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domingo 29 de outubro de 2023 às 07:55h

Amoêdo diz que Novo hoje aceita ficha suja, usa dinheiro público e vai se tornar partido irrelevante

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Fora da política partidária desde a saída do partido Novo no fim de 2022 por declarar voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, o empresário João Amoêdo diz em entrevista a Heitor Mazzoco, do Estadão, que a vontade pela militância partidária não acabou, mas admite desânimo de recomeçar todo o processo para construção de uma legenda.

Sem filiação partidária, ele afirmou em entrevista ao Estadão que deve permanecer distante das eleições municipais do ano que vem. Sobre seu antigo partido, que ajudou a fundar, o ex-candidato à presidência em 2018 afirma que o Novo caminha para se tornar insignificante.

Também faz duras críticas à decisão da sigla de pagar R$ 41 mil de salário para o ex-deputado Deltan Dallagnol, que recentemente se filiou ao Novo depois de ter o mandato cassado na Câmara dos Deputados.

“Me parece que é um gasto desnecessário, mas vai muito na linha do que está o partido hoje, que é buscar ter alguma relevância, mas sem ter muitas entregas”, disse.

O único Estado governado pelo Novo é Minas Gerais, com Romeu Zema. Para Amoêdo, o chefe do Poder Executivo mineiro não pode mais culpar a gestão de Fernando Pimentel (PT), seu antecessor, pelo desastre nas contas públicas. “Cinco anos depois, os desafios são outros, e a régua tem que ser um pouco maior. Ele deve pensar na privatização, não conseguiu ainda privatizar nada, não conseguiu fazer o ajuste da dívida”, afirmou.

A três anos da disputa pela Presidência da República, o empresário disse que não consegue definir nomes para a próxima eleição geral. Para ele, faltam lideranças “razoáveis” para o eleitor não passar mais uma vez pela polarização dos últimos pleitos nacionais.

Leia entrevista completa:

O senhor pretende disputar a eleição de 2024?

Não tenho pretensão de concorrer a nada em 2024. Eu continuo com o mesmo desejo que me levou a montar o (Partido) Novo em 2010, que era criar uma plataforma diferenciada para trazer gente nova para a política, mudar a forma de atuação dos partidos, ser uma instituição e, no final, o que era o objetivo principal, melhorar a vida do brasileiro. A disposição continua, mas vendo o cenário de hoje, acho ainda pouco provável, até um pouco difícil no momento, partir para a fundação de um outro partido. Acho que a sociedade brasileira ainda é muito pouco participativa na política. Foi essa uma das mensagens que ficou nesse roteiro do Novo. Eu continuo observando, o desejo de ajudar permanece, mas não vislumbro, no curto ou médio prazo, nenhuma ação mais efetiva, a não ser analisar o cenário, que é algo que tenho feito.

O senhor participou de toda formação do Partido Novo. Comparando com agora, fica um sentimento de desânimo ou receio de recomeçar e não dar certo?

Acho que o Novo foi bem até um determinado momento e depois se desvirtuou. O Novo que existe hoje é muito diferente do Novo que os fundadores idealizaram. Muita gente nos questionava o motivo para mais um partido se já existiam 30. E um dos principais argumentos era que o Novo era um partido ficha limpa, inclusive para os filiados. E o Novo está mudando o estatuto e já está aceitando gente que não seja ficha limpa. O segundo argumento era de que o Novo não usava dinheiro público. Depois de obter votos com esse discurso, o Novo passa a usar dinheiro público.

Na sua visão, o Novo está parecido com os outros partidos?

Ficou muito parecido com os outros partidos. E eu diria que é pior, porque é um partido ainda pequeno, sem capilaridade, com pouquíssimos filiados. Então, ao escolher fazer o mesmo roteiro dos demais partidos, ele simplesmente vai ficar insignificante. Já não bateu a cláusula de barreira em 2022 e não tem nenhuma vantagem competitiva. Não traz esperança de mudança, não faz o cidadão que não gosta da política se interessar em participar. De fato, infelizmente, ficou irrelevante.

