A reforma tributária em discussão no Congresso Nacional está sendo aperfeiçoada em diversos pontos nessa fase de tramitação, dentre os quais não pode ser esquecida a saúde dos animais de estimação. O risco, nesse ponto, é que uma forte elevação da carga tributária sobre os planos de saúde pet poderia levar a prejuízos nos cuidados com o bem-estar animal e, para agravar, a uma queda da arrecadação tributária no setor.
A reforma propõe a substituição de cinco tributos, ICMS, ISS, IPI, e PIS e Cofins, por três tributos nacionais, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS). A CBS e o IBS serão do tipo sobre o valor agregado, gerando créditos amplamente utilizados pelas empresas que os recolherem. Porém, as pequenas e médias empresas tenderão a permanecer no Simples Nacional (SN), que é cumulativo e possui uma alíquota combinada total substancialmente menor do que a que se anuncia para a CBS/IBS (26,5%).
Atualmente, as empresas que operam no regime não cumulativo para PIS e Cofins são debitadas pela aplicação da alíquota não cumulativa sobre suas receitas brutas e se creditam pela mesma alíquota sobre o valor dos bens e serviços adquiridos passíveis de creditamento, independentemente de o fornecedor operar no regime não cumulativo ou no SN. Com a reforma, as empresas que adquirirem bens e serviços de empresas no SN só poderão se creditar da CBS/IBS conforme a alíquota efetivamente aplicada pelas empresas desse regime, resultante da opção que poderão fazer.
Setores cujas receitas são predominantemente realizadas com consumidores finais, como o setor de serviços veterinários para os pets (SVet), tenderão ao SN, pois a migração para o regime ordinário faria a carga tributária sobre sua receita ser quase o dobro da atual, considerando as cargas do ISS, PIS e Cofins no SN.
Os planos de saúde para animais de estimação (PSPet) operam basicamente no regime não cumulativo (PIS/Cofins) e, por seu intermédio, aproximam (ou conectam) os serviços veterinários e os clientes finais. São o elo essencial para o bom funcionamento do sistema, pois dão segurança financeira para as famílias criarem seus pets, absorvendo, em circunstâncias importantes, gastos elevados com o atendimento ou evitando o não atendimento e o abandono animal. Os serviços de PSPet viabilizam mais clientes para a rede credenciada de clínicas e hospitais veterinários, os tornando acessíveis às famílias de menor renda, incrementando os investimentos e melhorias no setor.
A proposta em discussão no Congresso indica a alíquota padrão para o PSPet, o que causaria um imenso choque tributário, sobretudo se sabendo que a maioria de seus fornecedores (SVet) permanecerão no SN. Como consequência, os créditos tributários utilizáveis pelo PSPet serão muito menores dos que hoje são apurados no PIS/COFINS. O salto do desembolso com os tributos para PSPet, de 11,25% para até 45,76% da receita líquida das despesas veterinárias, será de cerca de 300%!!!
Esse aumento de carga em um setor cuja demanda é altamente elástica certamente resultará na redução das coberturas dos planos de saúde para os pets, com consequente redução da demanda de SVet e, por conta disso, perda de arrecadação tributária nos dois setores, ao contrário da neutralidade esperada da reforma. Outras consequências, bem tristes: aumentos do abandono dos animais de estimação, maior incidência de zoonoses e pressão social sobre administrações municipais para lidar com tais consequências.
A literatura médica já demonstrou a importância dos pets para a saúde humana e muitos países isentam os SVet de impostos. A maneira racional de evitar aqueles efeitos danosos é, no mínimo, manter a carga tributária atual do setor PSPet. Dentro das faixas de redução da alíquota padrão da CBS/IBS (30% ou 60%, conforme o PLP 68/24), apenas a redução de 60%, a mesma aplicada para os planos de saúde e para as atividades desportivas (respectivamente, arts. 117, XIII e 220 do PLP), gera uma carga tributária mais próxima da atual, embora ainda superior em 20%.
É fundamental que o setor PSPet seja tratado de forma equitativa na reforma tributária, com uma redução de 60% da alíquota da CBS/IBS. Essa medida não apenas manterá a competitividade do setor, mas também garantirá a continuidade dos serviços essenciais para a saúde e bem-estar dos animais de estimação e suas famílias. Além disso, ajudará a evitar impactos negativos na arrecadação tributária e na saúde pública, promovendo um ambiente econômico mais justo e sustentável para todos.
Jorge Rachid, consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal do Brasil – RFB (2003-2008 e 2015-2018)
Ronaldo Medina, advogado, economista e Auditor-Fiscal da RFB aposentado (1994 a 2023)
Virgílio Guimarães, economista, ex-deputado federal constituinte, Relator da PEC 41/2003 (Super Simples), consultor em finanças e tributação