Segundo artigo de Daniel Pereira, da Veja, governantes têm dificuldade em geral para reconhecer os próprios erros. Em seu terceiro mandato na Presidência, Lula honra essa regra como poucos. Até petistas gostam de ironizar a suposta fama de infalível do chefe. Eles dizem que, se algo dá errado no governo, a culpa é de algum ministro ou assessor. Jamais do mandatário. Se uma situação foge do controle, a responsabilidade tem que ser de adversários, sabotadores e até da mãe natureza.
Como mostra uma reportagem da revista, o governo não tinha plano de contingência, política de prevenção e orçamento para evitar e combater a devastação provocada pela seca e os incêndios no país. Na reunião com representantes dos Três Poderes, Lula até admitiu que “a gente não estava 100% preparado” para lidar com a situação, mas preferiu reforçar a suspeita de que há uma atuação coordenada de criminosos para desgastar a sua administração. Uma sabotagem de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, insinuou o petista.
Cortina de fumaça
O presidente é conhecido pelo hábito de tentar terceirizar responsabilidades. Além de apontar o dedo para bolsonaristas, auxiliares dele têm reclamado dos governadores, que teriam incorrido no pecado da omissão. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por exemplo, declarou que estados demoraram a proibir o uso controlado do fogo a fim de evitar a propagação de incêndios. A própria convocação de uma reunião com representantes dos Três Poderes foi uma forma de Lula tentar diluir os prejuízos de imagem.
Os danos são consideráveis. Segundo pesquisa do Ipec, a avaliação do governo continua estável, com 35% de “ótimo e bom” e 34% de “ruim e péssimo”. Uma análise setor por setor, no entanto, revela que a desaprovação registrou o maior salto justamente no quesito meio ambiente. O total de “ruim e péssimo”, que era de 33% em abril, passou para 44%, puxado principalmente pelos entrevistados das regiões Norte e Centro-Oeste, onde estão localizados a Amazônia e o Pantanal.
Diante do desgaste, o presidente anunciou a liberação de pouco mais de 500 milhões de reais para o combate às queimadas e medidas destinadas a simplificar a liberação de recursos do chamado Fundo Amazônia, que recebe doações internacionais
Fogo amigo
Na reunião dos Três Poderes, Marina elogiou o presidente, afirmando que ele recompôs o orçamento e uma série de atribuições da pasta, mas ressaltou com cuidado o que o governo ainda não fez. A ministra defendeu a implantação de um plano de prevenção e combate a eventos climáticos severos, que está parado na Casa Civil. Se adotado, poderia ter, segundo ela, o mesmo efeito do plano de combate ao desmatamento, que teria reduzido esse indicador pela metade entre 2022 e 2023.
Marina também mencionou a criação da Autoridade Climática, que funcionaria de forma autônoma e perseguiria objetivos específicos, como ocorre com o Banco Central. Na última campanha presidencial, Lula prometeu implantar a Autoridade Climática, mas a ideia foi abandonada porque nichos da burocracia não querem perder poder e também por enfrentar a resistência de setores do agronegócio influentes no Congresso. Agora, para apagar o incêndio, o presidente parece propenso a abraçar a ideia.