A área econômica do governo alertou o presidente Jair Bolsonaro de que a concessão de aumentos às polícias civil e militar do Distrito Federal pode violar as leis orçamentárias e até a Constituição. O custo anual de R$ 505 milhões ao ano para bancar reajustes de 8% a 25% nos vencimentos dessas categorias não está previsto no Orçamento de 2020.
O governo federal é responsável pelo pagamento de policiais do Distrito Federal. Ou seja, o contribuinte de todo o País banca a segurança brasiliense.
Na véspera do Natal, 24, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, anunciou que Bolsonaro assinou uma Medida Provisória concedendo os reajustes. Uma MP tem força de lei a partir de sua publicação, embora precise ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para continuar valendo.
As secretarias de Gestão de Pessoal (SGP) e de Orçamento Federal (SOF) do Ministério da Economia emitiram pareceres contrários à medida. Em um deles, os técnicos citam que a proposta esbarra em disposições constitucionais. O artigo 169 da Constituição diz que um aumento só poderá ser concedido se houver “prévia dotação orçamentária”, o que não é o caso.
As áreas também alertaram o presidente de que as demais categorias de servidores estão com salários congelados por falta de espaço no Orçamento e que até o salário mínimo de todos os trabalhadores brasileiros deve ser reajustado apenas pela inflação, sem qualquer aumento real, diante da necessidade de conter as despesas. O piso nacional é o valor de 67% dos benefícios (aposentadorias e pensões) do INSS.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a equipe econômica não foi ouvida durante a preparação do texto da MP. Uma nota técnica endossando a concessão dos reajustes partiu da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ), órgão ligado à Secretaria-Geral da Presidência da República. A pasta é comandada pelo ministro Jorge Oliveira, que é policial militar do Distrito Federal na reserva. Pela proposta, todos os militares, inclusive inativos e pensionistas, serão beneficiados pelo aumento.
A área econômica entrou em campo apenas na terça-feira, 24, mesmo dia em que Ibaneis anunciou que Bolsonaro já havia assinado a MP.
O texto não foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) até o momento, mas a avaliação na área econômica é que o caso é “gravíssimo” e pode trazer dor de cabeça ao governo. A autorização de despesas sem prévia dotação orçamentária foi um dos argumentos que levaram ao processo de afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff.
O Tribunal de Contas da União (TCU) já emitiu alertas recentemente sobre a necessidade de prévia autorização e dotação orçamentária para ampliar gastos com pessoal.
Para resolver o problema, a Secretaria de Orçamento sugeriu o envio prévio de uma proposta de mudança na Lei Orçamentária de 2020 para incluir a autorização para o aumento. Apenas após a aprovação desse projeto é que o presidente poderia encaminhar os reajustes às polícias do DF. O órgão ainda recomendou a realização de consulta jurídica para avaliar se a edição de uma Medida Provisória sobre o tema não violaria o requisito constitucional de urgência para a publicação desse tipo de norma, uma vez que ela tem vigência imediata, antes mesmo do aval do Congresso.
Aumentos
O governo federal tem a competência para solicitar ou não reajustes aos policiais civis e militares do Distrito Federal porque os salários são bancados com recursos do Fundo Constitucional da DF, que por sua vez é abastecido com dinheiro da União. Caso os aumentos sejam validados, eles impactarão no Orçamento federal como um todo, consumindo espaço que poderia ser usado para outras despesas, como Bolsa Família e investimentos.
Pela proposta, os policiais civis teriam reajuste de 8% no subsídio em 2020. O salário de agente, que hoje vai de R$ 8.698,78 a R$ 13.751,51, ficaria em R$ 9.394,68 a R$ 14.851,63. Já a remuneração dos delegados, hoje de R$ 16.830,85 a R$ 22.805,00, passaria a ser de R$ 18.177,32 a R$ 24.629,40.
Para os militares, o reajuste da chamada Vantagem Pecuniária Especial (VPE) seria de 25%. As remunerações vão hoje de R$ 1.498,95 (soldado de 2ª classe) até R$ 7.279,17 (coronel). Com o aumento, passariam a ser de R$ 1.873,69 a R$ 9.098,96, respectivamente.
Os técnicos da área econômica informaram ao presidente que, além dos problemas legais, as polícias do DF já estão entre as mais bem remuneradas do País.
Na MP, Bolsonaro também pretende transferir a administração da folha de pagamento dos policiais inteiramente para o Distrito Federal. A área econômica, porém, advertiu que a execução orçamentária do Fundo Constitucional cabe ao Ministério da Economia e, por isso, tudo precisa passar pelo Orçamento da União e pelos sistemas de pagamento do governo federal. Para os técnicos, admitir a execução da folha de pagamento das polícias fora desse ambiente prejudicaria a transparência e o controle do uso de recursos que são federais.
No topo
Polícia Civil do DF já é uma das mais bem pagas do País. Veja a comparação da remuneração final das carreiras:
Delegado
Rio Grande do Sul – R$ 25.124,40
Distrito Federal – R$ 22.805,00
Amazonas – R$ 20.416,35
São Paulo – R$ 15.972,18
Agente
Rio Grande do Sul – R$ 13.891,00
Distrito Federal – R$ 13.751,51
Amazonas – R$ 8.814,72
São Paulo – R$ 5.051,50