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quinta-feira 4 de julho de 2024 às 08:49h

Angústia sem fim: 10 pessoas desaparecem por dia na Bahia

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De um dia para o outro, o gosto da comida preferida não é saboreado do mesmo jeito. Um cômodo da casa acumula poeira porque os moradores são incapazes de suportar o peso das lembranças trazidas por ele. Se alguém bate na porta, o coração se enche de esperança. Esse é conforme reportagem de Maysa Polcri, do jornal Correio, um pequeno retrato do cotidiano de quem procura um familiar ou amigo. Só neste ano, 10 pessoas desapareceram por dia na Bahia.

William Aguiar Santos Morais, 28 anos, faz parte da lista de 1.550 pessoas que desapareceram no estado entre janeiro e maio de 2024. O sushiman, que morava em Salvador, foi visto pela última vez em Terra Nova, cidade do recôncavo baiano, no dia 7 de maio. Um homem chegou a ser preso pelas suspeitas de tráfico de drogas e envolvimento no desaparecimento, mas, até hoje, não há pistas sobre o paradeiro do jovem.

Na casa da família de William, em Cajazeiras, a presença da filha de 6 anos do sushiman ajuda a confortar os avós. A alegria trazida pela neta de Joelson Santos Morais, 58, se mistura à lembrança do filho, além da esperança de encontrá-lo com vida. . “A filhinha dele mora com a gente desde que nasceu, e isso alivia um pouco a saudade. Mesmo assim, a saudade é imensa. Quando ela pergunta dele, a gente chora e fica sem saber como acalentar”, conta.

O sushiman desapareceu em Terra Nova, Bahia

William Aguiar desapareceu em Terra Nova, Bahia Crédito: Reprodução/Redes Sociais

A família fez uma varredura em Terra Nova desde o sumiço do jovem, mas foram poucas as informações que encontraram. “Estamos desesperados, angustiados. A gente não dorme nem come direito. Estamos adoecendo. A mãe dele não consegue nem entrar no quarto dele”, desabafa o pai. William, que desapareceu enquanto curtia a folga do trabalho em outra cidade, se enquadra no perfil das pessoas que mais desaparecem na Bahia.

Perfil

Homens correspondem a 63% dos desaparecidos no estado nos primeiros cinco meses deste ano. São 978, enquanto o número de mulheres desaparecidas é de 345. Os dados fazem parte Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ainda de acordo com o levantamento, a maior parte (73%) dos desaparecidos tem 18 anos ou mais. São 1.139 pessoas nessa faixa etária.

A Bahia é o sétimo estado com mais registros de desaparecidos este ano, segundo o Sinesp. São Paulo ocupa a primeira posição, com 6.410 pessoas desaparecidas, seguido do Rio Grande do Sul (3.486) e Santa Catarina (3.402).

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Uma pessoa é considerada desaparecida quando não é localizada nos lugares que costuma frequentar e nem responde às tentativas de contato. Nesses casos, não é preciso esperar 24 horas para registrar um boletim de ocorrência, como explica a delegada Ana Cristina de Carvalho, titular da Delegacia de Proteção à Pessoa (DPP), em Salvador.

“No caso de desaparecimento de uma pessoa, não é preciso esperar prazo algum para que seja feito boletim de ocorrência. Em Salvador, o registro deve ser feito na DPP e, nas demais cidades, em qualquer unidade da Polícia Civil”, diz a delegada. O desparecimento ainda pode ser comunicado através da Delegacia Virtual (acesse aqui).

“É recomendado que, mesmo que o registro seja feito na Delegacia Virtual, o comunicante procure a delegacia [física] o mais rápido possível para dar mais detalhes do desaparecimento. Nós fazemos um procedimento em que divulgamos a foto da pessoa desparecida, com a autorização do comunicante”, explica Ana Cristina de Carvalho. A Delegacia de Proteção à Pessoa, em Salvador, fica localizada na Av. Dorival Caymmi, na Rua da Antiga EBDA.

As buscas são de responsabilidade da Polícia Civil, mas outros órgãos podem atuar na procura, diz Maysa Polcri, do jornal Correio. “É o órgão responsável por receber o registro, realizar a investigação e promover a busca de pessoas desaparecidas. No entanto, outros órgãos podem ser acionados e, quando necessário, atuar em cooperação uma vez que são múltiplas as situações de desaparecimento e identificação” afirma Rogério Queiroz, promotor de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH).

Nos últimos cinco anos, a Bahia registrou um aumento de 141% no número de pessoas desaparecidas. Entre janeiro e maio de 2020, 643 pessoas desapareceram. Nos cinco primeiros meses deste ano, já são 1.550. A Polícia Civil da Bahia justifica que uma mudança no sistema de coleta e exposição de dados, em 2021, é responsável pelo crescimento.

Além do número de pessoas desaparecidas no estado ter aumentado nos últimos cinco anos, a localização de desaparecidos também cresceu. Porém, de forma mais tímida. Entre janeiro e maio de 2020, foram 237 pessoas localizadas na Bahia, segundo dados do Sinesp. Só neste ano, já foram 331 – um aumento de 40%. Mesmo assim, o número de desaparecidos ainda é quase cinco vezes maior do que o de encontrados.

O que leva uma pessoa a desaparecer?

A cada desaparecimento, um universo de possibilidades é criado. O promotor Rogério Queiroz pontua que os casos vão de problemas de saúde mental até crimes. “Sem o intuito de estabelecer uma escala de incidência, dentre os motivos registrados estão: ocorrências de perda de contato voluntário, dependência química, comprometimento da saúde mental, conflito familiar, possível vítima de sequestro, homicídio ou feminicídio, além de ausência de notificação de óbito”, cita.

As incertezas sobre a vida ou morte de uma pessoa desaparecida causam angústia no cotidiano de quem procura um parente próximo. A psicóloga Lais Vilasbôas, especialista em luto e perdas, explica que faltam, à essas famílias, elementos simbólicos que ajudam a encerrar ciclos. Por isso, elas vivem na expectativa de receber notícias.

“Se pensarmos nas experiências mais usuais de luto, estamos diante de uma família que pôde ter acesso sobre como foram os momentos finais de alguém, de se despedir, de ter acesso, ver ou prestar cuidados ao corpo da pessoa falecida, realizar rituais, partilhar daquela perda”, explica a psicóloga.

“Na experiência dos desaparecimentos, a ausência de um desfecho gera uma série de obstáculos para elaboração do luto. É um luto permeado de perguntas sem respostas”, conclui Lais Vilasbôas. O acompanhamento especializado das pessoas em sofrimento é recomendado, segundo a psicóloga.

Serviço

A lista das pessoas desaparecidas na Bahia é disponibilizada no perfil da Delegacia de Proteção à Pessoa no Instagram (@desaparecidospcba) e no site. Quem tiver informações sobre alguém que está desaparecido deve entrar em contato com a Polícia Civil através do WhatsApp (71 99631-6538) e telefone (71 3116-0124).

Não é preciso esperar para registrar uma ocorrência de desaparecimento. O quanto antes isso for feito, maiores são as chances de encontrar a vítima, como explica o promotor de Justiça Rogério Queiroz.

“O desaparecimento deve ser registrado o mais breve possível. A comunicação às autoridades responsáveis representa o marco inicial das investigações e amplia a possibilidade de localização ainda nas primeiras horas. Não é necessário esperar 24 horas. Está ideia precisa ser desconstruída no imaginário da população”, ressalta.

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