O cacife de 58 milhões de votos amealhados no segundo turno das eleições de 2022, um numeroso e barulhento séquito de seguidores fiéis e um amplo engajamento nas redes sociais dão ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) credenciais para segundo matéria de Vinicius Doria, do Correio Braziliense, não ser esquecido nem pelos eleitores nem pelas forças políticas do campo conservador, mesmo sem condições legais de disputar algum cargo eletivo até 2030. Com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de julgar o ex-presidente inelegível por oito anos, os aliados do “capitão” começam, agora, a traçar o caminho da extrema-direita — que se confunde com o chamado bolsonarismo-raiz — até o próximo ciclo eleitoral, ano que vem, nas disputas municipais.
Nesta semana, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto (SP), começa a agendar conversas com as bases estaduais do partido, mirando as eleições do ano que vem. Ele conta com Bolsonaro não só para manter seus seguidores motivados como para ajudar a eleger um bom número de prefeitos e vereadores, que possibilitem ao partido manter, em 2026, protagonismo nas eleições para o Congresso. “Nossa meta é eleger mais de mil prefeitos em 2024, e mais de 100 deputados federais dois anos depois, para que o PL continue sendo a maior bancada na Câmara”, projetou uma fonte bastante próxima de Costa Neto na presidência da legenda. Para isso, o PL conta com a liderança política e o poder de mobilização do ex-presidente e da mulher dele, Michelle Bolsonaro.
Para o líder da agremiação na Câmara, deputado Altineu Cortes, o PL “estará muito forte em 2024” e que “a turma do Bolsonaro estará conosco”, referindo-se aos radicais da extrema-direita que dão apoio ao ex-presidente. “Nosso líder é Bolsonaro, não há outro nome. Ele dará a melhor direção ao partido, é quem vai ditar nossa política”, disse Cortes, ao Correio. Ele não tem dúvida de que a extrema-direita “sempre terá seu espaço no PL”. “A extrema-direita vai continuar muito forte e, hoje, temos uma relação muito boa entre os mais extremados e os mais moderados dentro do partido”, comentou Cortes.
Segundo Vinicius Doria, do Correio Braziliense, o abrigo que o PL oferece aos mais radicais está aberto desde novembro do ano passado, quando Costa Neto, em entrevista ao Correio, revelou que o partido receberia os bolsonaristas radicais e que contava com “o capitão” para “controlar esse pessoal”. “Esse é um dos principais motivos que eu vejo da entrada do Bolsonaro (no PL), dele poder trabalhar pelo partido, que ele tenha o controle desse pessoal”, disse Costa Neto, na época.
“Dono da bola”
Para se manter popular, Bolsonaro vai assumir o discurso de “vítima do sistema”, que não o quer disputando a sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2026. A intenção de Valdemar da Costa Neto é percorrer o país com o ex-presidente para angariar novos aliados e reforçar as filiações ao PL. Para isso, será preciso vencer o voluntarismo do ex-presidente, que não costuma seguir as orientações do partido na hora de montar suas agendas de viagem. “Por enquanto, Bolsonaro é o dono da bola, da própria agenda, mas o partido vai tentar enquadrá-lo. Nós temos planilhas, mapas, situação cidade por cidade”, aponta o interlocutor.
Doutor em ciência política e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Ueber Oliveira não tem dúvidas da força eleitoral de Bolsonaro e que ele será, sim, um importante cabo eleitoral para os candidatos da direita mais conservadora. “Isso poderá dar força a alguns aliados e, dentre eles, sairá seu substituto. Neste momento, aposto em Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo) ou Romeu Zema (governador de Minas Gerais, embora entenda que ainda seja cedo para cravar”, vaticinou o professor. Ele lembra ainda que Bolsonaro “é um fenômeno das redes sociais” e que, por isso, “independe de estar no governo”. “Ele mobiliza sentimentos profundos, de medo, inseguranças, frenesi coletivo. Não por acaso, fez um péssimo governo e, mesmo assim, cintila com certa força”.
Oliveira ressalva, ainda conforme Vinicius Doria, do Correio Braziliense, que não é correto valorizar demasiadamente a capacidade de transferência de voto do ex-presidente. “Não podemos superestimar o apoio de Bolsonaro em termos eleitorais. Bolsonaro não é um grande costurador de alianças, e isso ficou claro nos pleitos dos quais participou — eleições de 2018, eleições municipais de 2020, e eleições gerais de 2022. E não podemos esquecer que Bolsonaro tem uma cabeça de ditador. Como todo bom ditador, é receoso quanto ao risco de alguém ocupar um lugar que ele, Bolsonaro, considera exclusivamente dele. Não acho que irá abraçar um sucessor de maneira tão direta assim.”
Políticos ligados ao ex-presidente ouvidos pela reportagem convergem na avaliação de que a vida de Bolsonaro nos próximos anos — sem condição legal de disputar eleições até 2030 — não será fácil. Mas ele deve se manter como principal líder do eleitorado ultraconservador ligado ao Brasil rural, às igrejas evangélicas e às forças de segurança. O maior temor é que o ex-presidente, sem desafios eleitorais, perca o estímulo para liderar essa massa de seguidores. “Nosso medo é que ele fique deprimido”, confidenciou o interlocutor do partido.