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quarta-feira 18 de dezembro de 2024 às 09:18h

Após a queda na Síria, autoridades de todo o mundo caçam bilhões de dólares da família Assad

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No domingo, uma semana após a queda relâmpago do regime de Bashar al-Assad na Síria, o jornal britânico Financial Times revelou que o homem que comandou com mão de ferro o país por mais de duas décadas transferiu US$ 250 milhões (R$ 1,5 bilhão, em valores atuais) para a Rússia, em uma operação realizada pelo Banco Central entre 2018 e 2019.

Uma fonte citada pelo jornal afirmou que a transferência pagou carregamentos de trigo, serviço de impressão de cédulas e “despesas militares”, e explicou que foi realizada com notas de US$ 100 (R$ 609) e €500 (R$ 3.195,55) por causa das sanções internacionais: segundo ela, “quando um país está completamente cercado, ele só tem dinheiro em espécie” para fazer seus pagamentos.

Como esperado, não há registros oficiais disponíveis sobre a transação, mas analistas suspeitam que ela possa fazer parte de um esquema amplo e antigo para espalhar a fortuna acumulada pela família Assad desde a chegada do pai, Hafez, ao poder nos anos 1970. Uma rede de propriedades, contas em paraísos fiscais e ligações com negócios pouco lícitos, que vão desde lavagem de dinheiro até tráfico de drogas.

E as novas autoridades no comando em Damasco não escondem o desejo de reaver esse dinheiro.

— Haverá uma caça aos ativos do regime internacionalmente —disse Andrew Tabler, um ex-funcionário da Casa Branca ligado à investigação sobre os bens da família Assad, em entrevista ao Wall Street Journal. — Eles tiveram muito tempo antes da revolução para lavar seu dinheiro. Eles sempre tiveram um Plano B e agora estão bem equipados para o exílio.

O primeiro passo será descobrir quanto dinheiro o ex-ditador, hoje asilado na Rússia, realmente tinha. Um relatório do Departamento de Estado dos EUA apontava, em 2022, que a fortuna dos Assad, incluindo bens e participações em negócios, poderia ser de até US$ 12 bilhões (R$ 73,04 bilhões). O então ditador teria à disposição pessoal algo entre US$ 1 bilhão (R$ 6,09 bilhões) e US$ 2 bilhões (R$ 12,7 bilhões) — em 2021, o PIB da Síria, onde mais de 70% pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, foi de US$ 9 bilhões (R$ 54,78 bilhões), segundo o Banco Mundial.

Estimativas independentes eram mais generosas, e sugeriam que ele teria “toneladas” em barras de ouro, uma lista de bens de até US$ 22 bilhões (R$ 133,91 bilhões), e até uma rede escondida de contas bancárias, negócios obscuros, aeronaves e apartamentos de luxo estimada em US$ 122 bilhões (R$ 742,60 bilhões), somados os números de toda a extensa família Assad.

Ditador deposto da Síria, Bashar al-Assad, e a ex-primeira-dama, Asma, durante cerimônia em Damasco — Foto: Louai BESHARA / AFP
Ditador deposto da Síria, Bashar al-Assad, e a ex-primeira-dama, Asma, durante cerimônia em Damasco — Foto: Louai BESHARA / AFP

Ao mesmo tempo, Assad e sua família passavam a imagem de que sua vida não era opulenta. Em uma hoje infame matéria da revista Vogue, em 2011, Asma al-Assad, a primeira-dama, foi chamada de “Rosa do Deserto”, cujo estilo “não é o deslumbramento da alta-costura e do brilho do poder do Oriente Médio, mas uma deliberada falta de adornos”. Após a queda do regime, manifestantes que invadiram a residência presidencial se depararam com roupas e acessórios de grifes famosas, e automóveis de luxo na garagem.

“Devido à sua [de Assad] influência indiscutível sobre o setor público como chefe de Estado, ele tinha poder irrestrito para dirigir e direcionar os negócios do Estado para as empresas que ele controla por meio de suas frentes de negócios”, afirmaram, em artigo publicado em agosto pelo Brookings Institute, o economista político sírio Karam Shaar e o cientista político Steven Heydemann.

Uma engrenagem central na máquina financeira vinha do lado da família da mãe de Assad, Anisa Makhlouf.

