terça-feira 19 de novembro de 2024
Retrato oficial da 344ª Reunião do Alto-Comando do Exército, realizada em cinco encontros ao longo da primeira semana de agosto, no Quartel-General do Exército, em Brasília. Foto: Divulgação/CCE/Arquivo
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sexta-feira 30 de setembro de 2022 às 13:10h

Alto Comando do Exército se reúne e discute as eleições e afirma: “Quem ganhar, leva”

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Em reunião no Quartel-General, o Alto-Comando do Exército selou posição de respaldar o resultado das eleições presidenciais. Os 16 oficiais-generais do grupo mais influente das Forças Armadas indicaram conforme matéria de Felipe Frazão, no Estadão, que a caserna vai seguir o rito de reconhecer o anúncio do vencedor pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Quem ganhar leva”, enfatizaram os militares. A frase começou a ser disseminada na tropa logo depois do encontro, realizado ao longo da primeira semana de agosto.

A última RACE (Reunião do Alto-Comando do Exército) terminou oficialmente com uma nota lacônica. Foram cinco encontros, realizados entre os dias 1 e 5 de agosto. Como de praxe, o comunicado informava apenas que foram discutidos assuntos “de interesse da Força”. O Estadão apurou que, ao passo que a posição dos generais se espalhava pelos quartéis do País, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica começaram a evitar exposição política e a dar sinais de distanciamento da inédita auditoria das eleições, que vai checar parcialmente a soma dos votos no domingo e monitorar testes de funcionamento das urnas eletrônicas. A auditoria foi um pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na prática, a posição do Alto Comando do Exército pode reduzir o impacto da auditoria das urnas de votação. Fontes militares com conhecimento do assunto disseram à reportagem que o documento com o resultado dessa auditoria não vai adentrar na seara de atestar ou reprovar a confiança das eleições. O texto deve se restringir a reportar o trabalho de fiscalização nas suas duas últimas fases: os testes de integridade das urnas e a checagem amostral do somatório por meio de boletins de votação. Um general enfatizou que o trabalho será “técnico”.

A auditoria será centralizada em uma sala do Ministério da Defesa. O roteiro traçado é emitir, na própria noite de domingo, um documento contendo os achados técnicos da fiscalização. Os militares vão monitorar os testes de integridade, que verifica o funcionamento correto dos equipamentos, em 641 urnas, sendo 56 delas com uso de biometria de eleitores. Esse modelo é um “projeto-piloto” aceito pelo TSE por pressão dos militares. A apuração na Defesa, usando arquivos de dados e cópias de boletins de urna colhidos nas seções, não deve passar de uma amostra com até 400 urnas, em vez da totalização completa.

A pasta pretende concluir o trabalho em quatro horas e enviar por volta de 21 horas a auditoria ao TSE. O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que assinará sozinho o relatório, informará Bolsonaro sobre o conteúdo. O propósito do documento, segundo militares, é relatar o que foi verificado. Uma ressalva que costuma ser feita pelos oficias envolvidos é que um sistema informatizado nunca está 100% blindado e precisa sempre de aprimoramento. Bolsonaro explora essa informação politicamente, dizendo que o risco de fraude é “quase zero, mas não é zero”.

Diante de um cenário de desgaste para o setor, o Alto Comando, formado em maioria por oficiais da ativa promovidos ao topo da carreira nos últimos quatro anos, considera que a contestação do resultado das eleições e o questionamento da legitimidade das urnas eletrônicas devem ficar circunscritos ao presidente e aos militares da reserva da campanha da reeleição ou que ocupam cargos políticos no governo. Estão nessa lista antigos quatro estrelas, como Walter Souza Braga Netto (candidato a vice na chapa de Bolsonaro), Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência).

Diante dos indicativos de que Bolsonaro questionará o resultado da Corte, os militares afirmam que o presidente terá de fazê-lo por meios legais e jurídicos de sua campanha. Mesmo na caserna, a impressão é que a contestação de Bolsonaro se esgotaria e seria infrutífera, conforme um general, por causa do respaldo que o TSE tende a receber de órgãos externos. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, pressionou a Defesa a explicitar documentadamente o método e intenções da auditoria nas eleições, o que foi chamado nos bastidores do poder de “fiscalização da fiscalização”.

