No discurso de despedida do Senado, em dezembro passado, Aécio Neves (PSDB) desabafou aos pares: “Tenho vivido dias extremamente difíceis, vocês podem imaginar. Mas não perco a minha fé”.
Quando ele finalizou a fala e desceu da tribuna, o que se viu destoou muito da liturgia parlamentar: não houve nenhum senador que o elogiasse ou fizesse aparte para mencionar alguma passagem de seus oitos anos no cargo, período em que mineiro quase virou presidente da República.
Transformado em político radioativo desde meados de 2017, quando foi afastado do Senado e quase preso nas investigações da Lava Jato, Aécio voltará neste ano à Câmara dos Deputados, onde começou sua ascensão nacional no início dos anos 2000. Será o lugar em que ele tentará sobreviver e se reerguer politicamente – tarefas consideradas difíceis até pelos aliados mais próximos.
Certo é que o mineiro ainda enfrentará dificuldades com a Justiça. O maior temor, ainda não afastado de todo por quem tem familiaridade com as investigações, é que o agora deputado federal seja preso.
Em dezembro, a Polícia Federal realizou duas operações – desdobramentos da principal, deflagrada em maio de 2017, após a delação dos donos da JBS – que apuram suposta propina de mais de R$ 120 milhões repassada pelos irmãos Batista para o tucano entre 2014 e 2017.
A acusação sustenta que esse dinheiro foi usado para comprar apoio à sua candidatura presidencial, o que sua defesa considera um absurdo.
Além de imóveis do senador, da irmã Andrea Neves e do primo Frederico Pacheco, estes dois presos temporariamente em 2017, os policiais também fizeram buscas no apartamento de sua mãe, Inês Maria, em um bairro nobre de Belo Horizonte.
Para Aécio, que saiu das eleições de 2014 como o principal nome da oposição, os eventos dos últimos dois anos mudaram sua carreira: de um dos políticos mais influentes do país a um com a imagem pública bastante abalada.
Um dos fiadores da posse de Michel Temer (MDB) no Planalto após o impeachment de Dilma Rousseff, Aécio foi fundamental para que o PSDB fizesse parte do governo. No ano seguinte, ele e Temer acabaram tragados simultaneamente no escândalo revelado pelos executivos da JBS.
O mineiro, contudo, ainda conseguiu sobreviver à avalanche das últimas eleições. Ele fez parte do seleto grupo da elite política que conseguiu se reeleger, embora para isso tenha descido um degrau e buscado uma cadeira como deputado federal.
A decisão de se candidatar à Câmara, mais fácil que a disputa para o Senado, se mostrou a correta. Numa campanha em que dispensou atos públicos, feita praticamente em ambientes fechados ou fazendas do interior, o senador “jogou parado”, como disse um de seus aliados em Minas. Foi eleito com 106.702 votos, o 19º mais votado na bancada mineira de 53 deputados eleitos.
Com o auxílio de uma rede formada por vereadores e prefeitos do interior, ele pautou sua campanha nas ações de seu governo estadual entre 2003 e 2010.
“Ele ainda tem muito prestígio no Estado, a eleição mostrou isso. Foi de certa forma um gesto de gratidão dos eleitores e dos políticos ao seu passado”, afirmou o deputado estadual Alencar da Silveira Júnior (PDT).
Foro para a luta judicial
Com a eleição para a Câmara, Aécio manteve o foro privilegiado, que lhe garante o direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde os processos contra os políticos costumam demorar mais em comparação às ações nas primeiras instâncias.
Ele é réu na corte numa ação penal sob acusação de corrupção passiva e obstrução de Justiça pela Procuradoria Geral da República na esteira da delação dos executivos da JBS. Há outros processos em trâmite, alguns com recursos solicitando o arquivamento, outros para prolongar a investigação.
Os inquéritos causam apreensão no seu grupo político. Sua prisão foi solicitada em pelo menos três ocasiões pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, mas sempre recusada pelo STF sob o argumento de que a Constituição determina que um parlamentar só pode ser detido em flagrante. O tribunal, porém, autorizou em dois momentos distintos a suspensão de seu mandato.
“Ele sabe muito bem da sua atual situação e das dificuldades que vai enfrentar. Ele é inteligente, entende que não é o momento para se expor”, comentou Danilo de Castro, um dos aliados mais próximos de Aécio em Minas Gerais e seu ex-secretário no governo estadual.