Mohammad Makhlouf, genro de Hafez al-Assad, foi encarregado de supervisionar o setor de importação de tabaco, extremamente lucrativo, e mais tarde passou a assessorar Bashar e receber comissões de empresas de construção civil. No começo do século, ele passou suas responsabilidades a um de seus filhos, Rami. Em entrevista ao Wall Street Journal, William Bourdon, advogado de direitos humanos responsável por investigar alguns dos bens da família do ex-ditador, afirmou que a função dos Makhlouf era “fazer dinheiro para financiar o regime e a família presidencial”.

Nos anos 2010, Rami e suas empresas, que incluíam a gigante da telefonia SyriaTel, chegaram a responder por cerca de 60% da economia do país, mas sua sorte virou em 2020, quando perdeu o controle das companhias, de boa parte de sua fortuna estimada em US$ 10 bilhões (60,9 bilhões), e acabou preso — para Muhannad al-Hajj Ali, pesquisador do Centro Carnegie para o Oriente Médio, sua queda ocorreu em meio a uma disputa com Asma al-Assad, como afirmou em 2020 ao site Arab News.

Rebeldes sírios mostram recipiente com pílulas de captagon, encontradas em depósito do governo no Leste da Síria — Foto: Bakr ALKASEM / AFP
Rebeldes sírios mostram recipiente com pílulas de captagon, encontradas em depósito do governo no Leste da Síria — Foto: Bakr ALKASEM / AFP
 Em uma frente ainda mais ilegal, o regime (e Assad) engordavam seus cofres através do tráfico de uma das drogas mais populares do Oriente Médio, o captagon, similar à anfetamina e que, segundo um relatório do Observatório de Redes Políticas e Econômicas, publicado no ano passado, movimentou mais de US$ 7 bilhões (R$ 42,61 bilhões) entre 2022 e 2023. À frente do “negócio” estava um irmão de Bashar, Maher, comandante de uma brigada do Exército — para lavar o dinheiro, ele investiu até em uma fazenda de chá na Argentina.

Se estimar o tamanho da fortuna de Assad e seus aliados é tarefa complexa, recuperar esses bens, em boa parte obtidos com o desvio de recursos do Estado sírio, será ainda mais difícil. O dinheiro foi enviado para paraísos fiscais, como a Suíça e as Ilhas Cayman, ou para portos considerados seguros, como a Rússia. Como apontou o Financial Times, o Departamento de Estado acusou um banqueiro sírio, Mudalal Khouri, de facilitar grandes movimentações para instituições russas através de empresas de fachada e voos carregados de notas de dólar e euro.

As propriedades, com raras exceções, foram compradas em países pouco afeitos a cumprir pedidos ocidentais de arresto de bens, como Rússia e Emirados Árabes Unidos — uma das raras apreensões ligadas aos Assad ocorreu na França, em 2019, quando a Justiça local ordenou o congelamento de € 90 milhões (R$ 575,39 milhões) em propriedades de Rifaat al-Assad, tio do ex-ditador, acusado de lavagem de dinheiro. Uma lição que aprendida pelo clã.

— Assad sempre soube que nunca seria uma companhia aceitável em, digamos, Paris — disse, em entrevista ao Financial Times, David Schenker, ex-secretário assistente de Estado para assuntos do Oriente Médio. — Ele não iria comprar prédios de apartamentos lá, mas também sabia que se isso acabasse, acabaria mal. Então eles tiveram anos para tentar obter dinheiro e criar sistemas que seriam refúgios confiáveis ​​e seguros.

E a história recente não traz boas perspectivas para os que tentam encontrar a fortuna de Assad: segundo as Nações Unidas, cerca de US$ 54 bilhões (R$ 328,69 bilhões) em bens, incluindo ouro, jóias, aeronaves e dinheiro depositado, foram roubados do Estado líbio por aliados e parentes do ditador deposto Muammar Gaddafi — até hoje, pouco mais de US$ 100 milhões (R$ 609 milhões) foram recuperados.

— O regime teria que levar seu dinheiro para um porto seguro no exterior para poder usá-lo para obter uma vida boa — concluiu Schenker, em uma referência a Assad, mas que também serve para um numeroso grupo de autocratas ao redor do planeta.

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