Neste sábado (12) a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, embarca para o Canadá levando na mala uma das prioridades do governo no momento: buscar novas fontes de fornecimento de fertilizantes para evitar o desabastecimento do insumo, que é fundamental para o agronegócio brasileiro e, por extensão, para a economia do país. Segundo reportagem da revista Veja, a preocupação bateu com força em razão da invasão da Ucrânia. Os russos, maiores fornecedores do produto para o Brasil, responsáveis por cerca de um quarto do que importamos no ano passado, são alvos de restrições econômicas e embargos que podem pôr em risco a continuidade das remessas.
De fato, o cenário é preocupante — e pode piorar. No fim de março, a ministra deve se desincompatibilizar do cargo para disputar uma vaga ao Senado por Mato Grosso do Sul. No setor produtivo, é unânime a avaliação de que Tereza Cristina conseguiu trazer mais boas do que más notícias para o setor, cujos resultados sempre estiveram ameaçados pelas sandices do próprio Bolsonaro (com destaque para os movimentos de afrouxamento das regras ambientais), de seus filhos e da tropa olavista na Esplanada, como o ex-ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores). De forma irresponsável, eles trabalharam firme para tentar dinamitar pontes com diversos parceiros, a exemplo da China.
Diante dessa política tresloucada, a parcela mais responsável de empresários do agronegócio sempre confiou no trabalho de redução de danos executado por Tereza Cristina. Ela é vista como uma bombeira, que corre o mundo — foram mais de dezesseis viagens internacionais em três anos de governo — para resolver embaraços, abrir portas (ou evitar que elas se fechassem) e ajudar a costurar acordos comerciais para o setor, que responde por quase 30% do PIB. O seu trabalho garantiu o apoio do agronegócio e seus principais representantes ao governo por todo o mandato, a exemplo de Antonio Galvan, presidente da Aprosoja. É verdade que a própria Tereza Cristina, bem antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, já havia recebido alertas para os riscos da crescente dependência brasileira do mercado externo de fertilizantes. Um relatório de 2020 da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do governo federal, apontava para o fato de mais de 80% dos produtos usados por aqui serem de origem estrangeira. “O risco de desabastecimento interno deve ser uma preocupação, uma vez que crises no cenário internacional, questões de geopolítica, assim como uma alta excessiva de preços no mercado externo, provocadas por alguma contingência do momento, podem acarretar prejuízos”, afirmava o documento. Por essa razão, o presidente Jair Bolsonaro fez uma visita inoportuna (e desastrada) ao líder russo Vladimir Putin uma semana antes da ofensiva militar e, no mesmo mês, Tereza Cristina viajou ao Irã para ampliar as relações comerciais com o país e expandir a carteira de fornecedores. A ministra também já havia ido à Rússia em novembro para uma série de encontros com o mesmo objetivo.
Evidentemente, o problema não foi uma criação exclusiva deste governo. Na gestão de Michel Temer (MDB), por exemplo, a Petrobras gradativamente se afastou da produção de fertilizantes. As fábricas de Camaçari (BA), Laranjeiras (SE) e Três Lagoas (MS) acabaram sendo vendidas — essa última foi negociada com o grupo russo Acron, mas o negócio foi suspenso em razão do conflito. A planta que restou, em Araucária (PR), fechou as portas em 2020. “Por que a gente tomou a decisão lá no passado, equivocada, de não produzir fertilizantes?”, disse Tereza Cristina, em uma entrevista recente. “No passado, a decisão era de importar porque era mais barato, e deve ser mesmo até hoje, mas o Brasil precisa tratar esse assunto como segurança nacional e segurança alimentar”, completou ela. Atual favorito nas pesquisas ao Palácio do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a indicação de que o tema irá para o debate eleitoral. “Foram os governos de Temer e Bolsonaro que erraram, não o Brasil”, criticou o petista.
Além da urgente necessidade de diversificar os fornecedores internacionais, a crise mostrou de forma clara que o Brasil precisa buscar soluções permanentes para o problema. Isso passa pelo aumento do volume da produção nacional, algo desprezado no passado por razões econômicas. “Com o preço do fertilizante, que subiu 200% em dólar nos últimos anos, nós começamos a olhar para dentro. Hoje, já compensa explorar as jazidas brasileiras”, avalia o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da Frente Parlamentar de Agropecuária (FPA). Reativar fábricas, atrair investimentos e ampliar a exploração de minerais estão entre os principais objetivos do Plano Nacional de Fertilizantes. Mas nada disso é capaz de mitigar a crise em razão de um eventual agravamento do conflito na Ucrânia, já que são metas para ser perseguidas até 2050. Se não bastasse, dentro da tentação desastrosa de buscar soluções fáceis para questões complexas, Bolsonaro vem dando declarações favoráveis a um projeto de liberação da exploração de potássio (elemento usado na produção de fertilizantes) em reservas indígenas, algo que não resolve o problema e pode criar ainda mais embaraços ao governo, dentro e fora do país. “Diante da questão emergencial, deveríamos pensar em algumas medidas para desonerar a importação, por exemplo”, propõe o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), também integrante da frente ruralista.
O Ministério da Agricultura tem se concentrado em buscar soluções mais urgentes, como reforçar o monitoramento logístico para impedir que navios não desembarquem por questões burocráticas e iniciar uma campanha para uso racional de fertilizantes — cerca de 40% do insumo é desperdiçado nas lavouras. O governo diz contar com estoques suficientes para a próxima safra, considerando as sobras da anterior e a chegada de cargas contratadas. Mas o efeito nos preços do insumo e dos alimentos será inevitável. “Temos adubo para os próximos meses, mas para a safra de verão, que é semeada a partir de setembro, nós precisaremos de mais”, alerta Roberto Brant, presidente do Instituto CNA, ligado à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil.
A iminente saída de Tereza Cristina do governo colocou ainda mais adubo nessa crise. Existe o risco de que a escolha do substituto seja definida por critérios políticos, e não técnicos. O nome mais cotado até aqui é o do ex-deputado e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (nome formal da poderosa bancada ruralista) Marcos Montes, atual secretário-executivo da pasta. Por já trabalhar com a ministra, ele é visto como uma transição sem sobressaltos. Mas é filiado ao PSD, partido que não integra a base governista e nem apoia a reeleição de Bolsonaro. Por isso, circula com força o nome do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), aliado de Bolsonaro no Congresso. A sua nomeação deixaria livre o caminho para o ministro Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) se candidatar ao governo do Rio Grande do Sul, cargo também desejado por Heinze. A escolha agradaria ao PP, dos caciques Arthur Lira e Ciro Nogueira, e ao PL, partido do presidente e futuro destino de Onyx (veja reportagem na pág. 36). Outras apostas são Geraldo Melo Filho, presidente do Incra, e o ex-deputado Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), braço técnico da FPA. Certo mesmo é que não poderia haver pior momento para a troca de guarda na pasta. Sem a “bombeira” Tereza Cristina, a dúvida é se o Palácio do Planalto terá capacidade de evitar o agravamento do atual impasse sobre os fertilizantes.
Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780