O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decretou, nesta terça-feira (10), a prisão de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça por sua omissão contra os atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes, no domingo (8), em Brasília.
Torres foi exonerado do cargo de secretário e sua casa foi alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal, nesta terça-feira (10), na capital federal. Ele está em férias na Flórida, nos Estados Unidos.
No documento de decisão, Alexandre de Moraes diz que “o descaso e conivência do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ANDERSON TORRES com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem no Distrito Federal, tanto do patrimônio público – CONGRESSO NACIONAL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA e SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do Governador do DF, IBANEIS ROCHA – afastado por decisão judicial anterior –, que não só deu declarações públicas defendendo uma falsa “livre manifestação política em Brasília” – mesmo sabedor por todas as redes que ataques as Instituições e seus membros seriam realizados – como também ignorou todos os apelos das autoridades para a realização de um plano de segurança semelhante aos realizados nos últimos dois anos em 7 de setembro, em especial, com a proibição de ingresso na esplanada dos Ministérios pelos criminosos terroristas; tendo liberado o amplo acesso”.
Veja a íntegra da decisão de Alexandre de Moraes:
“O Diretor-Geral da PF representou pela busca e apreensão e pela prisão preventiva de ANDERSON GUSTAVO TORRES, Delegado Federal e então Secretário da Segurança Pública do DF e do Comandante da PM, Cel. FÁBIO AUGUSTO VIEIRA.
Em detalhado documento, aponta as diversas omissões, em tese dolosas, praticadas pelos responsáveis pela segurança pública no Distrito Federal e que contribuíram para a prática dos atos terroristas desse 8 de janeiro de 2023.
É o relatório.
Na data de hoje, 8/1/2023, a escalada violenta dos atos criminosos resultou na invasão dos prédios do PALÁCIO DO PLANALTO, do CONGRESSO NACIONAL do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com depredação do patrimônio público, conforme amplamente noticiado pela imprensa nacional, circunstâncias que somente poderiam ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira.
A omissão e conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência ficaram demonstradas com (a) a ausência do necessário policiamento, em especial do Comando de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal; (b) a autorização para mais de 100 (cem) ônibus ingressassem livremente em Brasília, sem qualquer acompanhamento policial, mesmo sendo fato notório que praticariam atos violentos e antidemocráticos; (c) a total inércia no encerramento do acampamento criminoso na frente do QG do Exército, nesse Distrito Federal, mesmo quando patente que o local estava infestado de terroristas, que inclusive tiveram suas prisões temporárias e preventivas decretadas.
O descaso e conivência do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ANDERSON TORRES com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem no Distrito Federal, tanto do patrimônio público – CONGRESSO NACIONAL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA e SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do Governador do DF, IBANEIS ROCHA – afastado por decisão judicial anterior –, que não só deu declarações públicas defendendo uma falsa “livre manifestação política em Brasília” – mesmo sabedor por todas as redes que ataques as Instituições e seus membros seriam realizados – como também ignorou todos os apelos das autoridades para a realização de um plano de segurança semelhante aos realizados nos últimos dois anos em 7 de setembro, em especial, com a proibição de ingresso na esplanada dos Ministérios pelos criminosos terroristas; tendo liberado o amplo acesso.
Absolutamente NADA justifica e existência de acampamentos cheios de terroristas, patrocinados por diversos financiadores e com a complacência de autoridades civis e militares em total subversão ao necessário respeito à Constituição Federal.
Absolutamente NADA justifica a omissão e conivência do Secretário de Segurança Pública e do Comandante Geral da Polícia Militar.
As omissões do Secretário de Segurança Pública e do Comandante Geral da Polícia Militar, detalhadamente narradas na representação da autoridade policial, verificadas, notadamente no que diz respeito à falta da devida preparação para os atos criminosos e terroristas anunciados, revelam a necessidade de garantia da ordem pública, pois presentes o fumus commissi delicti e periculum libertatis, inequivocamente demonstrados os indícios de materialidade e autoria, ainda que por participação e omissão dolosa, dos crimes previstos nos artigos 2ª, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016 e nos arts. 163 (dano), 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal.
Nos termos do art. 13 do Código Penal, a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.
O dever de agir incumbe a quem: (a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; (b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; e (c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
Assim, é razoável que, ao menos nesse primeiro momento da investigação, onde a manutenção do agente público no respectivo cargo poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e de intimidação a outros servidores públicos, se determine a prisão de ambas as autoridades.
