A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atropelou segundo Vera Magalhães, do O Globo, a tensa discussão interna do governo com o presidente Lula em torno da reoneração imediata ou não dos combustíveis e, publicamente, defendeu que a decisão seja adiada para depois de abril.
É a mais clara investida pública da ala política do entorno de Lula contra a equipe econômica capitaneada por Fernando Haddad (Fazenda), mas que conta, também, com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin. Ambos têm evitado fazer publicamente o debate sobre as decisões de política econômica e sobretudo a parte fiscal, aquela mais delicada e que tem suscitado maior desconfiança por parte dos agentes econômicos.
Mas todos estão incomodados com a fritura a que Gleisi e os demais integrantes desse núcleo político têm submetido o grupo, e sobretudo Haddad, justamente por ser petista, ter sido uma escolha pessoal de Lula e ter demonstrado lealdade ao presidente nos tempos difíceis tanto quanto a presidente do partido.
O problema, na verdade, transcende em muito uma eventual disputa algo infantil por fazer a cabeça de Lula, algo preocupante quando se pensa que se trata de um quase octagenário que ocupa pela terceira vez a Presidência — e, portanto, deveria ser peremptório em frear esse fogo amigo num país em que a oposição já se mostrou disposta a tacar fogo literalmente nas instituições e incinerar a governabilidade até aqui não assegurada.
No longo fio em seu perfil no Twitter em que Gleisi arrisca uma suposta tese econômica para sua pregação contra a reoneração da gasolina e do etanol na virada do mês, ela acaba por referendar a preocupação colhida junto ao mercado semanalmente no boletim Focus, e expressada na tão criticada ata do Copom: a de que existe um risco fiscal crescente, derivado do fato de que o governo já aprovou várias medidas que ampliam gastos, mas até aqui patina em recompor receitas.
Não que Haddad não tenha demonstrado ter ciência do terreno em que está pisando. Tanto que antecipou para março a definição do novo marco fiscal, que será apresentado ao Congresso e dependerá de quórum de PEC para substituir o teto de gastos, que é uma emenda constitucional.
Quando ela fala em ver em abril a questão dos combustíveis, um legado, não custa lembrar, de Jair Bolsonaro, e que custa algo como R$ 6 bilhões mensais aos cofres da União em renúncia de arrecadação, ela está na prática riscando um fósforo e deixando queimar a discussão do novo marco, que supostamente seria apresentado no mês anterior.
Além disso, não deveria ser preciso dizer que a política de preços de combustíveis da Petrobras e a discussão sobre tributos não são atribuições da presidente do partido do presidente da República. A participação de Gleisi e dos demais integrantes da área política nesse tema que lhes é estranho tem sido motivo de preocupação em setores relevantes da economia — e aqui não se fala só do mercado tão infantilmente vilanizado pelos militantes, tratem de se acalmar — com a permanência de Haddad na Fazenda, e, por consequência, do restante da equipe econômica.
Lula aceita pagar um preço altíssimo no início de seu mandato dando corda para essa tremenda irresponsabilidade. Ou ele enquadra a ala política, da qual Gleise é a porta-voz, mas não a única a lhe envenenar os ouvidos, ou cada vez mais será difícil para ele desarmar as bombas concretas colocadas no caminho para que seu governo seja bem-sucedido.
Uma pregação dessa feita por Gleisi e os gastos anunciados de uma semana para cá já são suficientes para pressionar o câmbio, e, por consequência, elevar a pressão sobre inflação e juros. Essa expectativa catastrofista pode, no limite, queimar por meio da inflação e da disparada do dólar os ganhos que Lula está concedendo na forma de medidas como aumento do salário mínimo, por exemplo, É isso que os donos do maçarico amigo parecem não entender.