Se você se considera razoavelmente inteligente e instruído, talvez acredite que tenha uma boa compreensão das principais formas como o mundo funciona — conhecimento sobre as invenções conhecidas e os fenômenos naturais à nossa volta.
Agora, pense no seguinte: como se forma um arco-íris? Por que os dias de Sol podem ser mais frios que os nublados? Como um helicóptero voa? Como funciona a descarga do vaso sanitário?
Você consegue dar uma resposta detalhada a uma ou mais destas perguntas? Ou você tem apenas uma vaga ideia do que acontece em cada uma destas situações?
Se você for como grande parte das pessoas que participaram de estudos psicológicos sobre este tema, sua primeira impressão pode ser de que se sairia muito bem.
Mas, quando se pede uma resposta detalhada para cada questão, a maioria das pessoas fica totalmente desorientada — como você também pode ter ficado.
Este fenômeno é chamado de “ilusão do conhecimento”. Você pode achar que estes exemplos específicos são triviais — afinal, são o tipo de pergunta que uma criança curiosa pode fazer, e a pior consequência poderia ser ficar com o rosto corado na frente da família.
Mas as ilusões de conhecimento podem prejudicar nosso julgamento em muitos campos. No ambiente de trabalho, por exemplo, podem nos levar a superestimar nosso conhecimento em uma entrevista, menosprezar as contribuições dos nossos colegas e assumir tarefas que somos totalmente incapazes de realizar.
Muitos de nós atravessamos a vida totalmente alheios a essa arrogância intelectual e suas consequências. A boa notícia é que alguns psicólogos indicam que pode haver formas extraordinariamente simples de evitar essa obscura armadilha do pensamento.
Desconhecimento desconhecido
A ilusão do conhecimento — também chamada de “ilusão da profundidade de explicação” — foi mencionada pela primeira vez em 2002.
Em uma série de estudos inéditos, os pesquisadores Leonid Rozenblit e Frank Keil, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, começaram fornecendo aos participantes exemplos de explicações de fenômenos científicos e mecanismos tecnológicos que foram avaliados em uma escala de 1 (muito vagos) a 7 (muito completos).
Este método permitiu que todos os participantes formassem o mesmo conceito do que significava a compreensão “vaga” ou “completa” de um tema.
Em seguida, veio o teste. Quando confrontados com outras questões técnicas e científicas, os participantes precisavam avaliar o quanto eles achavam que poderiam responder a cada uma delas, usando aquela mesma escala, antes de escrever sua explicação da forma mais detalhada possível.
Rozenblit e Keil descobriram que as avaliações iniciais dos participantes sobre sua própria compreensão eram, muitas vezes, dramaticamente otimistas.
Eles acreditavam que poderiam escrever parágrafos inteiros sobre cada assunto, mas muitas vezes forneciam respostas mínimas — e, depois, muitos ficavam surpresos com o pouco que sabiam sobre os temas questionados.
Os pesquisadores suspeitavam que o excesso de confiança era consequência da capacidade dos participantes de visualizar os conceitos em questão. Não é difícil imaginar o voo de um helicóptero, por exemplo. E a facilidade com que essa imagem vem à mente leva os participantes a sentir mais confiança para explicar a mecânica dos seus movimentos.
Desde este estudo original, diversos psicólogos vêm desvendando ilusões de conhecimento em vários contextos diferentes.
O professor de marketing Matthew Fisher, da Universidade Metodista do Sul, no Texas, Estados Unidos, por exemplo, descobriu que muitos universitários formados superestimam amplamente o alcance da sua formação depois que terminam seus estudos.
Da mesma forma que no primeiro experimento, solicitou-se aos participantes que avaliassem sua compreensão sobre diferentes conceitos antes que fornecessem explicações detalhadas do seu significado.
Mas, desta vez, as questões vieram da matéria que eles próprios haviam estudado anos antes. Uma pessoa formada em Física, por exemplo, precisaria explicar as leis da termodinâmica.
Devido ao desgaste natural das suas memórias, os participantes pareciam ter esquecido muitos detalhes importantes, mas não haviam percebido o quanto de conhecimento haviam perdido — o que os levava a ser excessivamente confiantes nas suas previsões iniciais.
Ao julgarem seu conhecimento, eles acreditavam que detinham o mesmo nível de informação de quando estavam totalmente mergulhados no assunto.
Outras pesquisas demonstraram que a disponibilidade de recursos online pode alimentar nosso excesso de confiança, uma vez que nós confundimos a quantidade de conhecimento disponível na internet com nossas próprias memórias.
Fisher pediu para um grupo de participantes responder perguntas — “como funciona um zíper?”, por exemplo — com o auxílio de uma ferramenta de busca, enquanto outro grupo foi simplesmente solicitado a avaliar sua compreensão do tema sem usar fontes adicionais.
Em seguida, os dois grupos foram submetidos ao teste original de ilusão do conhecimento sobre quatro questões adicionais (“como se formam os tornados?” e “por que as noites nubladas são mais quentes?”, por exemplo).
Fisher concluiu que as pessoas que haviam usado a internet para responder a pergunta inicial demonstraram maior excesso de confiança na tarefa seguinte.
A ilusão da aquisição de habilidades
Mas a consequência mais séria talvez seja que a maioria de nós superestima o quanto aprende observando os demais. Isso resulta na “ilusão da aquisição de habilidades”.