A representação do Diretor-Geral da Polícia Federal aponta elementos concretos para a decretação da prisão preventiva de ANDERSON GUSTAVO TORRES e FÁBIO AUGUSTO VIEIRA, com farto material probatório, concluindo que:
“a possibilidade de uma eventual omissão das autoridades pública que tinham o dever legal de agir e eventualmente se omitiram, mesmo diante das informações que alertavam para os fatos vindouros, bem como das imagens que mostraram os manifestantes se deslocando do QG-Ex para a Praça dos Três Poderes, permitindo que tamanho dano tomasse forma”.
No que diz respeito a ANDERSON GUSTAVO TORRES, no momento dos fatos, o requerido exercia o cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e, como tal, a ele competia, nos termos da legislação de regência (Decreto Distrital 40.079/19):
– formular diretrizes e políticas governamentais na área de segurança pública;
– promover, coordenar e executar programas, projetos e ações na área da segurança pública;
– propor e implementar a política de segurança pública fixada pelo Governador do Distrito Federal;
– planejar, coordenar e supervisionar o emprego operacional dos órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública do Distrito Federal (PMDF, PCDF, CBMDF) e do Departamento de Trânsito do Distrito Federal;
– integrar as ações dos órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública (PMDF, PCDF, CBMDF) e do Departamento de Trânsito do Distrito Federal, objetivando a racionalização dos meios e a maior eficácia operacional.
No mesmo sentido, é necessário apurar a responsabilidade do Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, FÁBIO AUGUSTO VIEIRA, notadamente em face da aparente conivência de parcela da corporação com os atos terroristas ocorridos, inclusive com escolta dos criminosos, conforme já destacado nesta decisão.
Nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Os comportamentos de ANDERSON GUSTAVO TORRES e FÁBIO AUGUSTO VIEIRA são gravíssimos e podem colocar em risco, inclusive, a vida do Presidente da República, dos Deputados Federais e Senadores e dos Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
No caso de ANDERSON GUSTAVO TORRES e FÁBIO AUGUSTO VIEIRA, o dever legal decorre do exercício do cargo de Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e de Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, e a sua omissão ficou amplamente comprovada pela previsibilidade da conduta dos grupos criminosos e pela falta de segurança que possibilitou a invasão dos prédios públicos.
Os fatos narrados demonstram uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas, principalmente aquelas que possam contrapor-se de forma constitucionalmente prevista a atos ilegais ou inconstitucionais, como o CONGRESSO NACIONAL e o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil.
Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da Ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal da República.
No caso dos atos ocorridos em 8/1/2023, há fortes indícios de que as condutas dos terroristas criminosos só puderam ocorrer mediante participação ou omissão dolosa – o que será apurado nestes autos – das autoridades públicas mencionadas.
Em momento tão sensível da Democracia brasileira, em que atos antidemocráticos estão ocorrendo diuturnamente, com ocupação das imediações de prédios militares em todo o país, e em Brasília, não se pode alegar ignorância ou incompetência pela OMISSÃO DOLOSA e CRIMINOSA.
A omissão das autoridades públicas, além de potencialmente criminosa, é estarrecedora, pois, neste caso, os atos de terrorismo se revelam como verdadeira “tragédia anunciada”, pela absoluta publicidade da convocação das manifestações ilegais pelas redes sociais e aplicativos de troca de mensagens, tais como o WhatsApp e Telegram.
Ressalte-se, ainda, que no Distrito Federal, atos de depredação do patrimônio público, com tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal, já haviam ocorrido em 12/12/2022 – fatos investigados na Pet 10.776/DF, de minha relatoria – onde, da mesma forma , investigados, por meio de ataques à propriedade pública e privada, amplamente noticiados na imprensa e divulgados nas redes sociais, ameaçam o Presidente eleito e os Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com objetivo de impedir a posse do Presidente da República eleito e o regular exercício dos poderes constitucionais, sem que houvesse uma atitude proporcional por parte do então Ministro da Justiça e Segurança Pública do anterior governo, hoje Secretário de Segurança Público demitido e do Comandante Geral da Polícia Militar.
A existência de uma organização criminosa, cujos atos têm ocorrido regularmente há meses, inclusive no Distrito Federal, é um forte indício da conivência e da aquiescência do Poder Público com os crimes cometidos, a revelar o grave comprometimento da ordem pública e a possibilidade de repetição de atos semelhantes caso as circunstâncias permaneçam as mesmas.
