O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou nesta segunda-feira que a guerra na Ucrânia “pode acabar em questão de semanas”, e afirmou que, antes de seu retorno à Casa Branca, “não havia comunicação com os russos”. As declarações foram feitas ao lado do líder francês, Emmanuel Macron, em Washington, em um momento complexo das relações entre os EUA e a Europa. Trump dá sinais de que vê no Kremlin o caminho mais simples para um cessar-fogo, e deu uma guinada na postura dos EUA sobre o conflito, como ficou evidente em votações na ONU nesta segunda-feira.
Antes da reunião com Macron, na Casa Branca, Trump disse aos jornalistas no Salão Oval que o conflito pode “terminar em questão de semanas, se nós formos inteligentes”, mas que, caso isso não aconteça, “continuaremos a perder essas pessoas jovens e lindas”. Para o líder americano, sem um acordo, o conflito iniciado em fevereiro de 2022 “poderia levar à Terceira Guerra Mundial”.
— Posso estar errado, mas acredito que ele [Vladimir Putin, presidente da Rússia] quer fazer um acordo — disse o presidente americano, afirmando que o líder russo “quer acabar com a guerra”.
Ele reiterou que a assinatura de um plano envolvendo as terras raras ucranianas, apontadas por Trump como uma forma de compensação pelos pacotes de ajuda militar e financeira a Kiev, está “muito próximo”, algo reiterado pelo secretário do Tesouro, Scott Bessent. O republicano não descartou ainda uma visita do líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, a Washington, em breve.
— Eu me encontrarei com o presidente Zelensky. Na verdade, ele pode vir esta semana ou na próxima para assinar o acordo, o que seria legal, eu adoraria conhecê-lo. Nós nos encontraríamos no Salão Oval — disse Trump. — Então, os acordos estão sendo trabalhados agora. Eles estão muito próximos de um acordo final. Será um acordo com terras raras e várias outras coisas. E ele gostaria de vir, pelo que entendi, aqui, para assiná-lo e isso seria ótimo para mim.
Na quarta-feira passada, Zelensky rejeitou uma versão do acordo, que previa dar aos americanos acesso a 50% das reservas de minerais do país, incluindo as terras raras, cruciais na indústria de alta tecnologia, afirmando que “não poderia vender o Estado”. A negativa serviu de estopim para ataques do republicano, questionando a legitimidade de Zelensky — seu mandato terminou em maio do ano passado, mas a Constituição permite que siga no poder —, e até com uma acusação de que seria “um ditador”.
Nesta segunda-feira, um repórter perguntou a Trump se ele usaria o mesmo adjetivo para o presidente russo, Vladimir Putin, no poder há 25 anos. O presidente foi evasivo.
— Não uso essas palavras levianamente. Vamos ver o que acontece — afirmou Trump. — E você sabe, você está falando sobre a Europa, e você está falando sobre a Ucrânia como parte de toda essa situação, o outro lado também tem muito apoio.
Macron, por sua vez, buscou uma posição mais conciliadora, mas nas entrelinhas deixou claras as diferenças entre os dois lados do Atlântico. Ao mesmo tempo em que chamou Trump de “amigo pessoal”, com quem “trabalha muito bem”, corrigiu o líder americano em alguns momentos, como sobre a responsabilidade pela guerra: na semana passada, Trump disse que a Ucrânia foi a responsável pela invasão russa.
— Essa [guerra] é de responsabilidade da Rússia, porque o agressor foi a Rússia — declarou Macron.
O líder francês afirmou que os europeus estão preparados para fornecer garantias de segurança à Ucrânia, incluindo o envio de tropas, caso um cessar-fogo seja assinado. Trump respondeu de forma evasiva quando questionado sobre como os EUA participariam do pós-guerra, mas disse que Putin “estaria de acordo” com uma força internacional em solo ucraniano.
— Sim, ele aceitará isso. Eu fiz essa pergunta a ele — disse Trump, se referindo a uma conversa com Putin, na semana retrasada. — As tropas podem ir para a Ucrânia como pacificadores, então, quando o acordo for feito, eles podem observar que tudo seja seguido corretamente. Não acho que isso será um problema.
França e Reino Unido defendem a formação de uma força de paz, mas há pouco consenso entre os países europeus. Muitos veem as discussões como “prematuras” e questionam como os EUA participariam de uma ação do tipo.
Em entrevista coletiva após a reunião, Macron reiterou o compromisso europeu com a construção da paz na Ucrânia, mas declarando que “ninguém neste mundo quer viver em um mundo onde a lei é a do mais forte e as fronteiras internacionais podem ser violadas de um dia para o outro”, expressando certa preocupação com um plano que exclua os interesses ucranianos.
— Nós temos o mesmo desejo, a paz o mais cedo possível — disse Macron. — Mas a paz não deve significar um cessar-fogo sem garantias. Esta paz deve permitir a soberania ucraniana e permitir que a Ucrânia negocie com outras partes interessadas em relação às questões que a afetam. Para os europeus, é uma questão existencial.
Guinada na ONU
A algumas centenas de quilômetros da Casa Branca, a guinada americana sobre a guerra na Ucrânia, com aberturas a Moscou, produziu um episódio até pouco tempo considerado improvável. Os EUA se alinharam à Rússia ao votar contra uma resolução, patrocinada pela Ucrânia e por países europeus, na Assembleia Geral condenando Moscou pela invasão. A proposta foi aprovada pelo plenário.
Um outro texto, apresentado por Washington, era mais simples, e apenas pedia o fim do conflito — uma primeira versão passou sem percalços, mas uma nova redação, que incluía três emendas propostas pela União Europeia (UE), foi boicotada pelos americanos, que decidiram pela abstenção.
— Os europeus estão furiosos com a forma como os EUA manobraram contra eles — afirmou Richard Gowan, especialista em ONU no International Crisis Group, ao New York Times. — A UE e a Ucrânia tentaram manter Washington informado enquanto redigiam sua resolução. A forma como os EUA entraram com seus próprios textos de forma muito agressiva no último momento deixou os europeus desequilibrados.
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— Este ano deve ser o ano do início de uma paz real e duradoura. Putin não nos dará esta paz de presente, nem a dará em troca de nada. Temos que ganhar a paz com força, sabedoria e unidade através da nossa cooperação — disse Zelensky aos líderes europeus.
Em Bruxelas, após uma reunião, os chanceleres da UE se disseram “preocupados” com a guinada americana sobre a Ucrânia, mas a chefe da diplomacia do bloco, Kaja Kallas, tentou demonstrar algum grau de otimismo, dias antes de embarcar para Washington.
— Ficou claro que algumas declarações dos EUA nos deixaram preocupados — disse Kallas, citada pela agência Reuters, completando que Washington e Bruxelas já resolveram suas diferenças no passado e que poderão fazê-lo mais uma vez.