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sábado 29 de abril de 2023 às 14:09h

Arcabouço fiscal: fim de punição aos gestores fragiliza controle de gastos, dizem analistas

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O fim dos crimes de responsabilidade para autoridades pelo não atingimento de metas fiscais e o término do bloqueio obrigatório de gastos públicos para atingir objetivos pré-determinados fragilizam as regras de controle de despesas. Essa é a opinião de analistas e políticos ouvidos por Alexandro Martello, Ana Paula Castro e Bianca Lima, do g1 e TV Globo

As mudanças constam na proposta do novo arcabouço fiscal, enviada pelo governo ao Congresso Nacional para análise em abril, e alterariam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para ter validade, as regras ainda precisam passar pelo aval do Legislativo.

  • Pelo texto, no lugar dos crimes de reponsabilidade pelo descumprimento das metas, que consta na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), bastará que o presidente da República encaminhe uma mensagem ao Congresso Nacional e explique as razões para o descumprimento das metas de resultado das contas públicas.
  • A proposta do novo arcabouço fiscal também tornou facultativo ao governo o contingenciamento (bloqueio) de despesas para cumprimento das metas fiscais. Nos últimos anos, para cumprir o teto de gastos e as metas fiscais, diferentes governos tiveram de autorizar bloqueios orçamentários para equilibrar o orçamento.
  • No caso de descumprimento das metas fiscais, a proposta de arcabouço determina que o aumento de despesas fique limitado a 50% do aumento da receita. Pela regra normal, esse crescimento poderia ser maior: em até 70% da alta da arrecadação.

Para o presidente do partido Novo, Eduardo Ribeiro, a proposta da nova regra fiscal é perigosa e pode se tornar um desastre para o cenário econômico brasileiro.

“A proposta do novo arcabouço, além de frágil do ponto de vista fiscal, é quase nula do ponto de vista punitivo. Qual o incentivo de se cumprir uma regra que não tem punição?”, questionou Ribeiro.

Nesta terça-feira (25), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que não há que não há “bala de prata”, e que é preciso ter as contas em dia para a economia melhorar. E destacou que o ajuste pelo lado do controle de despesas é mais efetivo para conter a inflação.

“Quando, em qualquer país do mundo, [o ajuste nas contas] é mais corte de despesas, têm efeitos mais benéficos na inflação. Quando é mais [alta] de receita, não tem efeito tão benéfico na inflação quanto o corte de despesas”, declarou Campos Neto, naquele momento.

Posição de Haddad

Nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, minimizou o fato de a proposta de nova regra fiscal acabar com a punição de autoridades no caso de descumprimento das metas fiscais.

“Tenho ouvido esse tipo de comentário, mas ninguém pune o Banco Central por não cumprir meta de inflação. O que eu acredito é em você ter regras que tornem a gestão mais rígida. Isso eu acredito. Vai tornando mais rígida a meta. Mas o resultado fiscal depende do Congresso, depende do Supremo, não depende só do Executivo”, declarou o ministro, na ocasião.

Questionado por jornalistas, Haddad também afirmou que os bloqueios preventivos de gastos “funcionam mal”. “É melhor ter um fluxo contínuo e que você vai monitorando as despesas do que você ter um garrote que é um outro faz de conta”, opinou.

  • Haddad já tinha dito anteriormente que será preciso elevar a arrecadação em até R$ 150 bilhões nos próximos anos para cumprir as metas fiscais do arcabouço.
  • Ao mesmo tempo, levantamento de economistas da corretora Warren Rena indica a necessidade de ao menos R$ 254 bilhões em aumento de receitas, até 2026, para atingir o piso das metas de resultado primário do arcabouço.
  • Analistas já haviam dito ao g1 que o arcabouço fiscal foca, principalmente, no aumento de arrecadação e que faltam indicações mais claras sobre o controle de gastos públicos.

O que dizem analistas

Segundo o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, que podem ser alteradas, protegem o interesse comum. Ele avaliou que há “grupos localizados com interesses específicos, subsídios, emendas, fundos, juros subsidiados” atuando em Brasília.

“O contigenciamento [bloqueio de gastos preventivo] e as regras da LRF ajudam a proteger a equipe econômica e os agentes do Estado contra essas pressões (…) Acho que é um retrocesso grande. O Brasil tem histórico muito antigo de problemas fiscais graves. A LRF foi um grande avanço, mas ela vem sendo fragilizada crescentemente com os anos”, declarou.

Para Gabriel Leal de Barros, da Ryo Asset, a ausência de punições pelo descumprimento associado à grande dependência de aumento de carga tributária fragiliza o arcabouço fiscal proposto.

“Soma-se o fato de eles também terem alterado a LRF na parte que obriga o contingenciamento [bloqueio] de despesas, que vai ser opcional (…) É uma carta de intenções, no fundo”, declarou o analista.

Segundo ele, a punição proposta no arcabouço, que é reduzir o crescimento da despesa de 70% para 50% da alta da receita, no caso de descumprimento das metas, é praticamente nula.

“Não dá nem para considerar isso como uma punição. O gasto continua crescendo de forma indefinida. É muito fraca, além de estarem flexibilizando as punições da LRF. A ausência de punições faz com que a confiança do mercado no cumprimento da meta seja baixo”, disse Barros.

Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV Ibre e economista sênior da LCA, avaliou que as mudanças propostas pelo governo representam um “alívio” em termos de punição.

“Na verdade, tem punição, mas punição mais reputacional, de ter que explicar pro Congresso no período seguinte porque a meta não foi cumprida, parecido com o modelo do Banco Central, hoje a punição é uma punição criminal, é mais forte”, declarou.

Segundo o economista, se já havia um ceticismo com relação ao cumprimento das metas fiscais propostas no arcabouço, a mudança das regras proposta “aumenta ainda mais o ceticismo com relação à entrega desse compromisso de meta de resultado primário até 2026”.

Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse Brasil, avaliou que as propostas contidas no arcabouço fiscal representam retrocessos que diminuem muito a efetividade da regra de controle de gastos.

“Sobre a não configuração de crime de responsabilidade quando não ocorrer o cumprimento da meta, também acho muito negativo. Porque quando os gestores estão preocupados com o seu CPF, mesmo que os governantes troquem os gestores, isso não muda muito a política fiscal”, declarou.

Acrescentou que o fim da obrigatoriedade nos bloqueios preventivos de gastos, por sua vez, significa que, na prática, muitas poucas vezes vai acontecer o contigenciamento dos recursos. “E sem contigenciamento, o ajuste, em relação às metas, será muito gradual e talvez insuficiente”, disse.

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