Após uma trégua às críticas ao TSE e às urnas, Jair Bolsonaro voltou a atacar o tribunal e em especial o presidente da Corte, Alexandre de Moraes. Ele abandonou o silêncio sobre o tema e retomou a campanha pelo voto impresso e a bateria contra o sistema eletrônico, dizendo que “algo anormal” terá ocorrido se não vencer o pleito no primeiro turno, cenário jamais indicado por nenhuma pesquisa de intenção de votos. Bolsonaro também se esquivou do compromisso de entregar o cargo, caso seja derrotado. Em sabatina na Record TV, disse que vai “aguardar o resultado”, quando questionado se contestaria uma derrota.

Obediência

Quem conversou com os generais do Alto Comando nos últimos dias garante que houve um pacto entre eles, com objetivo de distanciar os militares dos questionamentos de Bolsonaro e demonstrar respeito ao processo eleitoral. A opção pelo recolhimento, pelo silêncio e discrição dos generais após a reunião de agosto foi a senha. Não houve, porém, uma diretriz interna. Reservadamente, um general que passou pelo Palácio do Planalto disse que qualquer candidato vitorioso “terá o respeito e a obediência dos militares” e que o Alto Comando “não enveredará por nenhum caminho que não seja o institucional”.

O general Freire Gomes, comandante do Exército, o almirante Almir Garnier, da Marinha, e o brigadeiro Baptista Junior, da Aeronáutica, não pretendem se pronunciar após a declaração do resultado pelo TSE. Assim, os comandantes devem seguir a linha de circunscrever as ações de fiscalização das eleições ao Ministério da Defesa. No meio militar, isso é visto como uma forma de blindar as tropas da ativa de ações políticas do governo. O ministro da Defesa é o interlocutor político entre o presidente e os comandantes, também cargos de confiança. E quer fugir dos holofotes para baixar a temperatura.

Bolsonaro e o comandante do Exército, general Freire Gomes, em evento militar que comemorou o Dia do Soldado (25/8/2022).
Bolsonaro e o comandante do Exército, general Freire Gomes, em evento militar que comemorou o Dia do Soldado (25/8/2022). Foto: Evaristo Sá/AFP

Pressão internacional

Os comandantes sofreram pressão interna e externa para que se afastassem de qualquer atitude de ruptura. Por canais diplomáticos, militares dos Estados Unidos têm mantido contatos diários com os brasileiros. Um representante de Washington confirmou que, em todas as ocasiões, é um mandamento lembrar que as Forças Armadas resguardem seu papel numa democracia. O governo Joe Biden reiterou a confiança no processo eleitoral por meio de enviados ao Brasil e comunicados oficiais da Casa Branca. O próprio Biden se prepara para reconhecer o resultado tão logo seja conhecido, conforme aconselhado por diplomatas. A forma está sendo preparada.

O Senado norte-americano aprovou uma resolução pedindo imediato reconhecimento do vitorioso. A recomendação é que Biden reveja a relação com o País se houver atos antidemocráticos, sobretudo com envolvimento de militares. Em linha similar, o Parlamento Europeu cobrou monitoramento da situação no Brasil e punição com sanções comerciais. Adidos militares europeus em Brasília ouviram dos fardados brasileiros que terão postura democrática e profissional. Eles avaliam não ver vantagens pessoais financeiras ou para a própria carreira de militares brasileiros embarcar numa nova “aventura” de tomar o governo.

Reconhecido internacionalmente, o general de Exército da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo defenestrado pelos bolsonaristas em 2019, cobrou respeito ao resultado das eleições. “Isso é princípio básico da democracia. A população, as autoridades e as instituições não podem aceitar que o fanatismo tenha seu desfecho natural – a violência. É a imposição da lei. Eleições em paz e resultados respeitados”, escreveu Santos Cruz, de Nova York, onde se prepara para atuar na Ucrânia em nome das Nações Unidas.

