Pensar que você é ruim no trabalho é péssimo. E o pior é que deixa você sujeito ao burnout profissional.
“As pessoas parecem achar que estou trabalhando bem, mas, na verdade, não sinto que seja verdade”, afirma Fiona, gerente sênior na casa dos 40 anos de idade, que trabalha na indústria da construção no Reino Unido. “Você sempre acha que poderia fazer melhor e que as pessoas devem estar duvidando de você.”
Fiona (nome fictício para proteger sua reputação profissional) passou sua carreira lutando contra a síndrome do impostor — o medo de que ela, na verdade, não mereça seu sucesso.
“Apesar de eu ter conquistado o cargo que ocupo, ainda não acredito em mim mesma. Parece que outras pessoas acreditam, mas simplesmente não acho que esteja certo”, ela conta.
Ligação traiçoeira
A síndrome do impostor, também chamada de fenômeno do impostor, manifesta-se de várias formas em diferentes pessoas, mas normalmente deixa alguém com a crença inabalável de que é uma fraude intelectual, apesar de todas as evidências em contrário.
Pessoas com a síndrome do impostor acreditam que precisam trabalhar e produzir mais nos seus projetos para evitar que sejam descobertas. Elas podem atingir grandes resultados, mas poderão recusar desafios para evitar que fracassem em público. Elas atribuem o sucesso à sorte ou ao trabalho árduo, não à sua capacidade, e temem que isso só as levará a receber outras chances de tropeçar.
Estudos indicam que até 70% das pessoas sofreram a síndrome do impostor no trabalho em algum momento da vida. Embora algumas pesquisas indiquem que a síndrome pode, às vezes, motivar as pessoas a atingir resultados, existem também amplas evidências de que o estresse gerado pode causar grande esgotamento, a ponto de criar pressões intensas sobre a saúde mental.
Um estudo de 2016 demonstrou, por exemplo, que estudantes de medicina norte-americanos que se sentem impostores também apresentaram propensão a demonstrar “maiores níveis de exaustão [física], exaustão emocional, cinismo e despersonalização” — sintomas muito similares à definição de burnout pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
E uma pesquisa internacional recente com 10 mil trabalhadores do conhecimento — aqueles que usam principalmente seus conhecimentos, informações e inteligência para desenvolver seus trabalhos — realizada pela plataforma de administração do trabalho norte-americana Asana concluiu que 42% deles acreditavam ter sofrido síndrome do impostor e burnout ao mesmo tempo.
“Quando você observa um indivíduo que sofre da síndrome do impostor, ele é mais propenso a sofrer burnout. E as pessoas que enfrentam burnout são mais propensas a sofrer a síndrome do impostor”, segundo Sahar Yousef, neurocientista cognitiva que pesquisa a produtividade no local de trabalho na Faculdade de Administração Haas da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, que colaborou com a pesquisa da Asana.
Yousef afirma que é importante observar que a pesquisa foi realizada com pessoas que fizeram sua própria avaliação de burnout, uma síndrome clínica séria cuja recuperação pode levar meses. Mas, embora algumas pessoas possam ser rápidas demais para rotular-se com burnout (em vez de muito cansadas e estressadas), ficou claro que muitas se identificaram com as duas síndromes ao mesmo tempo.
Não está totalmente claro, cientificamente falando, que as duas síndromes estejam cada vez mais se sobrepondo, segundo Yousef, mas um fator fundamental é que a síndrome do impostor manifesta-se de forma similar à terceira dimensão do burnout, definida pela OMS: “sentimento de ineficácia profissional”.
Como Fiona está descobrindo, quando alguém está sofrendo burnout, “parece que, não importa o que você faça, nada é suficiente. Você é a pessoa mais ineficaz da equipe”, afirma Yousef. Ela acrescenta que isso é claramente similar à definição da síndrome do impostor.
As tendências perfeccionistas de alguém com síndrome do impostor podem significar que todas as interações são marcadas por intenso estresse. O burnout pode instalar-se depois de “centenas, talvez milhares de ciclos de tensão sem fim”, em que o indivíduo nunca teve a chance de recuperar-se mentalmente dos momentos de pressão.
Clare Josa, fundadora de uma consultoria sobre a síndrome do impostor e autora do livro Ditching Imposter Syndrome (“Livrando-se da síndrome do impostor”, em tradução livre), observa uma ligação clara entre a síndrome do impostor e o burnout, que ela atribui “ao mecanismo de luta, fuga ou congelamento do corpo que fica bloqueado”.
Seu estudo recente com 2 mil trabalhadores dos EUA e do Reino Unido levou um ano para ser concluído e revelou que 62% das pessoas enfrentavam a sensação de serem impostores diariamente, enquanto 18% descreveram-se como estando “de joelhos” frente ao estresse.
Com base nas suas respostas a uma série de questões de avaliação, 34% dos participantes foram considerados em alto risco de burnout iminente. Ela concluiu que a síndrome do impostor “é um dos fatores mais importantes para prever o possível risco de sofrer burnout”.