No seu círculo, muitos temem os desdobramentos da Lava Jato principalmente contra seus familiares. O aparecimento do nome da mãe nas investigações foi um sinal. A filha de Tancredo Neves, Inês Maria, já foi citada na Lava Jato como sócia de uma empresa da família sob investigação.
Como já disse em diferentes ocasiões, Aécio afirma tratar-se de um “teatro do absurdo” encenado pelos executivos da JBS, que estariam buscando “imunidade penal dos seus acordos de delação”.
Pior momento
Para o político, 2017 foi o pior momento da sua longa carreira, quando a hecatombe provocada pelo escândalo da JBS também fez balançar Michel Temer.
Além da suspensão do mandato no Senado, o STF determinou à época a prisão da irmã, Andrea, sua estrategista política e pessoa que ele mais escutava e confiava, além do primo e assessor Frederico.
Nos áudios gravados pelo empresário Joesley Batista, Aécio negocia com ele o recebimento de R$ 2 milhões para ajudar em suas despesas pessoais – o político afirmou se tratar de um empréstimo pessoal. Quando abordavam sobre a entrega do dinheiro, o mineiro disse: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer a delação. Vai ser o Fred com um cara seu”.
O episódio, além de ajudar a abalar sua imagem, provocou rusgas familiares. “Ele não honra a memória do pai e do avô”, disse o desembargador aposentado Lauro Pacheco de Madeiros Filho dias depois da prisão do filho, Frederico.
Casado com uma das sobrinhas de Risoleta Neves, mulher de Tancredo por quase meio século, Lauro foi procurador-geral da Justiça de Minas no período em que o avô de Aécio governou o Estado, no biênio 1983-84.
Numa carta divulgada na rede, Lauro disse que faltou ao neto seguir o conselho de Tancredo: o “mínimo de cerimônia com os escrúpulos”.
As suspeitas da Lava Jato sobre seu círculo familiar vão além da mãe, da irmã e do primo. Um contraparente – casado com uma enteada da mãe -, o empresário Oswaldo Borges da Costa Filho, também estava sendo investigado.
Um dos tesoureiros do tucano na campanha presidencial de 2014 e pessoa chave de sua gestão em Minas, Oswaldinho, como é conhecido, dirigiu a secretaria do governo responsável pela construção da Cidade Administrativa, sede do Executivo Mineiro sob suspeita de superfaturamento e de conluio com construtoras.
“Aécio está passando por um momento de humilhação muito grande, humilhação inclusive de sua família, com uma exposição desumana. Essas coisas não se consertam no futuro”, afirmou à BBC News o senador Renan Calheiros (MDB-AL), outro dos sobreviventes das urnas em 2018 e também investigado pela Lava Jato – ele é um dos principais críticos no Legislativo dos métodos dos investigadores.
“Não se pode constranger para investigar. Geralmente é o contrário, se investiga para, se for o caso, constranger”.
Reino final
Considerada a mais inteligente da família e, dos netos, a mais próxima de Tancredo, Andrea Neves perdeu muito de seu prestígio após a prisão. Como o irmão, um dos efeitos diretos foi distanciar-se da elite política e econômica que até pouco tempo ela frequentava com desenvoltura. Apresar das afinidades entre neta e avô, quem acabou herdando o trono político foi Aécio.
Nascido em Belo Horizonte em 1960, ele também recebeu influência do pai, Aécio Ferreira da Cunha, que foi deputado estadual e federal. Mas nada o marcou tanto quanto a relação com o avô.
Morando no Rio de Janeiro desde a adolescência, Aécio se tornou secretário-pessoal de Tancredo a partir de 1982, quando o político disputou e venceu a campanha para o governo de Minas. O jovem voltou para o Estado, onde se formou em economia pela PUC-MG.
Três anos depois, ele acompanhou de perto a agonia de Tancredo, internado na véspera da posse na Presidência e morto dias depois.
Graças ao vice que se tornou presidente, José Sarney, Aécio assumiu uma diretoria na Caixa Econômica Federal, mas por pouco tempo. Em 1986 ele foi eleito deputado federal com a maior votação em Minas, ainda comovida com a morte de Tancredo. Era o início de uma longa carreira no Congresso.