Partido

Se o indicativo dos militares é de não respaldar qualquer contestação do presidente, na quarta-feira integrantes do PL, partido de Bolsonaro, deram um caminho. Eles divulgaram uma nota de duas páginas que resumiam questionamentos e ventilavam a possibilidade de manipulação das eleições. O texto elencou requisitos técnicos de segurança de informação supostamente não atendidos pela Corte. O documento foi formulado por uma consultoria privada, o Instituto Voto Legal, contratado pelo partido de Bolsonaro. O TSE reagiu determinando abertura de investigação e chamou as conclusões da legenda de “mentirosas”.

Na véspera, Valdemar Costa Neto, presidente do partido, havia se reunido com o ministro da Defesa e discutido exatamente o trabalho de auditoria que o partido fez. A assessoria do ministro, porém, nega que ele tenha tido conhecimento prévio do teor do documento. O partido nem sequer chegou a inspecionar os códigos de programação das urnas, como havia sido franqueado pela Corte, e agora diz não haver controles externos. Costa Neto também visitou Alexandre de Moraes em privado, ocasião em que não manifestou contestação do sistema. Ao contrário, o presidente do partido já havia dito que nem Bolsonaro tinha motivos para desconfiar. Em visita à seção de totalização, que o presidente classifica como sala “secreta” ou “escura”, Valdemar afirmou que ela, ao contrário, é “aberta”.

Insatisfação

Embora se reconheçam, majoritariamente, identificados com o ideário da direita defendido por Bolsonaro e avessos à ideia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mereça retornar ao poder, coronéis, generais, almirantes e brigadeiros se dizem profissionais e chegam a se ofender com a cogitação de apoio a um golpe de Estado. Um general de Exército da reserva, com assento no governo, e que chama Lula de “ladrão” em privado, afirma que os militares podem ficar insatisfeitos, em sua maioria, mas são disciplinados e já viveram sob um governo do PT. Ele diz não acreditar em “atitude de rebeldia”. Um coronel de Forças Especiais, influente no Forte Apache, lembra que as consequências jurídicas seriam pesadas e que, diferentemente do que ocorreu em 1964, hoje não há nenhum inimigo que ameace a segurança nacional.

Perguntados sobre eventuais defecções, como renúncias ou pedidos de passagem à reserva, os oficiais afirmam que não existiria um movimento orquestrado amplo, mas reconhecem a possibilidade de casos pontuais de algum insatisfeito. Também ressalvam admitem que existem, na caserna, segmentos com opiniões radicalizadas, mas rechaçam a possibilidade de quebra da disciplina. Dois ministros identificados por eles como disseminadores de conteúdo com alta circulação pró-Bolsonaro, como os generais Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria Geral da Presidência. A maioria minimiza, por exemplo, os artigos questionadores das urnas difundidos pelo Clube Militar.

Pelo cenário de vitória de Lula, oficiais do Exército afirmam que há alguns caminhos para começar a estruturar sua posição corporativa e abrir canais de interação com o petista, oficialmente bloqueados. Seriam pontos fundamentais, segundo um coronel, proteger os vencimentos e o sistema de previdência, turbinados no governo Bolsonaro; preservar e ampliar investimentos orçamentários nos programas estratégicos para até 2% do PIB. Ainda, vão trabalhar para blindar as escolas militares de influências políticas na formação dos oficiais, algo que gera receio por causa de manifestações passadas de petistas.

Em caso de transição de governo, eles dizem que o natural seria o grupo mais antigo de cada Força estabelecer pontes com o governo eleito. E veem como positiva a indicação de um civil no Ministério da Defesa. No Exército, nomes que potencialmente participariam das tratativas seriam os generais Tomás Paiva, Valério Stumpf, Estevam Teophilo e Julio Cesar de Arruda. Especialmente o primeiro é tido como um dos nomes mais moderados da caserna e com boa aceitação na campanha petista.

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