Em meio a acirramento das divisões políticas, Berlim apresenta sua primeira estratégia ecônomica para Pequim. Objetivo é reduzir sua dependência da China, sem prejudicar demais o comércio das empresas alemãs com o país.Pela primeira vez na história, Berlim tem sua própria “estratégia para a China”, com base na nova e abrangente Estratégia de Segurança Nacional da Alemanha, apresentada em junho.
“A China mudou. Isso e as decisões políticas chinesas tornam necessário mudar a forma como lidamos com a China”: assim inicia o documento de 64 páginas aprovado na quinta-feira (13), após meses de debates.
O governo alemão vê com preocupação a conduta cada vez mais agressiva do gigante asiático. Com a nova estratégia, a Alemanha busca, entre outras coisas, reduzir sua grande dependência econômica em relação ao país, mas sem cortar os laços.
Os números deixam clara a importância da relação econômica para ambos os lados: em 2022, a China foi o principal parceiro comercial da Alemanha pelo sétimo ano consecutivo, com a troca de mercadorias somando cerca de 300 bilhões de euros. Ou seja: há muito em jogo.
Scholz vs. Baerbock
É por isso que tanto o chanceler federal alemão, Olaf Scholz (SPD, de centro-esquerda), quanto as associações comerciais e industriais alemãs têm trabalhado para garantir que a estratégia não seja muito restritiva. O resultado é que as exigências para as empresas alemãs, apesar de serem incentivadas a diversificar e investir em outros países asiáticos, são bastante gerais – para grande decepção do Partido Verde, uma das três legendas da coalizão de governo alemã, ao lado do SPD e do Partido Liberal Democrático (FDP).
Desde que assumiu como ministra do Exterior, Annalena Baerbock (Partido Verde) tem adotado uma linha mais dura que seus antecessores diante da China, sobretudo em relação a temas como violações dos direitos humanos. Tal postura muitas vezes provoca atritos. Em abril, por exemplo, durante uma visita ao país asiático, a ministra alemã teve que ouvir de seu homólogo chinês, Qin Gang, que “o que a China menos precisa é de lições do Ocidente”.
Durante os quatro mandatos da chanceler federal Angela Merkel (2005-2021), o clima era de mais otimismo: o comércio crescia rapidamente, e a líder alemã se mantinha reservada em suas críticas. A recompensa disso veio em 2014, quando os dois países declararam uma “parceria estratégica abrangente”.
Mas, nos últimos anos, as divisões passaram a ser levadas mais a sério em Berlim e discutidas com mais frequência do que antes. Em relação a questões como a “amizade sólida” da China com a Rússia apesar da invasão da Ucrânia; as crescentes tensões no Estreito de Taiwan; a opressão da minoria uigur na China; e o tão lamentado vazamento de tecnologia alemã, o tom é mais de rivalidade do que de parceria.
Uma dinâmica semelhante tem sido observada em outros países europeus, e recentemente com bastante força também nos Estados Unidos, onde o governo está sob crescente pressão.
“É gratificante que a estratégia se despeça com muita determinação do sonho de uma parceria estratégica abrangente com a China, algo que havia sido perseguido por Angela Merkel com o presidente Xi [Jinping]. Essa renúncia clara era necessária com urgência”, disse à DW Thorsten Benner, cofundador e diretor do Global Public Policy Institute, think tank com sede em Berlim.
Os perigos de uma abordagem “missionária”
A comunidade empresarial alemã parece disposta a aceitar a nova estratégia. Siegfried Russwurm, presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI), saudou a iniciativa, com ressalvas: “O perigo é que o dinamismo empresarial fique muito restrito, impedindo de maneira desnecessária a geração de riqueza e a inovação.”
Em entrevista à imprensa alemã antes do lançamento da estratégia, o presidente da Associação das Câmaras Alemãs de Comércio e Indústria (DIHK), Peter Adrian, defendeu a chamada “diplomacia do talão de cheques”, conceito muitas vezes adotado por Berlim que envolve o uso da influência econômica como ferramenta política.
“Mas não creio que sacrificar o comércio levará a uma mudança mais positiva ou a um mundo melhor. Muito pelo contrário”, disse. “Porque quando estamos em comunicação, podemos entender melhor uns aos outros, bem como transmitir aspectos de nossos valores e cultura.” Adrian advertiu sobretudo contra uma abordagem “missionária”, pois ninguém, a seu ver, quer ser tachado de “sabe-tudo”.
A questão agora é saber se a medida é suficiente para diversificar o comércio e reduzir a dependência da China em áreas críticas, sem colocar a perder os negócios ao longo do processo. Para Benner, a estratégia é “um documento revigorante e realista, com uma quantidade ambiciosa de dever de casa, que agora precisa ser vigorosamente implementado”.
Por outro lado, ele também chama a estratégia de “um tanto ingênua” nas partes em que busca uma cooperação mais estreita com a China em questões climáticas, argumentando que o sistema de governo de partido único de Pequim torna impossível o desejado intercâmbio científico aberto com a sociedade civil.
A reação de Pequim
Durante a recente cúpula da Otan na Lituânia, Scholz repetiu aos jornalistas que a estratégia não é se desvincular da China, mas minimizar os riscos. Baerbock acrescentou que a estratégia pretende enviar a mensagem de “que queremos viver em paz e liberdade junto com todos os parceiros deste mundo, com todos os países deste mundo – mas, ao mesmo tempo, de que não somos ingênuos”.
É provável que ambas as declarações carreguem por trás intenções conciliatórias em relação a Pequim. Mas a Embaixada da China em Berlim reagiu depressa e com visível irritação. “A China é parceira da Alemanha na superação de desafios, e não uma adversária”, diz um comunicado em chinês publicado em seu site.
A declaração afirma ainda que uma visão ideológica da China acentua os mal-entendidos e prejudica a confiança mútua. Para Pequim, as referências a Taiwan e aos direitos humanos no documento representam uma interferência em assuntos internos, e os planos de reduzir a dependência são um risco à recuperação econômica e à estabilidade global.