O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que vai decidir se a nova lei de improbidade administrativa pode valer também para políticos condenados antes mesmo de ela existir vai testar não só as relações do tribunal com a classe política e sua capacidade de enfrentar desvios cometidos por agentes públicos.
A discussão, que começa nesta quarta-feira (3) e deve se arrastar conforme a coluna de Malu Gaspar, do O Globo, por vários dias, também vai medir como ficou a nova correlação de forças no tribunal depois do “enterro” da Lava Jato e das duas indicações feitas por Jair Bolsonaro para a corte.
Será a primeira decisão importante do tribunal a opor as chamadas ala punitivista (mais linha dura no combate à corrupção) e a garantista (mais inclinada a ficar do lado do direito de réus).
O julgamento é acompanhado com apreensão pela classe política. Hoje, mais de mil processos em todo o país aguardam a decisão do STF para ter algum desfecho.
Entre os políticos que podem ser beneficiados pelo julgamento do STF estão o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), os ex-governadores Anthony Garotinho (União Brasil-RJ) e José Roberto Arruda (PL-DF), e o ex-prefeito do Rio Cesar Maia (PSDB), candidato a vice-governador na chapa de Marcelo Freixo (PSB).
Até agora, esses políticos tiveram motivos para comemorar o resultado do cabo de guerra escancarado entre esses dois grupos – que torcem o nariz para esses rótulos, convém ressaltar.
Em julgamentos como o que derrubou a prisão após condenação em segunda instância e o que proibiu condução coercitiva de investigados para interrogatórios, o plenário do STF dinamitou esses dois pilares da Lava Jato por placares apertados de 6 a 5.
Por isso, qualquer mudança na composição da Corte pode produzir reflexos em questões sensíveis para a classe política e o combate à corrupção.
Desde esses embates, Bolsonaro indicou Kassio Nunes Marques e André Mendonça para substituir dois garantistas, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello.
Em decisões recentes, Nunes Marques já demonstrou que, em assuntos de interesse do Congresso, pertence ao grupo dos garantistas, capitaneados por Gilmar Mendes.
Já Mendonça ainda é uma incógnita nesses temas. Por isso, no mapa de votos do julgamento desta quarta-feira, a posição a ser tomada por ele é considerada peça-chave na definição do resultado.
Quando teve seu nome indicado ao STF em julho do ano passado, Mendonça enfrentou forte resistência de senadores e deputados que o chamavam de lavajatista e temiam que ele se juntasse à ala punitivista.
Liderados por políticos como Arthur Lira, um dos condenados por improbidade administrativa que pode ser beneficiado pelo resultado do julgamento que começa hoje do Supremo, esses políticos trabalharam pesadamente contra a aprovação do Senado ao nome de Mendonça.
Na época, na longa peregrinação por votos para validar a sua indicação, Mendonça se disse garantista, mas não convenceu os políticos.
No centro da discórdia do julgamento do STF está a discussão se a nova lei de improbidade administrativa — que prevê aplicação de pena apenas em caso de “dolo”, ou seja, quando há intenção comprovada de cometer a irregularidade — pode ser aplicada para absolver condenados antes de sua sanção, em outubro do ano passado.
De um lado, os mapeamentos feitos por integrantes e auxiliares da Corte ouvidos pela equipe da coluna dão como certos os votos dos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, expoentes da ala garantista, para salvar políticos que já foram condenados com base na regra antiga.
Alinhado aos interesses do Palácio do Planalto e indicado ao STF sob as bênçãos do Centrão, Nunes Marques deve se juntar a esse grupo.
Do lado diametralmente oposto, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, integrantes da ala punitivista, devem se posicionar contra a retroatividade da lei, o que impediria que políticos já condenados fossem beneficiados pelo afrouxamento das novas regras.
A expectativa é a de que a ministra Rosa Weber, que costuma oscilar entre os dois grupos, se alie a eles.
Até onde se pode mapear, portanto, seriam quatro votos certos contra a retroatividade da lei e quatro votos a favor.
Os três votos que vão decidir a parada e ainda são considerados uma incógnita são os de André Mendonça, do relator, Alexandre de Moraes, e do presidente do STF, Luiz Fux.
Apesar do placar dividido, fontes que acompanham os bastidores do STF apostam que há uma tendência no plenário de confirmar a retroatividade, anistiando parlamentares que já foram condenados por improbidade e estão ameaçados pela Lei da Ficha Limpa.
“Se fosse para ferrar o Congresso inteiro, faz sentido levar a julgamento agora? Que diferença faria levar em novembro, depois das eleições? O Alexandre de Moraes é muito sábio”, opina um ministro.
Um resultado favorável aos interesses da classe política pode, é claro, ser interpretado como deferência à decisão do Congresso Nacional de afrouxar as novas regras. Mas também serviria para afagar parlamentares em um momento em que o tribunal está sob ataque severo de Jair Bolsonaro.
Por isso, há a avaliação de que, se a ala garantista perceber que há algum risco de sua posição não prevalecer, algum ministro pode interromper o julgamento com um pedido de vista (mais tempo para análise).