Ligações o dia inteiro, operações no mercado financeiro e excelente relacionamento interpessoal: essa é boa parte da rotina de um assessor de investimentos, como João Pires, de 32 anos. Ele trabalha nesse ritmo desde 2019, quando decidiu deixar de ser gerente de banco para focar na função de assessor de investimentos. “Foi uma transição acertada. Consegui atingir uma carteira de sucesso, com boa receita, em menos de um ano.”
A rotina de Pires é dinâmica. Conversa com cerca de 15 clientes por dia, com ligações de 30 a 40 minutos. Ajuda assessores mais novos no mercado, revisa portfólios de assessorados e, na parte da tarde, costuma prospectar novos clientes, ou seja, busca mais pessoas que possam ser atendidas por ele, para aumentar o que chamam de “ticket da carteira”, que é o quanto se recebe no mês a mês.
Hoje a carteira de Pires tem 120 investidores, o que permite horários mais flexíveis e uma relação mais próxima com o cliente. Ele conta que foram as experiências nos trabalhos anteriores que ajudaram a criar esse portfólio consistente na nova profissão. Antes de ser gerente de bancos, ele foi coordenador da área de marketing em uma empresa da construção civil. “Um dos meus melhores clientes é daquela época.”
Como Pires, outros profissionais têm buscado instrução para se tornar um assessor de investimentos. Dados da Ancord, entidade responsável pela certificação obrigatória para exercer a profissão, mostram que, até junho deste ano, 19.531 pessoas estavam aprovadas, sendo que 15.650 já estavam vinculadas a alguma instituição financeira, ou seja, trabalhando em uma casa especializada, como é o caso de Pires.
Para se ter ideia, até junho de 2021, o número de certificados era de 14.920 e o de vinculados, 11.867. Ou seja, em 12 meses, mais de 4,5 mil pessoas conseguiram tirar a certificação. O aumento, de mais de 30% de “formados” de um ano para o outro, pode parecer muito, mas o mercado aquecido deixa essa conta um pouco mais complexa.
As empresas olham para o número de profissionais certificados, mas também para os que não estão vinculados a uma instituição financeira. Por exemplo, em junho deste ano, pouco mais de 3,8 mil estavam sem vínculo. A demanda para 2022, porém, já supera essa oferta.
Apenas na XP, por meio de escritórios parceiros, há previsão de contratação de cerca de 5 mil assessores de investimentos até dezembro. Outras casas também têm estimativas de novos vínculos, com demandas menores, mas também relevantes: Toro, com 100 vagas, e Órama, com 160 posições abertas até o fim deste ano.
A tônica do mercado tem sido exatamente essa: a oferta de novos assessores não acompanha o forte crescimento na demanda por esses profissionais. O presidente da Associação Brasileira de Agentes Autônomos de Investimentos (ABAAI), Diego Ramiro, explica que, quando a taxa básica de juros do País, a Selic, chegou a 2%, em agosto de 2020, durante a pandemia, as pessoas buscaram atendimentos especializados para que pudessem sair da renda fixa, já que os retornos estavam ficando cada vez menores.
Isso ajudou, segundo ele, a aumentar um mercado que já vinha aquecido. “A mão de obra para esse negócio ainda é muito escassa. A evolução da carreira está sendo muito rápida, mas não existe um exército de reserva”, afirma Ramiro.
Esse crescimento da carreira também pode ser visto por meio dos dados da Ancord. Em setembro de 2020, pouco mais de 11 mil pessoas estavam aptas a exercer a profissão. Um ano antes, em 2019, este número não atingia 9 mil pessoas. Em setembro de 2021, esse contingente saltou para pouco mais de 16 mil até chegar aos mais de 19 mil atuais.
Outro motivo para o aumento na demanda por novos profissionais foi o avanço significativo do número de CPFs, ou seja, pessoas físicas, investindo na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3. Dados da Bolsa mostram que em junho deste ano eram mais de 4,4 milhões de investidores pessoa física no mercado de renda variável. Antes da pandemia, até março de 2020, esse número não chegava a 2 milhões. Isso também abre uma possibilidade de novos clientes para assessores.
