
O empresário diz que os restaurantes estão movimentados e que não percebe falta de produtos nos supermercados – ao contrário do que afirmou o presidente Jair Bolsonaro recentemente, de que não havia carne para comprar no país por conta da crise. Os economistas entrevistados pela reportagem também negaram a escassez de produtos e afirmaram que houve uma preocupação mais elevada com isso apenas quando o ex-ministro Martín Guzmán renunciou, em julho.
Sánchez admite, no entanto, que a vida dos argentinos de classe baixa está mais difícil. “A inflação tem afetado muito pessoas de menor poder aquisitivo. A impressão é que a distância entre os que têm dinheiro e os que não têm é crescente.”
Já a irmã de Sánchez, Sofía, de 25 anos, tem sentido mais a crise no seu dia a dia. Formada em administração e trabalhando na área financeira de uma multinacional, ela conta que os reajustes de seu salário não acompanham a inflação. Os aumentos são concedidos a cada quatro meses e variam de 15% a 20%. Nos últimos quatro meses até setembro, entretanto, a inflação no país foi de 28,5%.
“Todos os meses, perco poder aquisitivo. Aí tenho de mudar hábitos. Em dois meses, a ração dos meus gatos passou de 7 mil pesos (R$ 240) para 11 mil (R$ 380). Aí passei a comprar uma mais barata.”
Como costuma fazer grande parte dos argentinos, Sofía comprava dólares com o que sobrava do salário para economizar. Eram cerca de US$ 150 por mês. Desde abril, não sobra mais nada para poupar. O aumento do aluguel foi um dos que apertou o orçamento da administradora. O reajuste em julho foi de 65%, diz. “Nos últimos anos, a questão da inflação já era difícil, mas agora está mais notório. As altas são mais abruptas.”
O controle de acesso ao mercado cambial também fez Sofía mudar costumes. Viagens ao exterior, que antes eram mais corriqueiras, acabaram. “Em 2018, por exemplo, eu podia viajar para fora nas férias. Isso não é mais uma possibilidade.”
Sofía afirma não notar escassez nos mercados. “Talvez haja apenas uma variedade menor de produtos, mas não falta nada. Lembro de, antes da pandemia, ir para a Colômbia nas férias e perceber que havia mais marcas do que aqui.”