O ponto de sua carreira parlamentar foi quando ele se tornou o presidente da Câmara dos Deputados, em 2001, quando ainda não tinha completado 41 anos. O grande responsável por sua eleição foi o então presidente Fernando Henrique Cardoso, personagem fundamental na trajetória de Aécio nos anos vindouros, apoiando-o primeiro para assumir o comando do PSDB e, depois, como o nome do partido para a Presidência em 2014. Procurado, o ex-presidente não quis se manifestar sobre o mineiro.
Eleito governador numa grande aliança em 2002, no mesmo ano que Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Planalto, Aécio fez um governo popular em Minas, apesar de acusações de irregularidades apontadas posteriormente – uma delas foi a construção de uma pista de pouso nas terras de sua família em Cláudio, no interior do Estado.
No período em que esteve no Palácio da Liberdade, Aécio manteve ótimas relações com Lula e outras lideranças do PT, ocupando em 2016 o papel de um dos principais articuladores da queda de Dilma.
Agora, aos 58 anos, Aécio Neves da Cunha virou companhia indesejada. Renan Calheiros é um dos poucos a defendê-lo publicamente.
Após sua derrocada pública, muitos dos antigos colaboradores e amigos se distanciaram. Um deles foi o senador Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador de Minas que foi vice de Aécio e lançado por ele na política. Nas últimas eleições, quando foi derrotado no segundo turno para o governo mineiro, Anastasia chegou a ir à Justiça para não ter seu nome vinculado ao do antigo aliado. Procurado, o senador também não quis dar entrevista a respeito.
Outro que fez questão de se afastar foi o apresentador da TV Globo Luciano Huck, que apagou de seu Instagram todas as fotos ao lado do político.
Resistência interna
A resistência a Aécio é grande também no PSDB. Um dos velhos amigos na legenda, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) passou a cobrá-lo publicamente pelo seu comportamento. O mesmo fez Tasso Jereissati (PSDB-CE), outro senador que passou a criticar o mineiro publicamente. Há muito tempo Aécio deixou de falar com os dois.
Para muitos do PSDB, sobretudo na ala jovem, a eventual refundação da legenda está ligada à saída do político. Uma representação assinada no final do ano por um deputado federal do Acre cobra a sua expulsão. O pedido foi encaminhado a Geraldo Alckmin, atual presidente do PSDB, e deve ser submetido à comissão de ética da sigla.
Aécio busca ganhar tempo para uma sonhada reconciliação. Em Minas, o atual presidente do partido, Domingos Sávio, outrora um aliado, também se posicionou contra ele durante a eleição e hoje virou um adversário. Mas como seu mandato termina em maio, a transição poderia resultar em alguém mais simpático ao neto de Tancredo.
No plano nacional, um dos expoentes da queda de braço pelo comando do PSDB é João Doria, governador de São Paulo e com quem Aécio tenta uma recomposição, sem um desfecho previsível. O temor, porém, é que a eterna indefinição tucana provoque uma debandada no partido.
Aécio também já fez acenos ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). Numa ligação para parabenizar o ex-capitão pela vitória eleitoral, no ano passado, o mineiro citou a afinidade entre sua agenda econômica – apresentada em 2014 – e a do ministro Paulo Guedes. E se colocou à disposição para ajudar o novo governo no Congresso.
Procurado pela BBC News Brasil, Aécio não quis ser entrevistado. Sua assessoria afirma que o ele espera serenamente para provar sua inocência.
Uma das principais lições das “pauladas” recentes que levou, segundo um amigo do seu núcleo político que pediu para não ser nomeado, foi exatamente afastar-se de pessoas ilustres e celebridades – círculo que ele se deleitava por frequentar – que o abandonaram no momento de maior dificuldade.
Segundo esse aliado, a curta campanha que o levou de volta à Câmara dos Deputados foi exemplar. Naqueles meses, conta, ele se sentiu verdadeiramente abraçado e acolhido por centenas de vereadores e prefeitos do interior mineiro.
“Ele é articulado e conhece bem a Câmara, vai ser o lugar ideal para a sua volta”, afirmou Danilo de Castro.
Sua reputação, como disse Renan Calheiros, está “completamente arrebentada”. Mas o próprio senador alagoano, por experiência própria, alerta: “O fundo do poço de um político tem mola”.