De acordo com a B3, a entrada de novos produtos nos últimos anos, além da listagem de empresas no mercado, aumentou as opções de investimentos, o que contribui para essa alta procura pelo universo da renda variável, mesmo com os aumentos recentes da Selic, que está em 13,25% ao ano.
Para suprir essa demanda de clientes por conhecimentos técnicos em investimentos, a educação continuada é essencial. A certificação da Ancord é apenas o primeiro passo. O sócio-fundador da Monte Bravo, Felipe Portela, ressalta que as certificações complementares são fundamentais, já que deixam o assessor mais qualificado tecnicamente.
Mesmo assim, isso ainda não é tudo. Algumas soft skills são essenciais para quem quer se tornar um assessor de investimentos, como as habilidades interpessoais. É preciso se relacionar muito bem com clientes, ter um discurso alinhado com as vendas e conseguir lidar com a pressão por resultados.
Feitos em casa
Como não há uma preparação específica para ser um assessor de investimentos, as corretoras estão cada vez mais tentando formar seus próprios profissionais. E há espaço para diversas profissões. “Eu sou advogado. Tem médico, engenheiro e pessoas de outras áreas. Médico, inclusive, costuma se dar bem, porque conhece pessoas. O bolso é o órgão mais sensível do corpo humano”, diz Portela.
A XP tem uma seção no site – “seja um assessor” – em que explica como funciona a dinâmica para que a pessoa se torne um profissional do setor. Por lá, o candidato preenche dados para que o perfil seja analisado. Se for aprovado, a instituição financeira vai tornar disponível, por exemplo, cursos preparatórios para a Ancord. E, com a aprovação pela Ancord, a XP promete suporte para encontrar um escritório adequado ao perfil do assessor. “As pessoas estão passando a ter mais segurança na profissão”, explica o sócio e chefe de assessoria e relacionamento com clientes da XP Inc, Bruno Ballista.
A Acqua Vero, vinculada ao BTG Pactual, está montando um trainee, com 10 vagas, para treinar os candidatos para a função. “A gente percebeu que, além da dificuldade em ter profissionais para a área, não há tantos lugares para preparação deles”, explica o sócio da Acqua Vero Investimentos Arthur Spirandelli.
Sem teto de remuneração
O retorno financeiro é um dos grandes atrativos da carreira de assessoria de investimentos. Não existe um teto para a remuneração dos profissionais. Isso quer dizer que, quanto maior a carteira de clientes, maior tende a ser o retorno mensal. Mas uma boa carteira não acontece da noite para o dia. É algo trabalhoso e demorado. Portela, da Monte Bravo, explica que o assessor que pensa em ter retorno muito rápido está sendo atraído para um “voo de galinha”. Mesmo que ele consiga muito dinheiro rapidamente, será um processo desgastante e cansativo, não é algo fácil e psicologicamente pode ser bem pesado. “Tem de gostar da dinâmica. Se não, não dura.”
Spirandelli, da Acqua Vero, vai na mesma linha. Se houver muito trabalho e dedicação, a remuneração pode atingir níveis altos. Mas, no início, é como qualquer profissão: no início, pode até ganhar menos do que costumava receber.
Em meio a tudo isso é necessário um planejamento. Caso um mês seja muito bom nos retornos, o ideal é se programar para os próximos, para não ter surpresas negativas na organização pessoal.
E, sobre a remuneração, pode variar dependendo da casa em que o assessor está vinculado. Mas há alguns pontos que costumam ser mais comuns. Geralmente, o dinheiro vem de acordo com o volume da carteira do assessor, ou seja, o quanto tem sob sua responsabilidade. Parte do que é operacionalizado entra como comissão para o profissional. Seja um fundo de investimento, ações ou outros produtos.
Vale ressaltar que o assessor não pode atuar sozinho pelo cliente. Cada operação que ele realiza precisa de uma autorização por parte do assessorado, seja via telefone, e-mail ou até mesmo aplicativo de celular.