O Novo está mudando o estatuto e já está aceitando gente que não seja ficha-limpa. O segundo argumento era de que o Novo não usava dinheiro público. Depois de obter votos com esse discurso, o Novo passa a usar dinheiro público.”

João Amoêdo

Os senhores sempre criticaram o aumento de impostos e pediam uma reforma tributária. Como avalia o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, aumentar impostos no Estado?

A nossa tese desde o início era o seguinte: bom, a gente paga muito imposto e recebe muito pouco em troca. O caminho não é aumentar mais imposto, o caminho é deixar mais dinheiro no bolso do cidadão para ele ter liberdade de atuar, e o Estado atuar nas áreas essenciais e cortar custos. Então, o que a gente precisa fazer, ao invés de aumentar impostos, é diminuir as despesas. Essa onda do Zema de aumentar impostos vai totalmente contra os princípios do Novo.

E a outra coisa também que foi feita em Minas, que é o único Estado que o Novo governa, que também é contrário ao que a gente sempre falou, é dar privilégio para grupos específicos. Então, deu privilégio para as locadoras, quando a gente entende que se você for fazer algum programa social ou alocar algum recurso, o mais efetivo, o que trará mais resultados, é você justamente dar para aqueles que mais precisam, como por exemplo, os programas tipo Bolsa Família.

Você atende a quem está precisando e não a um setor específico. A outra coisa que surpreendeu foi a bancada do Novo na Câmara se posicionar contra a reforma tributária. Dois dos três deputados votaram contra. Foram na linha contrária do que a gente defendia.

Único governo do Novo é em Minas. Como o senhor avalia esses cinco anos do governo dele?

O Zema é uma pessoa dedicada, ele é uma pessoa séria. Acho que começou bem ao buscar um ajuste nas contas e tinha uma situação fiscal muito deteriorada deixada pelo governo anterior (Fernando Pimentel, PT). Mas agora, cinco anos depois, os desafios são outros, e a régua tem que ser um pouco maior. Ele deve agora pensar na privatização, não conseguiu ainda privatizar nada, não conseguiu fazer o ajuste da dívida. Não dá mais para colocar a culpa na gestão anterior. A comparação vai ser diferente. Ele fez um governo bastante razoável no primeiro mandato, mas, se não começar a fazer as entregas agora, eu diria que vai ser um pouco decepcionante o segundo mandato.

O Novo, recentemente, adotou a cor azul. Era apenas laranja e agora é azul. Disseram que o partido ‘tucanou’. O Novo vai acabar sendo incorporado por alguma legenda?

O principal ativo que o Novo tem hoje são os R$ 100 milhões obtidos em gestões anteriores justamente, quando a gente mostrou coisas diferentes, quando tinha uma proposta diferente. Então, esse dinheiro que está sendo gasto foi obtido lá atrás. E está sendo mal utilizado. Boa parte é usado para remunerar dirigentes, que antes eram voluntários.

Eu vejo hoje, até quando a gente olha as votações e os posicionamentos do Novo, uma aproximação muito grande com o PL, até porque ele adotou uma linha de tentar agradar mais os seguidores do Bolsonaro. É uma linha tanto nas pautas, ataque às instituições e temas mais polêmicos. Votou como o PL contra a reforma tributária. Votou agora, mais recentemente, contra parte de tributação sobre fundos, offshores e sobre fundos exclusivos. Então, eu estou vendo essa aproximação.

O meu receio, e não acho impossível, é que, de fato, após terminar os R$ 100 milhões em caixa e com pouquíssimos filiados pagantes, que consequentemente não sustentam o partido, ele acabe desembocando num partido desse (PL). O que seria uma pena, porque a montagem do partido é algo dificílimo.

Outra coisa também que foi feita em Minas, que é o único Estado que o Novo governa, que também é contrário ao que a gente sempre falou, que é você dar privilégio para grupos específicos. Então, deu privilégio para as locadoras, quando a gente entende que se você for fazer algum programa social ou alocar algum recurso, o mais efetivo, o que trará mais resultados, é você justamente dar para aqueles que mais precisam, como por exemplo, os programas tipo Bolsa Família.

