O Brasil, que nesta terça-feira (4) assume a presidência do Mercosul, pretende dar um “impulso” à agenda externa do bloco, além das negociações com a União Europeia (UE).
O governo recebe a presidência rotativa na 62ª Cúpula de Presidentes do Mercosul que será realizada na cidade de Puerto Iguazú, na Argentina, um dia após a reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC) do bloco, um encontro entre os ministros do Exterior e da Economia de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O mandato brasileiro na presidência do bloco vai até o fim de 2023.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) Lula viaja nesta segunda-feira para Puerto Iguazú. Ele deve levar para o encontro um apelo por maior integração regional, tendo como desafio dar prosseguimento às discussões sobre o acordo com a União Europeia (UE).
Uma resposta detalhada às novas demandas ambientais da UE não sairá da reunião, que desde que foram reveladas, em março, criaram uma nuvem de desconfiança mútua e lançaram dúvidas sobre a conclusão do acordo Mercosul-UE alcançado em 2019. “Estamos muito próximos de apresentar nossas avaliações aos parceiros do Mercosul”, disse Mauricio Carvalho, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty.
Críticas de Lula
Supõe-se que não haverá tempo suficiente para chegar a uma conclusão em Puerto Iguazú sobre a UE. Lula tem liderado críticas ao bloco europeu de 27 países por formular uma série de demandas ambientais adicionais relacionadas ao setor agrícola, principalmente pelo cumprimento de diversos compromissos do Acordo do Clima de Paris de 2015.
“Não é possível ter uma associação estratégica e ter uma carta adicional ameaçando um parceiro estratégico”, disse o presidente brasileiro durante um fórum em Paris dedicado ao financiamento do combate às mudanças climáticas. Na audiência estavam, entre outros, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chefe do governo alemão, Olaf Scholz.
Após mais de 20 anos de duras negociações, a UE e o Mercosul chegaram a um acordo de livre comércio em 2019, que permaneceu paralisado devido à resistência dos setores agrícolas de alguns países europeus.
A investida de Lula contra as novas demandas europeias parece abafar o otimismo da UE em relação à conclusão do pacto neste ano, manifestado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em sua passagem este mês pela América Latina, que incluiu Buenos Aires e Brasília.
O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, reconheceu na semana passada que o novo documento “não foi bem recebido” pelos países sul-americanos e afirmou que a Europa continua à espera de uma “resposta concreta” aos seus pedidos.
Por seu lado, Lula abriu outra frente, garantindo que o Brasil “não vai ceder” na proteção da indústria local no capítulo das compras governamentais. No entanto, seu governo persiste em manter as negociações. A maior economia latino-americana quer chegar a um “resultado bom, equilibrado e adequado para ambas as partes”, disse Carvalho.
Para Bruno Binetti, especialista em assuntos internacionais do Inter-American Dialogue em Washington, “o máximo” que pode sair da cúpula é “uma agenda específica perante a UE”, com “exigências”. “Mas não acho que estejamos nesse estágio”, disse à agência de notícias AFP.
Cenário complexo
O cenário é complexo já que, após duas décadas de árduas conversas, em 28 de junho de 2019, a UE e o Mercosul chegaram a um acordo político geral para selar um pacto de livre comércio, deixando pendente a resolução de alguns aspectos técnicos.
Mas essa discussão se complicou pelo surgimento de novas demandas em ambos os lados da mesa. Na UE, persiste as resistências entre os países com forte setor agrícola, liderados pela França, a abrir seus mercados aos competitivos produtos agropecuários sul-americanos.
A isto juntam-se às novas exigências da Europa em matéria ambiental, como a introdução de um instrumento sobre o desenvolvimento sustentável adicional ao acordo alcançado em 2019, que o Mercosul vê como a imposição de compromissos derivados do Acordo de Paris e que receia que se tornem, na prática, em uma barreira às suas exportações para a UE.
E do lado do Mercosul, por sua vez, o Brasil se nega a fazer concessões no capítulo das compras governamentais para proteger as pequenas e médias empresas do bloco.
Tensão por causa do Uruguai
O Mercosul, fundado em 1991, chega ao ápice em meio a um novo capítulo de tensões causadas pelas assimetrias entre os sócios. O Uruguai, a menor economia junto com o Paraguai, apresenta crescente desconforto dentro do bloco. O governo de centro-direita Luis Lacalle Pou busca um acordo de livre comércio com a China e pediu adesão ao Acordo Transpacífico sem o consentimento dos demais sócios.
O ministro uruguaio das Relações Exteriores, Francisco Bustillo, afirmou neste mês que é preciso “mudar a situação” do Uruguai no Mercosul, argumentando que “não há interesse do Brasil, da Argentina ou do Paraguai em terminar o aprofundamento e avançar no esquema de integração”.
Outro ponto de controvérsia entre os países do bloco é a Venezuela, cuja participação no Mercosul foi suspensa em 2017 devido à “ruptura da ordem democrática” por parte do governo de Nicolás Maduro. Agora, Brasil e Argentina são a favor da volta do país, porém, Paraguai e Uruguai ainda têm ressalvas.
A adesão da Bolívia no Mercosul também deve ocupar o Brasil. O protocolo de adesão do país foi assinado em 2015, mas ainda não entrou em vigor pois falta a ratificação do Congresso brasileiro, dominado por forças conservados.