De repente, o mercado se alvoroça, o dólar sobe, a bolsa cai e os diversos economistas ligados ao mercado financeiro começam a traçar os mais inusitados cenários até 2026, como se a economia e a política não fossem ciências com seus próprios preceitos e como se o governo, recentemente eleito, não tivesse um plano para o país.
É preciso desmistificar essa discussão partindo de um pressuposto claro e bem simples. Como está o equilíbrio fiscal na atualidade, sob a égide do famoso “teto de gastos”?
Vejamos isto de uma forma bem clara: Eis o cenário atual.
Inflação quase dois pontos percentuais acima do centro da meta. Endividamento público em 2020 chegou ao patamar recorde de 89% do PIB. Juros estratosféricos na casa dos 7,5% reais. E o crescimento da economia, depois de dois anos de índices negativos chega a um aumento pífio de 2%. O resultado de tudo isso configura-se nos dados econômicos alarmantes: índice de desemprego na casa dos dois dígitos com cerca de 12 milhões de desempregados e um número recorde de empregos informais de baixíssimo rendimento, quase um novo Auxílio Brasil no comércio de rua das grandes e médias cidades; 33 milhões de brasileiros estão em quadro de insegurança alimentar grave, fome em grande parte dos lares do país.
Enquanto isso, multiplicam-se vertiginosamente o número de pessoas em situação de rua, e o quadro de desproteção social se agrava, com as famílias em vulnerabilidades cada vez mais expostas ao risco social, principalmente com o número crescente da violência dos idosos, das mulheres e principalmente das crianças em adolescentes. O desmonte das políticas públicas de assistência social levam a um corte de 96% dos recursos para o Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e, como se não bastasse, o quadro da saúde pública brasileira é caótico, fruto do corte de recursos do SUS. A proteção vacinal infantil cai a níveis alarmantes e doenças erradicadas há muito tempo ressurgem com força, como o sarampo, meningite e outros.
E as contas públicas? Dados agora demonstram que o atual governo descumpriu o teto de gastos nos quatro anos de governo, algo em torno de R$ 800 bilhões. Fato mais emblemático foi a chamada PEC Kamikaze, que a três meses das eleições criou despesas de R$ 42 bilhões na tentativa de uma vitória eleitoral do governo.
E a PEC que instituiu o “teto de gastos” não era para impedir isto? O que foi feito para preventivamente se evitar isto? Cabe punições aos atuais gestores? E o mercado como reagiu durante este período? Se omitiu ou foi recompensando com os dividendos polpudos e irreais da Petrobras? Ou foram contemplados com a política liberou geral da extração dos garimpos ilegais, desmatamento recorde na Amazônia e ampliação da área de pastoreio nas terras indígenas?
Essa discussão, sim, é que tem que ser enfrentada. Encaremos a realidade: o teto de gastos não existe mais. Foi vergonhosamente, e com o apoio do mercado, implodido pelo atual governo. Para aqueles que realmente querem discutir equilíbrio fiscal e gestão pública com responsabilidade, precisamos partir deste pressuposto.
O Brasil vive uma crise social, econômica e política sem precedentes, reflexos da pandemia e das políticas de um governo negacionista e antidemocrático, que nos jogaram neste estágio. Felizmente as forças democráticas uniram-se e deram um basta aos ataques políticos e sociais à nossa frágil democracia. Urge a manutenção desta unidade para superação desta situação a que fomos submetidos.
Discussões falaciosas não levarão a solução dos nossos problemas. É consenso que a urgência brasileira é estancar a fome e gerar emprego e renda para voltarmos à normalidade.
Trago aqui a expressão do renomado economista André Lara Rezende: “a insistência no equilíbrio fiscal, baseado em equívocos da macroeconomia hegemônica, é moralmente inaceitável”. Se começarmos a discutir deste ponto de vista, certamente responderemos a urgência da necessidade brasileira e, certamente, encontraremos um novo modelo de gasto público, um novo arcabouço fiscal que coloque a redução das desigualdades, a proteção social e o combate a fome no centro das preocupações, voltados também para um desenvolvimento econômico sustentável e socialmente justo.
Para além do mero esforço fiscal, temos que discutir um novo modelo de desenvolvimento econômico sustentável e os caminhos que precisaremos percorrer com urgência, pois a fome e desigualdades impedem o futuro desta nação para nossos filhos e netos. A reforma tributária tem que fazer parte desta agenda. Uma reforma que proporcione um sistema tributário progressivo, socialmente mais justo, arrecadando de quem realmente dispõe de mais recursos, mais renda e patrimônio e, ao mesmo tempo, aproveitar o espaço econômico mundial da economia de baixo carbono, tornando o Brasil protagonista das discussões acerca da adaptação e mitigação das mudanças climáticas, bem como da discussão acerca do financiamento de perdas e danos climáticos aproveitando as oportunidades de recursos que podem trazer geração de emprego e renda, principalmente para regiões empobrecidas do país.
Esse sim é o debate que precisamos aprofundar e transformar em manchetes diárias no nosso país.
Carlos Martins é economista, mestre em Administração, professor. Presidente do PT de Candeias e secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia. Foi secretário da Fazenda da Bahia, no período entre 2006 a 2012 e secretário de Desenvolvimento Urbano entre 2015 e 2017.