Josa acredita que a correlação vem, em grande parte, da tática desenvolvida pelas pessoas para compensar ou mascarar a síndrome do impostor, como assumir trabalhos que não têm tempo para realizar, a fim de ganhar aprovação, ou evitar promoções por temerem a exposição. Como afirmou um participante da pesquisa: “sinto que sou o centro das atenções, que todos irão ver se eu cometer um erro. Por isso, faço o melhor que posso para que isso não aconteça.”
Uma pessoa que está tão “ligada em busca de ameaças” rapidamente verá essa situação afetar seu bem-estar, empurrando-a para o burnout, segundo Josa.
Prevenção é fundamental
Anne Raimondi, diretora de operações e de negócios da Asana, afirma que, segundo sua pesquisa, os trabalhadores da geração Z têm, neste momento, a maior propensão a afirmar que estão enfrentando a síndrome do impostor e o burnout ao mesmo tempo. Ela atribui isso aos desafios inéditos enfrentados pelos jovens que estão iniciando suas carreiras durante a pandemia.
Impossibilitados de observar seus colegas pessoalmente e de ajustar-se à dinâmica do local de trabalho, sem fronteiras claras entre o trabalho e a vida pessoal e sem os “momentos de feedback e reafirmação” que são fundamentais para estabelecer a confiança profissional, Raimondi afirma que é fácil observar funcionários júnior começando a sentir que não pertencem ao seu trabalho e ficando sobrecarregados.
Josa afirma que, embora os trabalhadores mais jovens possam expressar mais suas dificuldades, as gerações mais velhas também estão sofrendo. Um dos maiores gatilhos que ela identificou para a síndrome do impostor é a menopausa nas mulheres ou a promoção para posições sênior, entre os homens. E Josa acrescenta que as mães que trabalham são um grupo de alto risco para a síndrome do impostor e para o burnout.
Existem também muitas pesquisas que indicam que pessoas que pertencem a minorias podem ser afetadas de forma mais aguda. Kelly Cawcutt, do Centro Médico da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, afirma que a síndrome do impostor vem sendo observada há muito tempo como um fator para a alta incidência de burnout entre trabalhadores da área médica.
Sua pesquisa indica que “preconceitos enraizados e falta de diversidade” na profissão podem significar que grupos sub-representados e minorias étnicas são particularmente afetados. Como exemplo, sabe-se que médicos negros enfrentam maior risco de burnout, em parte devido ao estresse da discriminação.
Cawcutt afirma que “se nos dizem que não somos suficientemente bons, suficientemente inteligentes ou que não pertencemos – ou se somos levados a nos sentir dessa forma com microagressões —, esses preconceitos extrínsecos podem ser internalizados”, alimentando a síndrome do impostor e, em prazo mais longo, o burnout.
“Embora existam agora muitos esforços para combater esses preconceitos, eles ainda permanecem”, afirma Cawcutt, criando o que a sua pesquisa chama de “ciclo negativo substancial” para o indivíduo. Segundo ela, isso demonstra a importância de tratar a síndrome do impostor e o burnout — e também os preconceitos enraizados — não como questões isoladas, mas como fenômenos relacionados que precisam ser enfrentados em conjunto, se quisermos resolvê-los.
Josa afirma que, com relação ao indivíduo, o ponto de partida é combater a síndrome do impostor redefinindo a reação do cérebro ao estresse, “para que você não sofra aquele disparo inconsciente da reação de lutar, fugir e congelar”.
Mas, para evitar que a síndrome do impostor acabe disparando o burnout, ela afirma que as empresas precisam fazer mais para enfrentar culturas em que “tudo virou emergência” e as pessoas se sentem compelidas a ter desempenho superior, rangendo os dentes com as adversidades, em vez de serem honestas sobre o seu bem-estar.
Yousef e Raimondi concordam que é fundamental incentivar os trabalhadores a estabelecer fronteiras cognitivas em torno do seu trabalho, para que eles tenham tempo de se recuperar mentalmente após períodos de tensão, rompendo esses ciclos de estresse. Os trabalhadores mais jovens, segundo Yousef, precisam de ajuda para se relacionarem com os mentores no trabalho e poderem aprender como se encaixar, eliminando já no princípio o sentimento de que seriam impostores.
“Aqui, a prevenção deve ser fundamental”, afirma ela. “Eu simplesmente adoraria que nossos filhos fossem educados já no ensino médio sobre o que acontece quando você trabalha demais.”
Mas, para pessoas como Fiona, a solução do problema é mais difícil do que parece. Ela foi aconselhada pelo médico a se afastar do trabalho, mas receia que, com isso, ela decepcione sua equipe ou simplesmente prove a si mesma e aos demais que “fui promovida além da minha capacidade”.
Em vez disso, ela continua lutando diariamente para “atravessar o atoleiro do trabalho”, invejando as pessoas que parecem estar lidando bem com a situação. “Não seria uma boa sensação saber que você não vai se abalar tendo que sair para trabalhar todos os dias?”