Michael Kardas, que cursa pós-doutorado em administração e marketing na Northwestern University, nos EUA, pediu aos participantes de um estudo para assistirem a vídeos repetidos sobre diversas técnicas, como lançar dardos ou fazer o passo de dança moonwalk, até 20 vezes.
Em seguida, eles precisaram estimar suas habilidades, antes de tentar realizar a tarefa sozinhos. A maioria dos participantes acreditou que a simples observação, ao assistir aos vídeos, os teria ajudado a aprender as técnicas. E, quanto mais eles assistiam, maior era sua confiança inicial.
Mas a realidade foi uma grande decepção.
“As pessoas acreditavam que se sairiam melhor se assistissem ao vídeo 20 vezes, em comparação com assistir apenas uma”, afirma Kardas.
“Mas seu desempenho real não demonstrou nenhuma evidência de aprendizado.”
E, surpreendentemente, a observação passiva pode até aumentar a confiança das pessoas em sua capacidade de realizar tarefas complexas de vida ou morte, como pousar um avião.
Kayla Jordan, estudante de doutorado da Universidade de Waikato, na Nova Zelândia, liderou um estudo inspirado diretamente na pesquisa de Kardas.
“Nós quisemos testar os limites do fenômeno e se ele poderia ser aplicado a técnicas altamente especializadas”, diz Jordan.
Ela explica que pilotar exige centenas de horas de treinamento e profundo conhecimento de física, meteorologia e engenharia, que as pessoas são incapazes de aprender em um vídeo curto.
A primeira instrução para os participantes foi: “Imagine que você está em um avião de pequeno porte. Há uma emergência, o piloto está indisponível, e você é a única pessoa que pode fazer o avião pousar.”
Metade dos participantes assistiu a um vídeo de quatro minutos de um piloto aterrissando um avião, e os demais não viram o vídeo.
Mas o vídeo não mostrava nem sequer o que as mãos do piloto estavam fazendo durante o procedimento — e, portanto, não tinha nenhuma serventia como instrução.
Mas muitas das pessoas que assistiram ao vídeo ficaram muito mais otimistas sobre sua capacidade de fazer pousar um avião com segurança.
“Elas tinham cerca de 30% mais confiança, em comparação com as pessoas que não assistiram àquele vídeo”, afirma Jordan.
Dilemas da vida real
Essas ilusões de conhecimento podem trazer consequências significativas.
O excesso de confiança no próprio conhecimento pode fazer com que você se prepare menos para uma entrevista ou apresentação, por exemplo, deixando você constrangido quando é pressionado a demonstrar seus conhecimentos.
O excesso de confiança pode ser um problema específico quando você busca uma promoção. Ao observar as pessoas à distância, você pode acreditar que já sabe o que é preciso para o trabalho e que já aprendeu todas as técnicas necessárias.
Mas, ao iniciar o trabalho, você pode descobrir que precisava saber muito mais do que parecia.
A ilusão do conhecimento também pode nos levar a menosprezar nossos colegas. Da mesma forma que confundimos o conhecimento obtido pelo Google com o nosso próprio, podemos não perceber o quanto dependemos do conhecimento e da capacidade das pessoas à nossa volta.
“Ao observar as habilidades e a base de conhecimento dos demais, as pessoas às vezes podem acreditar erroneamente que elas são uma extensão do conhecimento delas próprias”, afirma Jordan.
E, se começarmos a acreditar que o conhecimento dos colegas é nosso, podemos ficar menos dispostos a lembrar e demonstrar gratidão por suas contribuições — uma forma de arrogância muito comum no ambiente de trabalho.
E superestimar nosso conhecimento, esquecendo o apoio que recebemos dos demais, também pode criar sérios problemas quando tentarmos seguir sozinhos, com um projeto solo.
O que as pessoas podem fazer para evitar essas armadilhas? Uma solução é simples: teste a si próprio.
Se você estiver avaliando sua capacidade de realizar uma tarefa que não é familiar, por exemplo, não confie apenas em uma ideia vaga e resumida do que essa tarefa envolveria. Em vez disso, analise com mais tempo e cuidado as etapas que você precisaria realizar para atingir esse objetivo.
Você pode concluir que há enormes lacunas de conhecimento que você precisará preencher antes de começar o trabalho. E, ainda melhor, você pode consultar um especialista no tema e perguntar o que ele está fazendo — uma conversa que servirá para analisar qualquer pressuposto arrogante de sua parte.
Como as muletas tecnológicas têm o potencial de amplificar a confiança no seu conhecimento, você também pode verificar seus hábitos online. Fisher sugere que você faça uma breve pausa e tente ao máximo se lembrar de um fato antes de recorrer a uma busca na internet. Ao reconhecer conscientemente que “deu branco”, você pode começar a avaliar de forma mais realista a sua memória e os seus limites.
“É preciso ter a disposição de se sentir desorientado”, diz ele.
“Você precisa sentir sua ignorância, o que pode ser desconfortável.”
O objetivo de tudo isso é cultivar um pouco mais de humildade — uma das “virtudes intelectuais” clássicas celebradas pelos filósofos.
Ao reconhecer nossas ilusões de conhecimento e admitir os limites da nossa compreensão, todos nós podemos evitar as inconvenientes armadilhas do pensamento. E podemos pensar e tomar decisões com mais sabedoria.