O deputado e ex-presidente do PSDB Aécio Neves (MG) classificou no jornal Estado de S. Paulo como “erro” a ameaça de ruptura entre seu partido e o DEM. “Não tem muito sentido esse jogo fratricida entre nós. Somos um partido que ainda está vivendo um momento de dificuldade, reorganização, é um erro esse atropelo entre nós, que fomos aliados históricos por mais de 20 anos. É um jogo de perde-perde, um fragilizando o outro”, disse Aécio ao Estadão.
Aliados em todas as eleições presidenciais, desde 1994, PSDB e DEM travaram nas últimas semanas uma “guerra fria” em busca de protagonismo para 2022. O embate passa pelo palanque em São Paulo e opõe os antigos parceiros. A razão da briga foi a iniciativa tucana de filiar ao partido o vice-governador Rodrigo Garcia, que era do DEM.
Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Aécio também reprovou as declarações do presidente Jair Bolsonaro de que a China teria fabricado o coronavírus para causar uma guerra química. Mas elogiou o novo chanceler, Carlos França, dizendo ver nele um avanço em relação à gestão de Ernesto Araújo.
O senhor é próximo do presidente do DEM, ACM Neto. Como vê o conflito entre PSDB e DEM?
Não tem muito sentido esse jogo fratricida entre nós. Somos um partido que ainda vive um momento de dificuldade, é um erro esse atropelo entre nós. É um jogo de perde-perde, um fragilizando o outro.
Como vê a possibilidade de Geraldo Alckmin sair do partido se não puder ser o candidato ao governo de São Paulo em 2022?
O Geraldo é um quadro histórico do partido. Permitir que ele saia, sem que haja um esforço articulado do partido para que ele fique, é um gravíssimo equívoco. O governador Alckmin deve ter as condições de articular internamente a candidatura que achar mais adequada. Não pode ser tirada dele a possibilidade dessa disputa, independentemente das qualidades do Rodrigo Garcia, que também respeito. É preciso um esforço mais amplo do partido, inclusive nacional, para que Geraldo fique no PSDB, é um quadro do ponto de vista eleitoral muito forte. Esse é um sentimento que eu tenho e muitas outras lideranças têm, mas é uma questão a ser debatida em São Paulo.
O senhor está há três meses no comando das Relações Exteriores da Câmara. Não acha que falta uma cobrança maior ao governo? No mesmo dia que Ernesto Araújo foi atacado no Senado, ele falou na Câmara e de lá saiu sem maiores problemas.
Nossa comissão não é feita para derrubar ministro. É feita para prestar esclarecimento, debater os temas. Temos uma oposição muito dura e todas as perguntas foram feitas. Foi mesmo por uma questão de estilo. Não cabe a mim comentar a postura do Senado. Em todas as oitivas até hoje foi mantido um tom muito firme, sempre muito duro, mas também respeitoso, e é como continuaremos a fazer.
Mesmo com a saída de Ernesto Araújo, o governo mantém o discurso agressivo contra a China. Isso não prejudica a cooperação internacional que todos deveriam defender para superar a crise?
Essas declarações em nada ajudam a restabelecer as relações, mas hoje há um esforço do Itamaraty. Tenho conversado com embaixadores, com o ministro Carlos França, para resgatar as tradições da nossa política externa. Contra o alinhamento automático, a não submissão a qualquer questão ideológica para tomar decisões. Acho que há um esforço de retomada das tradições da nossa política externa. Vejo hoje a situação muitas vezes diferente: respeito aos organismos multilaterais, mudança profunda na visão de mundo do embaixador Carlos França e um esforço de valorização dos organismos multilaterais.
Acredita então que o País poderá ter, daqui por diante, uma diplomacia diferente?
Participei de uma reunião semana passada com o nosso embaixador na OMC (Alexandre Parola). Há um esforço dele de destravar negociações de insumos, vacinas com outros países. Estive com embaixadores de várias partes do mundo. Eu acho que há uma nova visão e devemos apoiar essa nova visão. Não é questão de apoiar ou ser oposição ao governo, é uma questão do Brasil, que não pode continuar com uma postura de isolamento internacional. É isso que nós esperamos, e a comissão vai apoiar o aprofundamento dessas relações multilaterais e a superação dos entraves construídos na gestão anterior (de Ernesto Araújo).
O senhor falou na semana passada com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Como foi a conversa?
Ele é muito cauteloso, como os embaixadores devem ser. Afirma que não existe um problema político, hoje, entre o Brasil e a China, mas entende que é preciso que o ambiente seja mais sadio. Ele não coloca esse atraso (do envio de insumos para as doses da Coronavac, vacina chinesa) como uma retaliação. Até porque não seria sequer inteligente para a China, com as relações que tem com o Brasil, passar a ideia de que tenha retaliado por uma questão política.
Não haveria, portanto, nenhuma provocação nos atrasos de envio dos insumos ao Brasil?
Ele diz que a demanda sobre a China por insumos aumentou de forma violenta. Eles estão fornecendo vacinas para cerca de 100 países, são mais de 300 milhões de doses. Criticam muito a União Europeia e os Estados Unidos, que são os outros grandes produtores, por não estarem fazendo o esforço de exportação de vacinas para o mundo em desenvolvimento. Ele credita o atraso a essas demandas de outras regiões e diz que nossas relações vão além de governos, mas sempre pedindo colaboração para tornar o ambiente entre os países mais sadio. Obviamente, isso é um recado a essas declarações (de Bolsonaro contra a China).