A prisão preventiva se trata, portanto, de medida razoável, adequada e proporcional para garantia da ordem pública com a cessação da prática criminosa reiterada, havendo, neste caso, fortes indícios de que os investigados foram coniventes com associação criminosa destinada a prática de atos terroristas (HC 157.972 AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão Min. NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 8/4/2021; HC 191.068 AgR/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão Min. NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 8/4/2021; HC 169.087/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 4/5/2020; HC 158.927/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 26/3/2019; RHC 191949 AgR/SP, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 23/11/2020).
A organização, participação, financiamento e apoiamento a esses acompanhamentos terroristas configura crime passível de imediata prisão em flagrante, uma vez que a lei antiterrorista admite a punição, inclusive, de atos preparatórios.
No tocante ao pedido de busca e apreensão, a inviolabilidade domiciliar constitui uma das mais antigas e importantes garantias individuais de uma Sociedade civilizada, pois engloba a tutela da intimidade, da vida privada, da honra, bem como a proteção individual e familiar do sossego e tranquilidade, inclusive do local onde se exerce a profissão ou a atividade, desde que constitua ambiente fechado ou de acesso restrito ao público (HC nº 82.788/RJ, 2ª T, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Esse fundamental direito, porém, não se reveste de caráter absoluto (RHC 117159, 1ª T, Rel. Min. LUIZ FUX) e não deve ser transformado em garantia de impunidade de crimes, que, eventualmente, em seu interior se pratiquem ou que possibilitem o armazenamento de dados probatórios necessários para a investigação (RT 74/88, 84/302); podendo ser, excepcionalmente, afastado durante a persecução penal do Estado, desde que presentes as hipóteses constitucionais e os requisitos legais (RE 603.616/RO, Repercussão Geral, Pleno, Rel. Min. GILMAR MENDES; HC 93.050-6/RJ, 2ª T, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC 97567, 2ª T, Rel. Min. ELLEN GRACIE).
Na espécie estão presentes os requisitos do art. 240 do Código de Processo Penal, para a ordem judicial de busca e apreensão no domicílio pessoal, pois devidamente motivada em fundadas razões que, alicerçadas em indícios de autoria e materialidade criminosas, sinalizam a necessidade da medida para colher elementos de prova relacionados à prática de infrações penais.
Efetivamente, a solicitação está circunscrita à pessoa física em tese vinculada aos fatos investigados e os locais da busca estão devidamente indicados, limitando-se aos endereços pertinentes.
Nesse cenário, tenho por atendidos os pressupostos necessários ao afastamento da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, encontrando-se justificada a ação invasiva na procura de outras provas das condutas ora postas sob suspeita.
A Democracia brasileira não irá mais suportar a ignóbil politica de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler.
Os agentes públicos (atuais e anteriores) que continuarem a ser portar dolosamente dessa maneira, pactuando covardemente com a quebra da Democracia e a instalação de um estado de exceção, serão responsabilizados, pois como ensinava Winston Churchill, “um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”.
Absolutamente TODOS serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à Democracia, ao Estado de Direito e às Instituições, inclusive pela dolosa conivência – por ação ou omissão – motivada pela ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo.
A Democracia brasileira não será abalada, muito menos destruída, por criminosos terroristas. A defesa da Democracia e das Instituições é inegociável, pois como ainda lembrado pelo grande primeiro-ministro inglês, “construir pode ser a tarefa lenta e difícil de anos. Destruir pode ser o ato impulsivo de um único dia”.
Estão presentes, os requisitos legais necessários para decretação da prisão preventiva e busca e apreensão, nos termos da representação da Polícia Federal, frente a “necessidade da medida” – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais – e sua “adequação” – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou do acusado.
Diante do exposto, DEFIRO A REPRESENTAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL e:
DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal, de ANDERSON GUSTAVO TORRES e de FÁBIO AUGUSTO VIEIRA.
DETERMINO BUSCA E APREENSÃO em todos os endereços indicados pela Polícia Federal ANDERSON GUSTAVO TORRES e de FÁBIO AUGUSTO VIEIRA.
Expeçam-se os mandados de prisão preventiva e busca e apreensão, dirigidos à Polícia Federal, que deverá cumpri-los imediatamente e proceder à sua inclusão no Banco Nacional de Mandado de Prisões.
Toda prisão ocorrida em razão desta decisão deverá ser comunicada IMEDIATAMENTE a esta SUPREMA CORTE.
Atribua-se a esta decisão força de ofício/mandado. Ciência, URGENTE, à Procuradoria-Geral da República. Cumpra-se.
Brasília, 8 de janeiro de 2023.
Ministro Alexandre de Moraes
Relator”