Após aprovar um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo, a Comissão da Família da Câmara dos Deputados pretende segundo Levy Teles, do Estadão, reforçar a empreitada em favor da agenda conservadora e se consolidar no Congresso como linha de frente do debate sobre a pauta de costumes.
Em busca de manter a visibilidade que obteve nas discussões sobre casamento de pessoas do mesmo sexo, o colegiado já tem na manga mais dois temas a explorar: a cruzada contra o aborto e contra o casamento entre mais de duas pessoas.
A atuação é uma resposta de deputados alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro a movimentos do Supremo Tribunal Federal (STF). O projeto contra o aborto deve ser pautado enquanto a Suprema Corte analisa a descriminalização do aborto em casos de gestação até 12 semanas.
A ministra Rosa Weber, do STF, abriu a votação antes de se aposentar, a favor de descriminalizar. O novo presidente, ministro Luís Roberto Barroso, diz não ter prazo para o tema voltar à pauta de julgamentos.
A proposta que deve ser votada pela comissão da Câmara visa estipular que a “personalidade civil” de um pessoa começa “desde a sua concepção”. Hoje, o Código Civil define que os direitos são reconhecidos pelo Estado a partir do “nascimento com vida”.
“Só se apaga a lâmpada que está acesa. Só é possível torturar e matar um ser vivo. Completamente descabido, além de inconstitucional, alegar que um bebê em formação não é uma pessoa humana”, justificou a deputada Clarissa Tércio (PP-PE), relatora da proposta no colegiado.
O texto, segundo parlamentares contrários e juristas, é uma forma de politizar o aborto e inviabilizar até as situações previstas em lei. Hoje, a legislação permite o procedimento em casos de fetos com má formação do cérebro, quando a gravidez coloca a vida da gestante em risco e em casos de estupro.
“O projeto derrubaria as hipóteses de aborto legal, pois daria uma personalidade ao que chamam de nascituro, sendo discutível a existência de vida ou não antes de 12 semanas de gestação”, argumentou o advogado Leandro Souto da Silva. “Isso poderia gerar um efeito cascata e uma modificação no Código Penal também, para excluir a questão do aborto legal.”
A comissão não quer parar por aí. O grupo também pretende proibir o chamado casamento poliafetivo, que acontece quando há a união de mais de duas pessoas. O autor do projeto de lei, Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), disse que reconhecer a poligamia no Brasil “é um atentado que fere de morte a família tradicional em total contradição com a nossa cultura e valores sociais”.
O relator, Filipe Martins (PL-TO), adicionou que o reconhecimento implicaria em mudar a cultura do País e afetaria a segurança jurídica. O texto aguarda o prazo de apresentação de emendas para poder ser pautado.
Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu os cartórios de registrarem uniões estáveis de mais de duas pessoas. Não há na legislação brasileira uma proibição. Em agosto, a Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a união estável de um “trisal” composto por duas mulheres e um homem juntos há 10 anos.
A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) foi criada em fevereiro deste ano, a partir de mudanças nas atribuições da antiga Comissão de Seguridade. O presidente do colegiado é o deputado Fernando Rodolfo (PL-PE).