Cientistas dos Estados Unidos e do Brasil estão usando animais de grande porte para produção de soro com anticorpos contra o novo coronavírus. O produto poderá ser usado no tratamento da Covid-19 em um futuro próximo, uma vez testado e regulamentado.
Conforme a Folha, o soro de pessoas curadas da doença -que contém os anticorpos para combatê-la- já é usado no tratamento em alguns casos, mas tem uma limitação de produção, já que depende da retirada do plasma do sangue dos pacientes recuperados. O uso dos animais nesse processo deve aumentar a disponibilidade do produto.
A empresa norte-americana SAB Therapeutics faz testes com um anticorpo policlonal extraído do plasma de vacas geneticamente modificadas e que recebeu o nome de SAB-185. Anticorpos policlonais são como uma coleção de várias proteínas capazes de defender o organismo contra um patógeno.
As vacas da SAB receberam cromossomos do sistema imune humano, segundo a empresa. Quando entram em contato com um invasor, como um vírus, por exemplo, elas produzem anticorpos policlonais humanos em vez de bovinos. Cada vaca pode produzir cerca de 45 litros de plasma por mês, de acordo com a companhia.
“Passamos quase duas décadas desenvolvendo uma tecnologia que aproveita a resposta humana à doença para gerar imunoterapias direcionadas e de alta potência em larga escala, sem o uso de soro humano”, afirma Eddie J. Sullivan, cofundador e presidente da SAB.
De acordo com a empresa, testes clínicos com o produto devem começar nos próximos meses.
Para a bióloga Ana Maria Moro, diretora do Laboratório de Biofármacos do Instituto Butantan, os anticorpos produzidos pelas vacas da SAB não são totalmente humanos porque ainda carregam traços dos animais, como uma pequena porção de açúcares das células onde são produzidos.
“É mais um tratamento possível que entra na corrida”, diz a cientista. “Usar os anticorpos desses animais pode ser válido, mas ainda precisamos aguardar os resultados dos experimentos e a definição da questão regulatória”, completa.
Há ainda uma série de anticorpos monoclonais em desenvolvimento, lembra Ana Maria. Os monoclonais são cópias de uma única proteína protetora que comprovadamente pode neutralizar o invasor. O método é considerado mais preciso, mas ainda deve levar algum tempo até estar disponível.
No Brasil, o Instituto Vital Brazil, ligado ao governo do estado do Rio de Janeiro, conduz um estudo que usa cavalos para produção do soro que contém anticorpos policlonais do novo coronavírus para tratar pacientes da Covid-19.
No método, cavalos recebem um pedaço do Sars-Cov-2 que não causa a doença nos animais, mas ativa o organismo dos bichos para a produção dos anticorpos. “É como vacinar os animais”, explica Adilson Stolet, presidente do instituto.
Em cerca de 15 dias após a primeira aplicação do vírus, os anticorpos já podem ser detectados. A primeira imunização dos animais aconteceu no dia 27 de maio.
De acordo com Stolet, participam do estudo cerca de 25 pesquisadores do Vital Brazil, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
O sangue retirado dos animais passa por um processo que separa a parte líquida, o plasma, que é o que dá origem ao soro para o tratamento. O material é então purificado em um processo com reações físicas e químicas que retiram bactérias e vírus e permitem descartar outras proteínas e moléculas de gordura desnecessárias para o tratamento.
“Entrego para o paciente o anticorpo que ele deveria produzir, mas não consegue fazer isso a tempo”, diz Stolet.
O instituto foi fundado há mais de cem anos e tem experiência na produção de soros para o combate ao vírus da raiva e venenos de serpente, que são produzidos de maneira semelhante ao desenvolvimento do soro contra a Covid-19.
Depois de 60 dias a partir da primeira aplicação do vírus nos cavalos do Vital Brazil, a produção dos anticorpos deve chegar ao máximo, e os testes pré-clínicos devem começar. Antes dos testes em humanos, o produto vai passar por experimentos em ratos e em macacos. Um cavalo é capaz de produzir cerca de 20 litros de plasma em um mês.
Se o produto passar pelos testes de segurança e eficácia, deve ficar disponível gratuitamente em aproximadamente seis meses, afirma Stolet. O instituto faz parte da rede de laboratórios oficiais que fornecem medicamentos para o SUS (Sistema Único de Saúde).
Para Stolet, a pesquisa também reforça a necessidade de mais investimento público para a ciência brasileira. “Os laboratórios oficiais salvam o país nesse momento. A pandemia é um alerta para que o Brasil sedimente conhecimento e infraestrutura para enfrentar situações como essa; sabemos que outras virão”, conclui o médico.