João Amoêdo

É um ‘tiro no pé’ o Novo filiar o ex-procurador da Lava Jato e ex-deputado federal Deltan Dallagnol?

Eu não sei muito qual vai ser o objetivo do Deltan. Pelo que eu li, ele vai ser um embaixador do Novo. O Novo já teve embaixador, que era o Bernardinho, ex-técnico da Seleção de vôlei. Mas o Bernardinho era um filiado como outro qualquer. Pagava filiação, não recebia nenhum tostão, inclusive quando ele fazia as viagens para participar de palestras, ele que pagava do próprio bolso as passagens. Eu não consigo ver o valor de se gastar R$ 41 mil, que para o orçamento que a gente tinha era um valor alto, para ter alguém. Qual vai ser a função? Vai ser só nas redes sociais com o Deltan tentando divulgar o Novo? Me parece que é um gasto desnecessário, mas vai muito na linha do que está o partido hoje, que é buscar ter alguma relevância, mas sem ter muitas entregas.

A chegada do Deltan recebendo R$ 41 mil pode fazer com que os filiados que trabalharam como voluntários saiam do partido?

Eu acho que isso certamente acontece, porque teve muita gente que trabalhou muito lá, como voluntário, liderou diretórios, fez visitas, fez apresentações, sacrificando o tempo, a família, o próprio trabalho. Agora pagam mais de R$ 40 mil para alguém fazer um pedaço daquilo que eu fiz lá atrás de forma voluntária, quer dizer, um total desestímulo. E me preocupa também porque esse foi o principal argumento nosso para obtenção das fichas de apoio. Quase um milhão de pessoas que assinaram ficha de apoio para o Novo. E o argumento principal era que a gente estava lançando um partido único no Brasil, onde todos eram ficha limpa, até os filiados. Então, é muito ruim para a imagem do partido.

A sensação de que na política o que é dito não é cumprido. E não estou falando isso nada em relação à pessoa do Deltan. Podia ser outra pessoa. Mas o roteiro em si, o que foi feito ou os parâmetros utilizados e a situação do que era o Novo para essa realidade.

O governo Lula tem uma meta definida ou serão quatro anos perdidos?

Primeiro, as ações não me surpreendem muito. Eu sempre fui muito contrário à ideologia do PT, aos procedimentos e ao posicionamento do Lula em várias questões. É uma postura também muito populista. Essa guerra do nós contra eles, pobres contra ricos e questões muito equivocadas. A gente está vendo na área internacional esses grandes equívocos, quer dizer, em relação à invasão da Rússia pela Ucrânia, dando a entender que ali é um problema dos dois e esse é um problema grande. Agora, de novo também, evitou quanto pode dizer que o ataque foi feito por um grupo terrorista. Então, na área externa, acho que tem falhado.

Na economia, tem tido alguns avanços pequenos. A gente conseguiu manter a meta de inflação e a independência do Banco Central, eles apresentaram um novo arcabouço fiscal. Mas acho que é um governo que vai trazer muito pouca evolução. A gente vai terminar os quatro anos de governo Lula talvez um pouco melhor do que a gente começou, mas sem grandes ganhos, o que é muito ruim, porque a gente não pode esquecer a situação que nós temos no Brasil. São 10 milhões de brasileiros passando fome, uma educação nas últimas posições do ranking do Pisa, problemas na parte de serviços de saúde, segurança também o Brasil deixa muito a desejar. Então, acho que vai ser um governo regular se aprovarem a reforma tributária, talvez seja o único legado que o governo deixe. ]

E agora o grande problema é que o governo do PT, acho que esse é o ponto principal, continua com a ideia de não cortar gastos. Eles não consideram de forma nenhuma cortar gastos, o que é algo fundamental também para a gente ter equilíbrio das contas públicas. E sem equilíbrio das contas públicas você não tem segurança jurídica. Sem segurança jurídica, você diminui os investimentos, diminui a geração de empregos e aí você deixa de ter um ciclo virtuoso.

A gente vai terminar os quatro anos de governo Lula, talvez um pouco melhor do que a gente começou, mas sem grandes ganhos, o que é muito ruim, porque a gente não pode esquecer a situação que nós temos no Brasil.

