Na sua participação na reunião de Cúpula do G7 nesta segunda-feira (27), o presidente argentino, Alberto Fernández, quer ser o porta-voz da América Latina contra a guerra que “acontece no Norte, mas afeta o Sul” e quer instalar a Argentina como substituta do gás russo para a Europa e de alimentos ao mundo. Para isso, vai pedir às maiores economias globais que invistam na Argentina como um fornecedor estável e confiável.
Por esse potencial, o presidente argentino Alberto Fernández foi o único convidado da América Latina pelo chanceler alemão Olaf Scholz, anfitrião do evento.
Na presidência rotativa do grupo que reúne também França, Itália, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e Canadá, a Alemanha é o país mais afetado na Europa pela dependência do gás russo e vê na Argentina a possibilidade de um novo fornecedor.
Por isso, Scholz declarou a Argentina como “país sócio do G7 durante a presidência alemã”. A indicação foi feita depois da viagem de Fernández à Europa, no começo de maio, na qual o presidente argentino visitou, além, Olaf Scholz na Alemanha, o presidente Emmanuel Macron, na França, e o primeiro-ministro Pedro Sánchez, na Espanha.
Voz da América Latina
Nessa viagem, Alberto Fernández defendeu que América Latina, África e Ásia intervenham na procura de uma solução pacífica para a guerra por serem a parte afetada com mais risco de um cenário de fome.
O presidente argentino voltou a repetir o conceito na sexta-feira (24), durante a Cúpula dos BRICS. “Quero levantar a minha voz para que o mundo entenda que, embora a guerra aconteça na Europa, as suas consequências trágicas repercutem em todo o hemisfério Sul. Somos uma periferia que padece”, insistiu Alberto Fernández.
“A Argentina é fornecedora segura e responsável de alimentos, reconhecidos no âmbito da biotecnologia. Temos grandes recursos energéticos como a segunda reserva mundial de ‘shale gas’ e a quarta em ‘shale oil’. Começamos a exploração de lítio, de hidrogênio verde e de outras energias renováveis”, apontou.
Necessidade de investimentos
Porém, apesar de a Argentina ter a segunda maior reserva mundial de gás não convencional, capaz de fazê-la retornar à auto-suficiência e ainda abastecer a Europa, o país requer de fortes investimentos para extrair, para transportar e para transformar o gás natural em líquido para ser exportado.
A Argentina também é uma das maiores produtoras mundiais de milho e de trigo, justamente os dois produtos mais afetados pela guerra na Ucrânia. O país produz grãos e cereais suficientes para dez vezes mais do que a sua população de 47 milhões de habitantes e ainda pode aumentar a produção.
No entanto, a economia argentina é desordenada. O grau de intervenção arbitrária do governo no controle de preços, nas restrições ao mercado de câmbio e nos movimentos de capitais afasta os investimentos.
“O país tem uma oportunidade enorme, mas requer investimentos. A Argentina era vista como um pária internacional até o começo da guerra. Agora é convidada para a reunião do G7. Mudou o país? Não. Mas tem potencial. Quem mudou foi o mundo em relação ao que a Argentina pode dar”, “, explica à RFI o consultor em negócios e analista internacional, Marcelo Elizondo, uma referência na Argentina.
“Se o país se ordenar, empresas norte-americanas e europeias podem vir explorar petróleo e gás ou gerar energia eólica e solar. Podem aumentar a produção de grãos. A Argentina não pode responder imediatamente porque falta infraestrutura, mas pode responder em dois ou três anos”, calcula o especialista.
O presidente argentino defende que o Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, desista de encurralar a Rússia, através do fortalecimento da OTAN. Acredita que deixar uma margem de dignidade para a Rússia ajuda a uma negociação pela paz.
“É urgente construir cenários de negociação que ponham fim à catástrofe bélica. Sem humilhações nem desejos de dominação. Sem geopolítica desumanizada nem privilégios de violência”, pediu Alberto Fernández durante a Cúpula das Américas no começo do mês.
Convidados estratégicos
Os outros quatro países, de fora do G7, convidados para esta reunião são Senegal, Indonésia, África do Sul e Índia.
O Senegal preside a União Africana cujos países membros são dependentes em 44%, em média, do trigo russo. A dependência de Senegal chega a 60%.
A Indonésia, na presidência rotativa do G20, é o maior produtor mundial de níquel, usado nas baterias de íons de lítio para veículos elétricos. Pode substituir a Rússia, terceira maior produtora do mundo.
A África do Sul, segunda maior produtora de paládio, usado nos catalisadores dos automóveis, será fundamental para substituir a Rússia, a maior produtora.
A Índia é um dos países que mais risco corre de sofrer com a falta de alimentos devido à guerra. Por isso, Alberto Fernández terá uma reunião bilateral com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para também colocar a Argentina como abastecedora de um mercado de 1,4 bilhão de habitantes.
A reunião do G7 estava, inicialmente, prevista para tratar de alterações climáticas, luta contra a pandemia, cooperação internacional e democracia. No entanto, a invasão russa na Ucrânia, no entanto, impôs uma agenda urgente. A tal ponto que o presidente Volodymyr Zelenski terá uma participação virtual.