Apenas duas semanas depois de dizer que o presidente americano Joe Biden “congelou” as relações com o Brasil, de sugerir que o mandatário estivesse senil por tê-lo ignorado em reunião do G-20 e de repetir suspeitas de fraude nas eleições que levaram o democrata à Casa Branca em 2020, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), deixou seu primeiro encontro com Biden empolgado com o que viu e ouviu.
Perguntado sobre suas impressões imediatamente após a conversa entre ambos, que levou um ano e meio pra acontecer, Bolsonaro se disse “maravilhado” com o par e afirmou que o diálogo fora “sensacional”, superando as expectativas.
Na manhã desta sexta (10/6), o presidente voltou a elogiar Biden, ao dizer que a conversa foi muito franca e citar que ambos ficaram sentados a menos de um metro de distância, para uma conversa “franca”, “olho no olho” e “sem máscaras” — o que contrariou as regras divulgadas pelo evento de que pessoas não vacinadas contra a covid-19 deveriam usar cobertura facial.
“Até agora está 100%. Até a minha própria conversa com Joe Biden ontem foi muito boa. Ficamos sentados a menos de um metro de distância, olho no olho por 30 minutos e sem máscara. E foi uma conversa bastante franca”, disse Bolsonaro.
A conversa, que aconteceu às 16h20 da tarde em Los Angeles, às margens da 9ª Cúpula da Américas das quais os EUA são os anfitriões, começou com um clima de aparente desconforto.
Como disse Bolsonaro, ele usou 7 minutos iniciais “para apresentar” a Biden justificativas para decisões ou declarações políticas nas quais os dois líderes discordavam.
Bolsonaro citou “dificuldades” do Brasil na agenda ambiental, mas reforçou que a Amazônia é um assunto de “soberania” do país, afirmou que embora não desejasse o conflito na Ucrânia, o Brasil tem “dependências” em relação a fertilizantes russos, o que obrigava o país a uma “posição de equilíbrio”, em referência à ausência de críticas abertas suas ao mandatário ao russo Vladimir Putin, e voltou a dizer que quer “eleições auditáveis”.
O presidente brasileiro tem repetido acusações de fraude e dito que os resultados não são verificáveis, o que o Tribunal Superior Eleitoral desmente.
Biden ouviu tudo mexendo as mãos, com sorrisos irônicos e sem fazer contato visual com o colega brasileiro.
Cadeiras aproximadas
Mas segundo auxiliares de Bolsonaro, depois da saída da imprensa, o clima se tornou cada vez mais amistoso a ponto de o presidente brasileiro se sentir à vontade para pedir que boa parte das equipes de cada um dos mandatários se retirassem e que apenas os chefes das diplomacias e os tradutores ficassem na sala.
Segundo relatos das autoridades brasileiras, até as cadeiras dos dois presidentes foram aproximadas para esse momento, que uma das autoridades brasileiras descreveu como uma troca de “opinião muito franca”, com as diferenças expostas em temas difíceis, como a eleição, mas sem que isso degringolasse para uma escalada de tensões.
De acordo com um dos auxiliares de Bolsonaro, foi como se naquele momento os presidentes tivessem se reconhecido como pessoas com a mesma trajetória — ambos políticos com décadas de carreira no Legislativo de seus países — e que essa percepção permitiu um diálogo que “não só quebrou o gelo, mas esquentou a ponto de fazer um chá”.
O encontro pessoal era tido pelo governo brasileiro como uma pré-condição para que Bolsonaro comparecesse à Cúpula das Américas, um evento que a diplomacia americana tratava como prioritário diante do contexto internacional de competição com a China e tensão com a Rússia no qual os EUA estão.
Autoridades de alto nível do Brasil disseram reservadamente à BBC News Brasil que Bolsonaro não teria visitado Putin em Moscou, em fevereiro, se Biden não o tivesse ignorado pessoalmente por tanto tempo.
Para Bolsonaro, o evento se mostrou uma oportunidade importante para rebater as críticas de que o presidente brasileiro está isolado no mundo, de que é um “pária”, como chegou a dizer o então chanceler Ernesto Araújo.
Para além do encontro com Biden, nas plenárias da Cúpula, ele aproveitou a ocasião e tomou a iniciativa de uma primeira conversa mais aberta com o presidente argentino Alberto Fernández, de quem é crítico público.
Apenas horas antes desse encontro, em Los Angeles, Bolsonaro afirmou que a Argentina está “com problemas econômicos sérios também, a notícia agora é que falta óleo diesel lá. Seria em função da política mais à esquerda do Fernández”.
A troca entre os dois líderes latino-americanos foi considerada “surpreendentemente amistosa” por pessoas que presenciaram a cena.
Bolsonaro também teria dando um abraço e risadas com o presidente do Peru, Pedro Castillo, e até mesmo sido “tietado” pela autoridade das Relações Exteriores da Guatemala.
Nesta sexta, Bolsonaro ainda terá encontros bilaterais com Ivan Duque, da Colômbia, e Guillermo Lasso, do Equador. E a diplomacia brasileira teria recusado um pedido de encontro com o líder canadense Justin Trudeau por conflitos de agenda.
Apesar da empolgação, Bolsonaro dispensou ontem um jantar que Biden ofereceu aos líderes, em Los Angeles.
Segundo uma das autoridades brasileiras, “esse tipo de festa não faz o estilo do presidente”. Bolsonaro jantou no quarto e foi dormir cedo.