Seguindo uma onda internacional iniciada pelos Estados Unidos, referência em modelo de negócios da comunicação publicitária, as agências independentes brasileiras estão se organizando no chamado “movimento indie”, liderado pelo publicitário Daniel Rosa, CEO do AD/Group, ao lado dos colegas Marcelo Zampini, Cathy Birle e Deva Castanhari.
As “indies” são aquelas agências que não foram incorporadas ou absorvidas pelas grandes multinacionais em um movimento de fusões e aquisições no setor que se deu no mercado publicitário brasileiro em um passado recente. No Brasil, elas são estimadas em 36 mil, considerando as muitas regionais pelo país.
Não quer dizer que sejam todas pequenas. A Galeria, por exemplo, está na sexta posição entre as 10 maiores agências de publicidade do país, de acordo com o mais recente ranking do Cenp, o Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário. Ela tem como clientes grandes marcas e empresas – e grandes anunciantes – como Itaú, Natura, McDonald´s, Vivo, Havaianas, Seara e Bauducco.
“São grandes marcas que têm no Brasil seu principal negócio, com sócios aqui, e conseguem conversar direto com as agências. No mercado americano é tendência, com cerca de 30% do mercado sendo de agências independentes. E tem um número de marcas importantes migrando seus negócios e projetos de comunicação para as independentes”, diz Eduardo Simon, chairman da Galeria.Holding e CEO e sócio-fundador da agência Galeria.ag, agência com projeção de faturar R$ 400 milhões neste ano.
A Bauducco, que migrou para a Galeria há pouco mais de um ano, vê como “essencial” a proximidade, especialmente para o compartilhamento de visão e valores da marca.
“A Galeria tem sido essencial, combinando criatividade, planejamento estratégico e respeito pela nossa história. Essa parceria já trouxe resultados marcantes, como o primeiro comercial para uma nova categoria, com o lançamento do Bauducco Pão, e agora chega em uma campanha de Natal histórica. O alinhamento entre propósito e execução é o que torna nossa colaboração tão especial e bem-sucedida”, relata o presidente da Bauducco, Andrea Martini.
Outra representante indie, a Bullet, está há quatro anos com a conta do MercadoLivre, empresa de maior valor de mercado da América Latina, o mesmo período responsável pela marca Ypê, e há três anos com a Bauducco.
“Ser uma agência indie tem muito mais a ver com a forma de atuar do que poder econômico”, descreve Fernando Figueiredo, CEO da agência Bullet. Figueiredo tem a experiência de ter atuado como parte de um grande grupo internacional de comunicação. Em 2000, a Bullet teve grande parte vendida para a Interpublic, da gigante global McCann. Mas, em 2006, acabou voltando à independência.
“Perfil de startup”
Simon, da Galeria, vê as agências internacionais com maior competitividade no networking global, uma vantagem quando o cliente quer um alinhamento mundial. Por outro lado, diz, a tomada de decisão é mais lenta, mais burocrática e há um maior distanciamento entre cliente e agência.
“Uma independente tem como fortaleza a capacidade de realizar mudanças mais rápido, reagir mais rápido. O mercado tem mudado muito rapidamente, com tecnologia, dados… a velocidade de transformação está muito grande. Então podemos ser mais rápidos na tomada de decisões. Outra vantagem é o contato direto com os donos e sócios”
A avaliação de Simon se alinha ao resultado de uma pesquisa realizada pela WFA (World Federation of Advertisers) em parceria com a consultoria MediaSense, apontando que neste momento em que as agências passam por uma profunda e acelerada transformação, a área de comunicação como um todo, há uma demanda por um perfil de maior agilidade, integração e flexibilidade.
De acordo com o levantamento, 92% dos entrevistados acreditam que velocidade e agilidade são importantes e a ‘flexibilidade’ foi citada por 45% dos entrevistados como uma característica importante de fornecedores.
“Acho que a vida indie é muito mais eficiente. Hoje temos que agir como uma startup, todo mundo tem que tomar decisões como startup. O mundo está mudando rápido, pautado na velocidade. Uma agência indie permite ser rápido, tem uma escala de decisão muito menor, não precisa todo aquele processo global hierarquizado e engessado de uma holding”, diz Figueiredo, da Bullet.
Paulo Sanna, CEO da Mestiça, agência responsável por Oxxo, Salton, Outback e Yoki, entre outras, reforça visão de Figueiredo sobre as vantagens de atuar em uma agência independente, destacando a maior “liberdade” no processo fora de uma grande estrutura multinacional.
“Ao ser independente, você tem a liberdade de colocar energia naquilo que você sente que realmente importa e faz a diferença no teu negócio, e não ser sufocado com uma série de distrações. Te dá a oportunidade de testar o tempo todo e de efetuar mudanças de rota na hora exata que você entende que essas mudanças precisam acontecer. Então, isso tudo traz muito benefício para o nosso dia a dia.”
Locais e internacionais
Ser independente também não significa que não sejam internacionais. Como a Isla, que se define como “uma holding Latina”, pois está no Brasil, na Argentina e no México, e atende marcas como Gatorade, Pepsi, Amazon, YPF e Epson. E a Bullet, por exemplo, exporta campanha de seus clientes para 18 países.
Na Ampfy, que reúne as contas como Perdigão, Sadia, Shell e Mastercard, a nova sócia e Chief Creative Officer (CCO) Andrea Siqueira faz o caminho inverso e volta de Chicago ao Brasil para integrar o time de 250 profissionais da agência. “É uma oportunidade única de atuar fora de uma grande network e de mergulhar na ‘contracultura’ que é conduzir uma agência independente”, diz. A agência projeta encerrar 2024 com um crescimento de 40% e faturamento de R$ 450 milhões.
Criatividade, a alma do negócio
O Brasil tem uma reputação global como uma referência em publicidade. Tradicionalmente um representante de peso no Festival de Cannes, o Oscar da publicidade realizado anualmente na cidade no sul da França, o país reunia grandes agências nacionais e grandes criativos, como Washigton Olivetto, o brasileiro mais premiado do festival.
A criatividade é a alma da publicidade. E é esse diferencial competitivo que as indies alegam estar a ser favor.
“Os grandes grupos internacionais têm um estilo muito característico de comprar e levar essa cultura internacional. Então tira essa personalidade, deixa tudo com perfil parecido, independentemente da agência. Com a adoção de inteligência artificial então, acaba tendo um resultado meio igual. As agências acabam perdendo a cultura”, afirma Daniel Rosa, apontando que, com isso, vê por aqui e no mercado internacional, “um movimento de valorização da criatividade”.
“Acreditamos que criatividade é um multiplicador de negócios”, diz o Ricardo John, sócio e diretor-executivo de Criatividade (ECD) da Isla.
Indie Summit
Para marcar o movimento indie no mundo publicitário brasileiro, o AD/Group realizou o primeiro Indie Summit, evento que reuniu o ecossistema independente para debates e troca de experiência. Para 2025, o evento já tem data agendada para final de outubro, e prevê triplicar o número de participantes.