Há dois anos, o conteúdo do áudio de uma conversa noturna entre o ex-presidente Michel Temer e o bilionário Joesley Batista ganhava as manchetes, detonando uma crise política que sepultaria de vez as chances de aprovação da reforma da Previdência tentada naquela época e de retomada da economia após dois anos de recessão. Para os investidores no Brasil, o 17 de maio ficou conhecido como “Joesley Day”.
Hoje, o País ainda tenta se recuperar da delação premiada de Joesley e Wesley Batista, os controladores da gigante JBS. A empresa, no entanto, está mais forte do que nunca.
As ações da JBS mais que dobraram de valor neste ano, atingindo um recorde. O valor de mercado da fatia dos irmãos Batista na maior processadora de carne do mundo subiu mais de 60% desde os dias que antecederam a delação, para mais de R$ 24 bilhões. A fortuna pessoal de cada um agora soma US$ 2,9 bilhões (R$ 11,9 bilhões), segundo o Índice Bloomberg de Bilionários. (A J&F Investimentos, a holding dos irmãos, afirma que o cálculo é superestimado.)
A recuperação da JBS ocorre na esteira de uma epidemia sem precedentes de gripe suína africana na China, um fenômeno que pode redesenhar o mercado global de carnes e expandir ainda mais a influência da empresa. Depois de investir mais de US$ 20 bilhões em aquisições ao longo de uma década, em uma estratégia de expansão conduzida diretamente pelos irmãos, a JBS é a empresa de carnes com presença no maior número de países em todo o mundo.
“A JBS nunca esteve em condições tão sólidas”, afirmou Gilberto Tomazoni, o CEO da companhia, durante uma entrevista nesta semana, em um sinal de que a empresa está pronta para retomar a expansão após reduzir o endividamento e alongar os vencimentos.
Sob a direção de Tomazoni, que assumiu o comando da JBS em dezembro de 2018, a empresa também está revivendo um plano de 2016 para vender suas ações nos Estados Unidos. A medida era vista pelo então CEO Wesley Batista como fundamental para conseguir financiamento mais barato e destravar valor para os acionistas.
Mas Joesley e Wesley Batista também tiveram sua cota de adversidade. Ficaram seis meses na prisão e foram forçados a abandonar quaisquer funções na empresa fundada em 1953 pelo pai. Além disso, em 2017 a J&F assinou um acordo de leniência no valor de R$ 10,3 bilhões (US$ 2,6 bilhões) para proteger a JBS e suas demais empresas de quaisquer punições.
Sua situação jurídica permanece sem uma solução definitiva.
O Supremo Tribunal Federal pode revogar o acordo de delação premiada dos irmãos Batista a pedido do Ministério Público, que alega que os executivos ocultaram informações durante as negociações com os procuradores. Se a delação for anulada, o acordo de leniência também pode ser rescindido, afirmou o MP no início do mês. Em dezembro, no entanto, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin afirmou em um despacho que os dois acordos não estão necessariamente vinculados.
No dia seguinte à divulgação das notícias sobre o áudio e a delação premiada dos irmãos, o mercado acionário brasileiro registrou a maior queda desde a crise de 2008, com um circuit breaker suspendendo as negociações por 30 minutos durante os momentos iniciais do pregão.
Dois anos depois, Ney Miyamoto, sócio da Alaska Investimentos, relembrou os acontecimentos em um evento em São Paulo.
“Ninguém dormiu naquela noite”, disse Miyamoto. No dia seguinte, Luiz Alves Paes de Barros, o bilionário dono da gestora, percebeu o clima tenso enquanto caminhava entre as mesas do escritório. Segundo Miyamoto, ele repetia a pergunta: “Quantas vezes vocês já vomitaram hoje?”
Até certo ponto, o país ainda tenta se recuperar do escândalo. Agora, como então, a reforma da Previdência, considerada fundamental para reduzir o rombo fiscal, ainda engatinha no Congresso em meio aos problemas de coordenação política do governo de Jair Bolsonaro. Além disso, as modestas estimativas de crescimento estão sendo revisadas para baixo.
No governo Temer, a reforma da Previdência parecia “muito provável” até o vazamento do áudio, afirma James Gulbrandsen, gestor de recursos da NCH Capital. “Custou ao Brasil dois anos, e talvez mais, se essa reforma não acontecer”, disse Gulbrandsen.
A J&F tomou a decisão de assumir seus erros e construir uma rígida estrutura de conformidade para que tais erros nunca mais ocorram, declarou a empresa em comunicado enviado por email. A holding conduziu sete investigações internas, sob a supervisão do Ministério Público, e treinou mais de 100 mil funcionários para prevenção contra a corrupção, segundo o comunicado.
“Acreditamos na Justiça e na segurança jurídica”, disse a J&F.