João Amoêdo

Bolsonaro deveria se afastar da militância política para surgirem novas lideranças, já que ele está inelegível, ou ele deve continuar como sempre foi?

Hoje esse é um dos grandes problemas do Brasil. Nós não temos lideranças. O Brasil tem realmente um problema de lideranças políticas, e o Bolsonaro, no meu entender, contribuiu muito para isso. O Lula inicialmente e depois reforçado por ele essa tese de polarização entre os dois, aniquilou as lideranças políticas. As instituições foram definhando e ficando fracas. A política ficou muito polarizada e, com isso, você afastou muita gente, e hoje a gente vive um cenário muito ruim. Eu fico pensando nas possibilidades de lideranças razoáveis, diferenciadas para 2026. Eu não consigo enxergar.

As lideranças que são citadas ou mencionadas para 2026 são aquelas que buscam ter o espólio do Bolsonaro. E eu entendo que, para a gente poder avançar como nação, como sociedade, tudo o que a gente não precisa é alguém que esteja atrás do espólio do Bolsonaro. Eu acho que tem que ser um discurso diferente, uma postura diferente, um plano diferente para o Brasil. E não o reserva do Bolsonaro entrando em campo.

O senhor é favorável à PEC do Senado para limitar o tempo de permanência dos ministros do STF?

Os mandatos com tempo definido são bons, e isso vale para o Legislativo também. Eu defendo que, para o Congresso, a gente deveria ter limitação da quantidade de mandatos. É saudável para a democracia, até porque quando o sujeito é eleito, ele tem tantos benefícios, tantos assessores, que ele disputa a eleição numa condição diferenciada em relação a um novo entrante. Então, essa ideia do Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, deveria se estender também para limitar os mandatos no Congresso. O importante é saber se a ideia está sendo colocada agora porque é uma ideia válida e deve ser trabalhada, ou está sendo colocada como uma disputa política para trazer apoiadores para ele.

O Supremo não é um grande problema do Brasil para ter virado um dos principais assuntos que são discutidos. Isso, na estratégia do Bolsonaro lá atrás, de criar um inimigo, quando ele desistiu de ter o Congresso como inimigo para justamente se proteger de um eventual impeachment, ele escolheu mirar o Supremo, enfraquecer o Supremo. Então, não estou dizendo que o Supremo seja perfeito. Tem lá os erros dele, mas, na minha avaliação, tem acertado mais do que errado. Mas virou um tema que não vai fazer diferença para o brasileiro hoje, que não tem emprego, que está passando fome, e a gente deixa de lado os temas relevantes para focar em algo que foi trazido de novo pela polarização.

Essa ideia do Rodrigo Pacheco (Presidente do Senado) deveria estender também para limitar os mandatos no Congresso. O importante é saber se a ideia está sendo colocada agora, porque é uma ideia válida e deve ser trabalhada ou está sendo colocada como uma disputa política para trazer apoiadores para ele.

João Amoêdo

Quantos mandatos?

Dois mandatos no mesmo cargo é mais do que suficiente, porque você fica oito anos e, no caso de senadores, teria que pensar que dois mandatos seriam 16 anos. É um tempo suficiente para você dar sua contribuição para a sociedade e dar a oportunidade a outra pessoa. A gente já faz isso no Executivo, por que não fazer também no Legislativo?

E o prazo no STF?

Uma década, mais ou menos, seria um prazo bastante razoável.

Ao aprovar, em uma comissão, proibição de casamento de pessoas do mesmo sexo, o Congresso está regredindo?

É um retrocesso. É página virada, qualquer país desenvolvido tem isso. Por que o Congresso tem que se meter nisso? Temos tantos problemas no Brasil. Estamos morando na Noruega? Longe disso. Estamos vendo médicos assassinados no Rio de Janeiro, os traficantes fazendo videoconferência para saber quem vão matar. E a gente tem a reforma tributária, que pode simplificar para as empresas, e a gente está discutindo assunto que interfere na liberdade das pessoas. Não faz sentido.

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