Num movimento inédito, um grupo de advogados lançou um manifesto por eleição direta para a presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O pleito, em si, não é novo; a novidade está no apoio que o documento já reuniu: 139 presidentes de subseções da OAB-SP assinam o texto. O número representa mais da metade das 251 unidades no estado.
De acordo com Gustavo Ungaro, que comanda a OAB em Jundiaí (a cerca de 60 km da capital paulista), a ideia é somar mais adesões em São Paulo e começar a incluir subseções de outras regiões do país.
“O documento está aberto a quem mais queira participar. Não é uma pauta que surgiu hoje, mas a ideia ainda não se concretizou”, afirma Ungaro, autor do “Manifesto por Diretas Já na OAB federal”.
“Acreditamos que o momento chegou. Vivemos momentos recentes de tensão política e vimos como é importante reforçar a legitimidade das instituições”, afirma o advogado. “Dentro da OAB, isso passa por mais representatividade, mais participação, mais sentido democrático”, completa.
A iniciativa se alimenta de dois marcos: as cartas pela democracia lidas na Faculdade de Direito da USP em 11 de agosto de 2022, contra o golpismo do então presidente Jair Bolsonaro (PL); e os 40 anos das Diretas Já, no fim da ditadura militar.
Hoje, embora existam mais de 1,3 milhão de advogados em todo o país, apenas 81 decidem quem ocupará a presidência nacional da OAB: são os conselheiros federais, eleitos em seus respectivos estados (três por unidade da Federação).
Ao contrário do que ocorre no âmbito nacional, as eleições para as seccionais (nível estadual) e para as subseções (nível municipal), assim como para os conselheiros federais, se dão por voto direto.
Como as regras estão na lei 8.906/94, conhecida como Estatuto da Advocacia, qualquer mudança no sistema eleitoral da OAB precisa passar pelo Congresso Nacional.
Se depender do atual comando do Conselho Federal da OAB, não haverá mudança nenhuma. Em nota à Folha, a diretoria comparou o modelo da entidade com a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal.
“O modelo respeita os valores da Constituição Federal e tem as mesmas vantagens das demais instituições da República e da democracia, como assegurar o equilíbrio federativo e impedir a imposição de medidas por parte de um único estado”, afirma a nota do órgão presidido por Beto Simonetti.
Para Ungaro, a alteração deve ser vista como algo natural: “É regra básica da democracia as pessoas escolherem os seus representantes em todos os níveis. Os demais conselhos profissionais já escolhem diretamente o representante local, o estadual e o nacional”.
Membro da OAB desde 1998 e ex-presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade estudantil da Faculdade de Direito da USP, Ungaro considera que o debate possa ganhar tração nesta semana simbólica –os cursos jurídicos no Brasil foram fundados em 11 de agosto.
Seria, na visão dele, uma maneira de expandir e fortalecer um movimento que começou em novembro do ano passado, quando o colégio de presidentes de subseções da OAB-SP publicou a “Carta de Atibaia”.
O documento lista 20 demandas da advocacia, entre as quais estão o respeito à diversidade dentro das unidades da OAB e a eleição direta para a presidência nacional da entidade.
“Mas o manifesto decorre da própria posse de Patricia Vanzolini, quando a advocacia reunida maciçamente no Theatro Municipal aplaudiu de pé quando ela fez referência ao compromisso da OAB-SP com as eleições diretas para a OAB nacional”, afirma Ungaro.
A solenidade, em abril de 2022, marcou a posse da atual diretoria da OAB paulista, que tem em Vanzolini a primeira mulher eleita para a presidência. Em entrevista à Folha após sua vitória, ela defendeu a mudança no modelo de escolha da OAB.
“Essa estrutura da eleição indireta para o Conselho Federal é algo também profundamente antidemocrático. É um sistema que, além de não representar a advocacia, ele dá margem a uma série de acordos, negociatas e conchavos obscuros, porque enfim é preciso fazer alianças ali. E não se sabe muito bem em troca do quê e à custa do quê”, disse à época.
“A gente desaprova esse sistema, mas não depende da seccional de São Paulo acabar com isso. Mas nós vamos brigar pela eleição direta para o Conselho Federal”, afirmou Vanzolini.