As eleições serão digitais, monotemáticas sobre pandemia e com menos renovação. Nada a ver com candidatos antipolítica, protagonistas das campanhas de 2018, que não devem ter fôlego para sustentar a narrativa de que são diferentes “de tudo o que está aí”.
Pesquisador na George Washington University na área de políticas públicas, Maurício Moura faz essas e outras projeções para o pleito de 2020 conforme publicou o jornal Folha de SP.
O jornal diz que o economista é fundador da Ideia Big Data, empresa de pesquisas e estratégia digital que já prestou serviços para candidatos no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos.
Segundo ele, “acabou a era dos disparos massivos”. A prática, que está no centro de quatro ações que podem cassar a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), não terá espaço este ano, apesar das campanhas massivamente digitais a que provavelmente assistiremos.
Nas eleições de 2018, reportagens da Folha revelaram indícios de um esquema de impulsionamento de mensagens financiado por empresários bolsonaristas contra o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad.
“Eu sinto que as plataformas de rede social no mundo estão muito pressionadas a conter fake news, a conter conteúdo de ódio, a cortar perfis falsos, muito diferente de 2016, 2018”, afirma Moura.
As últimas eleições municipais foram marcadas por uma grande derrota do PT e pela ascensão de alguns outsiders como João Doria. Essa tendência tem fôlego para influenciar as eleições deste ano? O sentimento antipetista estava muito forte em função de todos os escândalos relacionados à Lava Jato. Isso prenunciou um fenômeno que teve seu ápice em 2018: o de votar em candidatos antipolítica, antissistema.
Mas os outsiders têm fôlego? O ápice dessa narrativa foi em 2018, quando o discurso dos outsiders era muito simplista, “eu sou simplesmente diferente de tudo o que está aí”. Aconteceu em nível global. Começou na Itália com o movimento Cinco Estrelas, passou pela Espanha com o Podemos e o Ciudadanos. O [presidente da França Emmanuel] Macron mesmo se vendeu como outsider, assim como o Trump.
Mas esses outsiders não costumam manter o mesmo fôlego em eleições posteriores. Todos esses que eu citei agora tiveram dificuldades nas urnas para manter o mesmo gás. Essa eleição não tem nada a ver com outsider como protagonista. É uma eleição de pandemia e digital.
O senhor fala que as eleições municipais são de temas muito locais. Zeladoria, buraco na rua, saúde. A pandemia muda essa característica? Ela muda no sentido de que tudo vai ser relacionado à pandemia. Como a pandemia vai afetar a volta às aulas da escola municipal, a quantidade de leitos, as condições dos médicos nos hospitais municipais, o transporte. Isso já aconteceu na eleição munipal da França.
A pandemia gerou rompimentos e apoios a Bolsonaro. Isso pode influenciar o voto dos eleitores? Um bolsonarista pode deixar de lado essas questões locais e fazer um voto mais ideológico a um prefeito que apoiou Bolsonaro, por exemplo? Eu acho que isso tem um efeito marginal, quase nulo. Se existe uma eleição com baixíssimo cunho ideológico é a eleição local. A não ser, claro, alguns embates do PSDB x PT na cidade de São Paulo, do PT contra o PMDB em Porto Alegre. Tirando algumas cidades grandes onde teve um embate ideológico histórico, a eleição municipal é sobre temas locais.
É muito provável que a gente veja uma eleição sem comício, sem aglomeração, sem giros dos candidatos pelas cidades. A nova direita, que tem força na internet, sai ganhando? É difícil generalizar assim. Eu acho que quem sai ganhando é quem, de alguma maneira, já se apresentou ao eleitor no campo digital. Vai ser muito difícil uma candidatura, seja de esquerda ou de direita, construir uma reputação, um conhecimento no campo digital durante a campanha.
Independentemente do segmento ideológico, se você já tem um grupo no âmbito digital que já te conhece, te segue, ouve as suas opiniões, você vai estar muito na frente nessa eleição, porque ela vai ser jogada muito mais no campo digital do que na rua.
A gente vai ver, então, um movimento diferente das eleições de 2018, quando teve muito renovação. Certamente. A pandemia potencializa o status quo. O grau de renovação deve ser muito menor.
O debate sobre fake news e uso de dados está na ordem do dia, e o senhor é presidente de um instituto de pesquisa e big data. Como as campanhas podem usar as redes sociais de forma ética? De três maneiras. Uma coisa é o uso dos dados individuais mais transparente. As campanhas que quiserem enviar mensagem direta precisam pedir autorização para a pessoa.
O segundo ponto é que acabou a era dos disparos massivos. A questão da privacidade está muito mais regulada, discutida, debatida e a opinião pública entende muito mais o valor disso. Vai ser muito difícil alguém receber uma mensagem do nada de um telefone desconhecido com cunho político sem se indignar.
E o terceiro ponto é do lado das plataformas. Eu sinto que as plataformas de rede social no mundo estão muito pressionadas a conter fake news, a conter conteúdo de ódio, a cortar perfis falsos, muito diferente de 2016, 2018.
Em algumas análises, as redes sociais são as vilãs do debate público, as responsáveis pela polarização, retroalimentando bolhas. Como os partidos podem fazer uma campanha sem aumentar a polarização? Na verdade, as campanhas majoritárias têm que sair da polarização para ganhar. Você não ganha uma campanha majoritária somente falando com a sua bolha. O que as campanhas têm que fazer é ter inteligência em informação para dialogar e atingir segmentos do eleitorado que estão fora da sua bolha. É possível e é saudável fazer isso, principalmente nos locais onde tem segundo turno. A minha visão é: quanto mais inteligência em segmentação, melhor a comunicação e menor a polarização.
As redes sociais são mais favoráveis para campanhas de vereadores, que podem focar em um nicho? Total. Como não vai ter coligação proporcional, provavelmente a gente vai ter um número maior de candidatos a vereador. Vai ser mais importante um candidato a vereador ou vereadora focar no seu próprio nicho. Ter um discurso, propostas que encaixem em um subgrupo mais específico.
O Bolsonaro já falou que não quer ser cabo eleitoral, mas sempre tem a possibilidade de ele mudar de ideia. Qual seria o peso do Bolsonaro como cabo eleitoral? Eu acho que o presidente Bolsonaro está no melhor cenário possível. Ele não precisa ser cabo eleitoral de ninguém. Se ele decidir ser, ele vai ser em algum contexto que lhe seja muito favorável.
Mas isso não diminui a base dele? O histórico dos presidentes é de se envolver nas eleições municipais. O Fernando Henrique, o Lula, a Dilma, o próprio Temer. Isso tem o ônus e tem o bônus. O bônus é você criar uma base nacional. No caso do Temer, por exemplo, ele tinha acabado de sair dos problemas da questão da JBS e o MDB tinha uma base de prefeitos muito grande. Mas é muito ruim para um presidente quando ele apoia determinado candidato que acaba derrotado. Ele emprestou capital político e saiu menor.
Se o Bolsonaro não quiser, não vai perder nenhuma eleição em 2020. Se ele tivesse partido, a associação era óbvia. “O partido do presidente saiu derrotado em São Paulo, saiu derrotado no Rio”. Isso não vai acontecer, é diferente de todos os presidente anteriores.
MAURÍCIO MOURA, 41 anos
- Economista pela USP
- Pesquisador na George Washington University em políticas públicas e análises eleitorais
- Fundador da Ideia Big Data, empresa que presta serviços de opinião pública