Um recente encontro entre o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, encerrou-se com um elevado nível de concordância e potenciais iniciativas conjuntas, mas também com o reconhecimento de que há diferenças, segundo o relato de um diplomata americano à agência de notícias Reuters.
O comentário é emblemático de como a relação entre Estados Unidos e Arábia Saudita há muito deixou de ser uma obviedade e inquebrantável.
“A relação entre os dois países se deteriorou, especialmente no governo do presidente Joe Biden”, comenta o especialista em Arábia Saudita Stephan Roll, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP, em alemão).
Biden ordenou a divulgação de um relatório dos serviços secretos dos EUA que afirma que Mohammed bin Salman aprovou o assassinato, em 2018, do jornalista saudita Jamal Khashoggi, o que o príncipe herdeiro saudita nega. Khashoggi era colunista do jornal The Washington Post e residia nos EUA.
Roll avalia que as relações de Riad com países ocidentais, de um modo geral, deterioraram-se. “Eles são vistos em Riad como arrogantes, não confiáveis e exigentes”, diz.
Novo papel no Oriente Médio
Isso ocorre no mesmo momento em que a Arábia Saudita se aproxima da China, que se move para desempenhar um novo papel político no Oriente Médio.
Em abril, a diplomacia chinesa ajudou no fechamento de um acordo entre Arábia Saudita e Irã, após anos de hostilidades e posições opostas na guerra por procuração no Iêmen. Especialistas dizem que o acordo reduziu consideravelmente o perigo de um novo confronto armado no Golfo Pérsico.
“A princípio, ambos os países têm um interesse em relações bilaterais, mas especialmente a Arábia Saudita está interessada nelas”, observa Roll.
A reaproximação com o Irã é fundamental para pôr um fim na guerra no Iêmen, onde os dois países apoiam lados opostos. “O fim da guerra é indispensável para que a Arábia Saudita possa se tornar mais atraente como local de negócios e destino de investimentos e para liberar recursos que estão sendo necessários para a guerra”, diz Roll.
Ele avalia que o regime saudita está agradecido aos chineses por seu papel mediador. “Os Estados Unidos, por exemplo, não teriam condições de fazer isso”, diz Roll, em referência ao fato de EUA e Irã não manterem relações diplomáticas. Já a China é a principal compradora de petróleo tanto da Arábia Saudita como do Irã.
Parceria econômica com a China
Em dezembro passado, o presidente Xi Jinping fez uma visita de Estado de três dias a Riad, que ele mesmo chamou de início de uma nova era nas relações entre os dois países.
Isso inclui não só relações políticas, mas também econômicas. Investimentos equivalentes a 50 bilhões de dólares foram acertados durante a visita, segundo comentários do ministro saudita de Investimentos, Khalid al-Falih.
Além disso, o reino vai enviar 690 mil barris de petróleo por dia para a China, e, em troca, a empresa chinesa de telecomunicações Huawei deverá levar a nova tecnologia 5G de telefones celulares para o reino saudita.
Nesta semana, um fórum de empresários árabes e chineses em Riad promoveu acordos na ordem de 10 bilhões de dólares. Mais da metade desse dinheiro vai para uma parceria dos sauditas com a empresa chinesa Human Horizons, da marca HiPhi, para fabricar e vender carros elétricos na Arábia Saudita.
“Não temos que competir com a China, temos que cooperar com a China”, disse o ministro saudita da Energia, príncipe Abdulaziz bin Salman.
O fórum, que teve início no domingo (11/06) em Riad, é visto pela Arábia Saudita como uma oportunidade para ampliar ainda mais sua parceria econômica com a China, que já é a maior parceira comercial do reino árabe devido ao seu apetite insaciável por petróleo.
O ministro saudita do Exterior, Faisal bin Farhan, estimou em 106 bilhões de dólares o volume do comércio saudita-chinês em 2022, com um aumento de 30% em relação a 2021. O comércio do reino saudita com os EUA chega a 55 bilhões de dólares.
Rússia, guerra e petróleo
Riad também está recalibrando suas relações com Moscou, e está cooperando com a Rússia mesmo num momento em que os países ocidentais estão impondo sanções a Moscou por causa da invasão da Ucrânia.
Após um recente encontro da Opep+, a Arábia Saudita prometeu cortar sua produção de petróleo em 1 milhão de barris por dia a partir de julho. O reino parece aceitar o fato de que a Rússia não deu nenhuma garantia de que vá, também, limitar sua produção.
Desde o início da invasão e da queda das exportações para a Europa, a Rússia depende muito mais de suas vendas para a Ásia, em especial Índia e China, para financiar a guerra.
A recente visita a Riad do líder venezuelano Nicolás Maduro, que criticou as sanções ocidentais a Moscou, é mais um sinal da estratégia da Arábia Saudita de estabelecer contatos com várias partes para não ser dependente de uma única parceria.
Ingresso no Brics
A Arábia Saudita busca também ingressar no grupo de países do Brics, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No recente encontro na Cidade do Cabo, esses países debateram a admissão de novos membros. A Arábia Saudita é interessante para eles, até por ser uma potencial investidora no Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, presidido por Dilma Rousseff.
O ingresso da Arábia Saudita daria ao país uma variedade de potenciais parcerias e um fortalecimento das relações comerciais. Ao mesmo tempo, o Brics, que já responde por 30% do petróleo e 22% do consumo de gás no mundo, se fortaleceria como alternativa ao mercado de energia do Ocidente.
Entrar no Brics também poderia ajudar a Arábia Saudita a se tornar um ator político chave no plano internacional. Se a rivalidade entre o Ocidente e um bloco oriental em torno da Rússia e da China se intensificar, a Arábia Saudita teria boas relações com ambos.
Maior poder de barganha
Em Riad, Blinken, ao lado do ministro saudita do Exterior, disse que os EUA não vão forçar a Arábia Saudita a escolher um lado devido às recentes tensões com a China.
Já Bin Farhan comentou que as relações do reino com os EUA e a China não são um jogo de soma zero (no qual o ganho de um lado implica perda para o outro).
Analistas avaliam que a Arábia Saudita pode tirar vantagens da rivalidade geopolítica entre os Estados Unidos e a China. “A crescente influência da China está dando, aos países do Oriente Médio, maior poder de barganha com os EUA”, observa o analista de segurança nacional Dawn C. Murphy, da Escola Nacional de Guerra dos EUA.
“Mas não creio que qualquer um desses países tenha qualquer expectativa de que a China vá prover as mesmas garantias de segurança que os Estados Unidos dão. Trata-se mesmo de presença econômica e política”, afirma.
Por Kersten Knipp Jornalista da DW especializado em assuntos políticos, com foco em Oriente Médio.