O Senado e a Câmara dos Deputados elegeram no último sábado (1º) Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Hugo Motta (Republicanos-PB), respectivamente, como seus novos presidentes. Os dois eram os favoritos em suas disputas.
A previsão de analistas ouvidos pela BBC News Brasil é que as mudanças vão manter o Congresso forte e independente do governo de Lula da Silva (PT).
Com a popularidade em queda, segundo a última pesquisa Quaest, o presidente deve continuar tendo dificuldade para avançar suas propostas no Legislativo em 2025, um ano decisivo para tentar melhor sua avaliação e fortalecer seus planos de reeleição — ou de emplacar um sucessor em 2026.
A expectativa dos analistas entrevistados é que pautas econômicas, como a ideia de mudar regras do Imposto de Renda, possam ser aprovadas, mas à base de muita negociação e concessões, enquanto propostas com mais resistência na oposição, como a ideia de regular as redes sociais, continuem travadas.
Alcolumbre voltou à Presidência do Senado depois de quatro anos com Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no comando da Casa. Alcolumbre foi presidente do Senado entre 2019 e 2021.
Os outros rivais na corrida, o senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) e Eduardo Girão (Novo-CE) conquistaram 4 votos cada um.
Em seu discurso, Alcolumbre afirmou: “Para mim, governar é ouvir e liderar é servir. É disso que o nosso país precisa agora. Uma liderança que una e não que divida”, disse, segundo a Agência Brasil.
O presidente Lula parabenizou Alcolumbre nas redes sociais: “Um país cresce quando as instituições trabalham em harmonia. Caminharemos juntos na defesa da democracia e na construção de um Brasil mais desenvolvido e menos desigual, com oportunidades para todo o povo brasileiro”.
Hugo Motta, de apenas 35 anos, levou 444 votos dos 513 possíveis (499 deputados votaram). Ele ficou na frente de Marcel van Hattem (Novo-RS), que teve 31, e Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) com 22 votos.
Em seu discurso de vitória ele citou mais de uma vez Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 e repetiu a frase célebre do parlamentar: “Tenho ódio e nojo à ditadura”.
“Não existe ditadura com parlamento forte. O primeiro sinal de todas as ditaduras é minar e solapar todos os parlamentos. Por isso, temos de lutar pela democracia. E não há democracia sem imprensa livre e independente.”
Ele terminou com uma referência ao filme Ainda Estou Aqui, indicado ao Oscar e focado na época da ditadura militar: “Em harmonia com os demais poderes, encerro com uma mensagem de otimismo: Ainda estamos aqui!”.
Tanto Alcolumbre quanto Motta são lideranças do Centrão — classificação que abarca partidos predominantemente conservadores, mas que costumam apoiar governos de diferentes tendências políticas em troca de cargos e acesso a verbas públicas.
Os dois costuraram uma ampla aliança, que vai do PT de Lula ao PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, e contam com o apoio dos atuais presidentes das duas Casas, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-RO).
Segundo os especialistas, Motta deve ter um diálogo melhor com o Palácio do Planalto do que Lira, mas isso não será garantia de mais facilidade nas votações.
Já Alcolumbre deve dar mais “dor de cabeça”, avaliam, por ter um estilo mais confrontacional e um apetite maior por cargos e verbas públicas do que Pacheco.
Durante a semana, Lula disse que não interfere na eleição do Congresso.
“Eu não me meto em eleição da Câmara e do Senado. Isso é uma questão dos partidos e dos deputados e senadores. Quem ganhar, eu vou respeitar e vou estabelecer uma nova relação”, afirmou, em entrevista coletiva.
Motta: diálogo melhor impactará resultados?
Hugo Motta será o mais jovem presidente da Câmara na história, aos 35 anos.
Da cidade paraibana de Patos, ele entrou na Casa aos 21 anos em 2010. Foi um aliado próximo do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Se tornou o favorito na disputa pelo comando da Câmara apoiado pelo atual presidente Arthur Lira e apadrinhado pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI). E desbancou outros expoentes do Centrão na disputa por manter bom diálogo com governo e oposição.
Para os analistas entrevistados, a provável troca de Lira por Motta na Câmara é positiva para o governo porque o republicano tem uma relação mais cordial com o Palácio do Planalto na comparação com o atual presidente, que se recusa a dialogar com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem já chamou publicamente de incompetente.
Mas isso, ressaltam, não é garantia de resultados práticos para o governo.
“Eu imagino que a situação fica um pouco menos conflituosa na Câmara. Isso não quer dizer que o governo vai conseguir passar pautas pra além da pauta econômica”, nota a doutora em ciência política Beatriz Rey, pesquisadora associada à Fundação POPVOX, nos Estados Unidos.
