Pressão sobre o ‘lavajatismo’ acontece em momento de mudanças na estrutura do Ministério Público e de julgamentos sobre a operação no Supremo Tribunal Federal
Nos últimos dias, a operação Lava Jato tem sofrido críticas vindas todos os lados, inclusive de atores políticos que são adversários entre si.
Subiram o tom desde políticos de esquerda e advogados de réus da operação até aliados do presidente da República, Jair Bolsonaro, passando pelo próprio chefe do Ministério Público Federal (MPF), o procurador-geral da República, Augusto Aras.
A ofensiva também acontece, segundo a BBC, enquanto o MPF começa a discutir mudanças profundas em sua organização, com a possível criação da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac).
Internamente, o momento é de fragilidade de Augusto Aras: na próxima segunda-feira (10), toma posse a nova composição do Conselho Superior do Ministério Público (CNMP), no qual o PGR deixará de ter maioria.
A saraivada de críticas coincide ainda com julgamentos que afetam a Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na terça-feira (4), a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), foi ao Twitter para comemorar decisões tomadas pela Corte.
“O STF acaba de reconhecer, em julgamento de HC da defesa de Lula, q Sergio Moro atuou politicamente em 2018 ao vazar ilegalmente delação de Palocci às vésperas da eleição. É oficial: Moro atuou para eleger Bolsonaro”, afirmou.
No dia seguinte, quem partiu para o ataque contra a operação foi o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Em entrevista ao jornal O Globo, Flávio defendeu Aras nos embates com a Lava Jato, e disse que alguns dos investigadores têm “interesse político ou financeiro”.
“(Augusto) Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos. Embora não ache que a Lava Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se tivesse desmonte das investigações no Brasil, não íamos estar presenciando essa quantidade toda de operações”, disse Flávio.
Filho do presidente, o senador é alvo de investigações do MPF por conta de um suposto esquema de “rachadinhas” no seu antigo gabinete parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Flávio também aproveitou a entrevista para cutucar o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-juiz responsável pela Lava Jato no Paraná, Sergio Moro.
Segundo o filho do presidente, Moro deixou o governo porque “percebeu que não havia um alinhamento ideológico, no tocante às armas (ampliação do acesso a armas), por exemplo”. Sem apresentar dados, disse ainda que a “produção” do Ministério da Justiça e Segurança Pública cresceu após a saída de Moro.
“Há de passar”
A nova fase das altercações de Augusto Aras com a Lava Jato começou na semana passada, quando o procurador-geral da República participou de uma transmissão ao vivo promovida pelo grupo de advogados Prerrogativas – do qual fazem parte profissionais do direito conhecidos por criticar a operação.
Aras diz aos advogados que é preciso “corrigir rumos” no MPF, de modo que o “lavajatismo” deixe de existir. “Lavajatismo há de passar”, disse o PGR.
“A correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção. Contrariamente a isso, o que nós temos aqui na casa é o pensamento de buscar fortalecer a investigação científica e, acima de tudo, visando respeitar direitos e garantias fundamentais”, disse Aras.
Segundo Aras, sua gestão trabalha para acabar com o Ministério Público “punitivista”.
“Saímos da ideia de um Ministério Público que teria que, tal qual um caçador que fica à margem de uma lagoa, esperando a sua presa na madrugada para atirar… Porque a sua natureza seria derrubar a presa”.
Participavam da live com Aras advogados de réus da Lava Jato, como o criminalista Alberto Zacharias Toron, e juristas críticos à operação, como o professor Lenio Streck.
O PGR também acusou a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba de manter “50 mil documentos invisíveis”; de ter acumulado um acervo de dados várias vezes maior que todo o sistema do MPF; e de ter reunido os dados de 38 mil pessoas.
Em resposta a Aras, a força-tarefa de Curitiba disse em nota que estas 38 mil pessoas foram apenas mencionadas em relatórios de inteligência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) — e não “escolhidas para serem investigadas”.
Depois de receber críticas por conta das declarações, Aras também publicou nota. O procurador-geral disse ter apenas prestado “informações genéricas” sobre fatos que já estão sendo investigados em apuração sigilosa na Corregedoria-Geral da instituição.
A operação também vem sofrendo reveses em outras frentes, que preocupam os procuradores.
No fim da semana passada, a mesma corregedoria abriu uma sindicância para averiguar possíveis irregularidades na distribuição dos processos entre os procuradores da força-tarefa da operação em São Paulo.
Até recentemente, os casos eram mandados diretamente para a Lava Jato paulista, sem passar pela chefia do MPF em São Paulo.
Além disso, o mandato da força-tarefa da Lava Jato no Paraná precisará ser renovado em setembro – e, segundo a colunista Monica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo, Aras estuda “dividir” a Lava Jato paranaense entre quatro procuradores.
O objetivo seria reduzir o protagonismo do atual coordenador da investigação, Deltan Dallagnol. Segundo a colunista, o mesmo modelo poderia ser adotado com os grupos da Lava Jato em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em outra frente, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou nesta quarta-feira uma proposta de acordo de coordenação técnica — que dá à Controladoria-Geral da União (CGU) e à Advocacia-Geral da União (AGU) a prerrogativa de conduzir a celebração de acordos de leniência, sem a participação MPF.
Neste caso, os procuradores seriam chamados a atuar nos aspectos penais dos casos, apenas. O acordo de leniência é uma espécie de “delação premiada” de empresas.
Em pauta no STF
Nos próximos meses, a Lava Jato passará por testes também no STF.
Os ministros da Corte decidirão em breve sobre o compartilhamento de dados das forças-tarefas com a PGR — o julgamento é visto como uma das principais quedas de braço entre Augusto Aras e os investigadores da operação.
No começo de julho deste ano, o presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu que forma provisória (liminar) que as as forças-tarefa da Lava Jato em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Paraná concedessem acesso à PGR aos seus acervos de informações.
Ao STF, Aras reclamou que estava sofrendo “resistência ao compartilhamento” e à “supervisão de informações” por parte dos procuradores da República.
Na decisão, Aras determinou que os grupos entregassem “todas as bases de dados estruturados e não-estruturados” usados nas investigações.
A decisão de Toffoli, no entanto, não permaneceu: no começo desta semana, o ministro Luiz Edson Fachin revogou a decisão de Toffoli. Fachin é o relator da maioria dos casos da Lava Jato no STF, inclusive da reclamação de Aras. Agora, o caso precisará ser julgado pelo plenário do STF.
Mais adiante, os ministros do STF poderão julgar um pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os advogados do petista pedem ao Supremo que determine a suspeição do ex-juiz Moro para julgá-lo nos casos da operação.
Como titular da 13ª Vara da Justiça Federal, Moro foi o responsável pelas decisões de primeira instância nos principais casos envolvendo o petista.