O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu uma investigação para apurar o caso de mensagens entre assessores de seu gabinete e ex-auxiliares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O novo inquérito foi aberto sob sigilo, após a Folha revelar que o gabinete do ministro no Supremo ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pelo TSE para embasar decisões do próprio Moraes contra bolsonaristas no inquérito das fake news na corte em 2022.
Como parte da investigação, a Polícia Federal intimou Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação) do TSE, a depor nesta quinta-feira (22) em São Paulo.
A mulher de Tagliaferro também foi intimada a prestar depoimento.
A Folha ainda não conseguiu informação sobre o motivo da abertura de inquérito e quais crimes são investigados.
Após as primeiras reportagens, na quarta (14), Moraes disse, durante sessão no plenário do STF, que “nenhuma das matérias preocupa meu gabinete, me preocupa, ou a lisura dos procedimentos” e afirmou que tudo estava documentado. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, também manifestaram apoio ao colega.
O inquérito foi aberto, segundo o site do STF, no dia 19 de agosto, uma segunda-feira.
Nesta quarta (21), o advogado de Tagliaferro, Eduardo Kuntz, enviou um ofício a Moraes no qual diz ter sido surpreendido pela abertura da investigação e pela convocação para o depoimento. A defesa pediu “acesso total e irrestrito aos elementos de informação” que instruem o procedimento, alegando que, caso não tenham, o processo pode ficar prejudicado.
Kuntz também é advogado de ao menos dois ex-assessores de Jair Bolsonaro (PL), alvos da PF em casos sob relatoria de Moraes.
Nesta quarta, reportagem da Folha mostrou um processo sigiloso que revela erros, o uso informal do órgão de combate à desinformação do TSE pelo ministro e contradições nas explicações dadas por ele após as primeiras reportagens sobre o tema.
A Folha teve acesso a mais de 6 gigabytes de diálogos e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes, entre eles o seu principal assessor no STF, que ocupa até hoje o posto de juiz instrutor (espécie de auxiliar de Moraes no gabinete), e outros integrantes da sua equipe no TSE e no Supremo.
As ordens solicitadas pelo ministro e por seus assessores ao ex-chefe do órgão de desinformação no tribunal eleitoral eram todas dadas de maneira informal.
Os assessores de Moraes, segundo as mensagens, sabiam do risco dessa informalidade. Um deles demonstrou em áudios essa preocupação. “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
A troca de mensagens revela que o órgão de combate à desinformação do TSE foi usado para abastecer o inquérito das fake news e também para outros fins.
Um policial militar lotado no gabinete de Moraes pediu à assessoria que buscasse informações sobre uma pessoa que faria uma obra na casa do ministro. Questões relacionadas à segurança de Moraes estão fora do escopo de atuação da estrutura do órgão.
Em outro momento, Moraes usou o órgão de combate à desinformação para levantar dados e produzir relatórios contra manifestantes que xingaram ministros do Supremo durante um evento privado em Nova York (EUA), como revelou a Folha nesta semana.
Nesta terça-feira (20), o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) arquivou um procedimento movido pelo partido Novo contra os juízes mencionados no caso dos relatórios produzidos no TSE a pedido de Moraes.
A reclamação disciplinar se referia a Airton Vieira e Marco Antônio Martin Vargas, respectivamente, juiz instrutor do gabinete de Moraes e juiz auxiliar da presidência do TSE quando o ministro presidiu o órgão.