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domingo 23 de julho de 2023 às 07:00h

‘A Janja tem mesmo que se meter em tudo’, diz o médico Roberto Kalil Filho

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Segundo a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, toda quinta-feira, entre nove e onze da manhã, a banda Incordes ensaia no último andar do Instituto do Coração, em São Paulo. O grupo é formado por médicos e funcionários do InCor, e tem por líder um dos nomes mais conhecidos da medicina brasileira: o clínico-geral e cardiologista Roberto Kalil Filho, 64, presidente do conselho diretor da instituição, diretor do centro de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês e, agora, também saxofonista.

À exceção de Jair Bolsonaro (PL), Kalil teve como pacientes todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização. Na campanha eleitoral de 2010, passou por uma situação inusitada: tanto Dilma Rousseff (PT) quanto José Serra (PSDB), que disputaram o segundo turno daquele pleito, se tratavam com ele.

Outro de seus pacientes famosos é Gilberto Gil, que até dedicou uma música ao médico: “Kalil”, faixa do mais recente álbum de estúdio do artista baiano, “OK OK OK”, lançado em 2018. Mas não foi exatamente uma homenagem espontânea.

“O Gil escreveu uma canção chamada ‘Quatro Pedacinhos’ inspirado por uma assistente minha, a doutora Roberta Saretta, que acompanhou uma biópsia no coração dele”, conta Kalil. “Quando eu fiquei sabendo, falei: ‘Pô, a Roberta, essa novatinha, cuida de você faz só seis meses, e eu, há uns 30 anos. Também quero a minha música!’. E aí, o Gil fez.”

O mais curioso é que, apesar de tocar numa banda e ter aulas de sax e contrabaixo, Kalil admite que nunca se interessou por música. “Eu ia aos shows do Gil e ficava conversando com a Flora [Gil, mulher do cantor e compositor] no camarim. Mas aí, sete anos atrás, me sugeriram ter um hobby, e eu comprei um saxofone.”

Foi nessa época que Kalil oficializou sua união com a endocrinologista Claudia Cozer, com quem já vivia havia muitos anos. “Eu fiz uma surpresa para ela na festa de casamento. No meio do show do Tiago Abravanel, subi no palco, peguei um sax e comecei a tocar. Foi o maior sucesso”, relembra.

“Uns dez dias depois, a Claudia me pediu: ‘Toca um pouquinho aí’. Mas eu ainda não sabia tocar nada. No show, só fingi que tocava, enquanto rolava um playback atrás. Fui desmascarado! Eu tenho aulas desde então, mas ainda sou bem pangaré”, revela o médico.

De fato, Kalil está num nível abaixo de seus colegas de banda, cujo ensaio a coluna acompanhou. Mas ele defende que a Incordes, que existe desde 2018, ajuda a criar um clima mais descontraído no Incor, com apresentações regulares em eventos do hospital. A gravação de algumas músicas em estúdio está prevista para breve.

Esta não é a única atividade extracurricular de Roberto Kalil. Além de apresentar o programa CNN Sinais Vitais na CNN Brasil, onde dá dicas de cuidados com a saúde, o médico também é famoso por se fantasiar de Batman para visitar crianças hospitalizadas. “Na verdade, eu sou o Bruce Wayne”, ri ele.

O cardiologista se recorda do dia em que resolveu pregar uma peça em Claudia. Os dois estavam na casa que têm em um condomínio fechado, no interior de São Paulo. Kalil vestiu a fantasia de Batman e entrou pela janela do quarto. Mas a missão foi um fracasso: sua mulher o reconheceu logo de cara. E não viu muita graça na brincadeira.

O médico Roberto Kalil Filho fantasiado de Batman
O médico Roberto Kalil Filho fantasiado de Batman – Arquivo pessoal

Logo depois, porém, o barulho: diversas viaturas, com as sirenes ligadas, cercaram o local. Como o condomínio tem câmeras de vigilância, os vizinhos pensaram que se tratava de um ladrão e acionaram a segurança.

Kalil, já de pijama, foi ao encontro deles e disse que estava tudo bem. Mas os homens, fortemente armados, insistiam em fazer uma vistoria completa em cada canto do local. Claudia deu o ultimato ao marido: “Ou você vai lá e os convence a ir embora, ou conto para eles a palhaçada que você fez”. O médico insistiu, e os agentes partiram.

Roberto Kalil foi internado com Covid-19 em 2020, no início da pandemia, quando não havia ainda vacinas e se sabia muito pouco sobre a doença. Passou dez dias no semi-intensivo, mas não chegou a ser intubado. E, sim, tomou cloroquina. “Era um remédio muito discutido naquela época. Mas logo ficou provado que era ineficaz contra a Covid-19. Eu me baseio em protocolos científicos, eu sou da ciência.”

Também é uma pessoa profundamente religiosa, diz Mônica Bergamo, e não vê contradição nisto. “Sou católico e acredito em outra vida, em outra dimensão. Sou um curioso espiritual. Já visitei terreiros de candomblé.” Além disso, é um aficionado da astrologia. “Acho fundamental me consultar com a minha astróloga de vez em quando”, admite.