Na sua avaliação, o governo precisa fazer uma reforma ministerial que inclua a troca de Padilha na articulação política e fortaleça sua base no Legislativo.
A expectativa é que isso ocorra após a eleição do comando do Congresso e que o PT ceda espaço para partidos do Centrão.
Rey reconhece, porém, que os partidos hoje são mais fragmentados e, mesmo com cargos na Esplanada dos Ministérios, não garantem apoio absoluto nas votações.
“Acho importante dizer que o Congresso segue fortalecido, segue com uma composição que é majoritariamente de centro-direita e de direita. E eu não espero do Hugo Motta uma postura diferente do Lira nas emendas parlamentares. Ele vai continuar buscando esse controle sobre o Orçamento”, reforçou Rey.
A leitura é semelhante à do cientista político Lucas de Aragão, sócio da consultoria Arko Advice.
“Acho que na Câmara a gente tem um cenário de continuidade [em relação a Lira]. Hugo Mota defende muito a independência e autonomia do Congresso, diz que vai defender as emendas parlamentares, e é um parlamentar de bom diálogo com o mercado financeiro. Então, isso também é uma característica parecida com Arthur Lira”, ressalta.
Para o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), um presidente da Câmara forte, como se espera de Motta, pode ser positivo para o governo.
Ele lembra que Lira contribuiu para a aprovação de agendas importantes da gestão Lula, como o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária e as recentes medidas de cortes de gastos.
A Fazenda deve enviar no início do ano uma proposta para isentar o Imposto de Renda até R$ 5 mil e elevar o imposto sobre rendas de mais de R$ 50 mil. O tema vai demandar muita negociação, diante da oposição do mercado financeiro e de parte dos economistas.
“Do ponto de vista do governo, com todos os atropelos que teve com o Lira, o fato do Lira ter controle sobre a Casa foi importante para dar estabilidade pro governo”, nota Queiroz.
“Hugo Motta tem disposição para o diálogo. Isso é muito importante porque leva a decisões menos emocionais, mais racionais”, disse ainda.
‘Alcolumbre dará mais dor de cabeça’
Alcolumbre, de 47 anos, retorna ao comando máximo da Casa após presidir o Senado entre 2019 e 2021. Na época, ele surpreendeu com uma vitória sobre o veterano e à época favorito Renan Calheiros (MDB-AL).
Se a expectativa é de uma melhora de diálogo entre Câmara e governo, o cenário muda no Senado, onde os analistas esperam uma posição mais dura e independente de Alcolumbre na comparação com Pacheco.
“O Rodrigo Pacheco trabalhava mais diretamente com o governo. Eu acho que o Alcolumbre tem um estilo mais centralizador e pode causar um pouco mais de dor de cabeça”, acredita Rey.
Aragão ressalta que Alcolumbre vem do Amapá, um Estado com maioria bolsonarista, e seu futuro político não depende de uma boa relação com Lula.
É uma diferença em relação a Pacheco, que tem planos de disputar o governo de Minas Gerais, Estado em que o presidente tem um eleitorado maior e seria um apoio político mais importante.
“Pacheco sempre foi um presidente de muita institucionalidade e muitas vezes serviu de bombeiro em momentos em que o Senado se irritou com o governo Lula. Alcolumbre terá uma postura mais independente e confrontacional”, prevê.
Aragão lembra ainda que Alcolumbre, caso eleito presidente do Senado, será também o presidente do Congresso, responsável por convocar as sessões do Parlamento para análises de vetos presidenciais (quando os congressistas decidem se mantêm ou derrubam trechos de lei vetados por Lula).
“E os vetos têm sido cada vez mais foco de guerras entre governo e Congresso”, destaca.
Um dos vetos que gerou tensão com o Parlamento e Lula não conseguiu manter em 2024 foi a tentativa de anular a proibição das saidinhas de presos em datas comemorativas como o Natal, por exemplo.
Na visão de Queiroz, do Diap, o provável novo presidente do Senado vai aumentar a barganha com o Palácio do Planalto. Ele lembra que Alcolumbre sabe criar dificuldades quando quer pressionar o governo.
Um exemplo, recorda, ocorreu quando o senador presidia a Comissão de Constituição e Justiça do Senado e demorou meses para marcar a sabatina do então indicado ao STF André Mendonça, ainda no governo Bolsonaro.
“O Alcolumbre tem apetite por cargos, recursos e poder maior do que o Pacheco”, compara.