Em 2012, um perfil de Roberto Kalil publicado pela revista Piauí dizia que ele era ríspido com suas assistentes. “Eu sou, de fato, rigoroso porque cuidar de vidas é algo muito sério. Ao mesmo tempo, sou imensamente grato a essa equipe que me acompanha há anos. Elas são meu suporte diário”, reconhece ele.

Há quem o critique por se expor demais. “Mas eu não me exponho”, argumenta Kalil. “Eu sou exposto.” Também rebate qualquer ambição política. “Não tenho a menor vontade de ser ministro, deputado, nada disso. Mas o meu cargo de diretor de um hospital público já tem uma carga política, porque eu preciso ter boas relações com o governador, com os parlamentares.”

A ligação com o mundo da política vem de longe. Seu avô foi prefeito de Presidente Prudente, no interior do estado de São Paulo. João Baptista Figueiredo, o último presidente da ditadura militar (1964-1985), era presença constante na casa de seus pais. O ex-governador Paulo Maluf foi um dos padrinhos de seu primeiro casamento.

“Eu adoro política. A vida me trouxe alguns pacientes que também são políticos, e eu fico acompanhando pelos bastidores. Dou palpite em tudo. Se for na área da saúde, então, aí que eu me meto mesmo.”

Ainda assim, prefere não opinar sobre as ambições do centrão de abocanhar o Ministério da Saúde e substituir a atual titular da pasta, Nísia Trindade, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz. “Não tenho competência para falar sobre isso.”

Jair Bolsonaro jamais foi seu paciente, mas Roberto Kalil mantém boas relações com dois dos ex-ministros do ex-presidente. “Conversava bastante com o [Luiz Henrique] Mandetta. E o Marcelo Queiroga é um amigo de décadas. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, e o InCor é um pouco a casa dele.”

Como avalia a saúde pública neste momento? “O SUS é o maior sistema de saúde pública do mundo e, muitas vezes, funciona muito bem. É um sistema excelente, mas que já nasceu subfinanciado —e, nas últimas décadas, este subfinanciamento só aumentou. Quando o SUS foi criado, nossa população era mais jovem, e a medicina era de mais baixa tecnologia que a atual. Hoje, nós temos uma população mais envelhecida e uma medicina de alta tecnologia, bem mais cara. Por isso, o SUS precisa de mais recursos, precisa ser fortalecido. O grande problema é que o Brasil nunca teve uma política de saúde.”

“Você pega aí, nos últimos dez anos, quantos ministros da Saúde nós tivemos? O ministro fica dez meses, aí vem outro, e isto está errado. Desse jeito não dá para criar uma política de saúde permanente, que seja independente do governo.”

“Agora, na pandemia, o SUS mostrou a que veio. Salvou milhares e milhares de vidas. Nos lugares do Brasil onde o SUS está melhor aparelhado, a mortalidade foi menor.”

Kalil também é a favor do programa Mais Médicos, que recentemente foi relançado pelo governo Lula. “O médico pode vir da lua, de Marte, de Plutão, não tem problema. Mas ele, obviamente, tem que ser reavaliado aqui. Se você perguntar para as populações carentes se elas querem hospitais gigantes, vai ouvir que não. Elas preferem simplesmente ter acesso a um médico. Alguém que esteja sempre por ali, na comunidade.”

“As doenças cardiovasculares são as que matam mais gente no mundo, ainda mais do que o câncer. Só o acidente vascular cerebral, o chamado derrame, mata cerca de 20 milhões de pessoas todos os anos. No Brasil, morre alguém de infarto a cada dez minutos”, diz.

“A nossa grande arma é a prevenção, mas quem é que se cuida direito? O hipertenso não toma seus remédios, o diabético não sabe se controlar, a gente não faz exercício nem se mantém no peso ideal. Quer dizer, você sabe o que tem que fazer, e eu também, mas quem é que faz?”

Uma paciente do doutor Kalil que morreu aos 66 anos por causa de um AVC foi a ex-primeira-dama Marisa Letícia, segunda mulher do presidente Lula (PT), com quem teve quatro filhos. “Eu cuidei dela por uns 20 anos e estava na porta do hospital quando ela chegou para ser internada, depois de sofrer o acidente [em 2017]. Foi muito triste, ela era muito jovem.”

A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, não é paciente de Roberto Kalil, mas acompanha o marido em todas as consultas. E causou ótima impressão no médico, que a defende com veemência dos críticos que a acusam de se intrometer em assuntos do governo.

“A Janja é o porto seguro do Lula. A pessoa que lutou por ele na pior fase da vida do presidente. Depois, ajudou-o a ganhar a eleição, então tem mais é que dar palpite mesmo. Ela é uma pessoa extremamente inteligente e bem-informada. Atenta, é a guardiã do Lula, como presidente e como pessoa. Por isso, eu acho que ela tem mesmo que se meter em tudo.”

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