Às vésperas da guerra na Ucrânia completar um ano, a Assembleia Geral da ONU se reuniu para votar uma resolução destacando a necessidade de uma saída negociada para garantir a paz na região.
O texto reitera o pedido para que a Rússia deixe o território ucraniano, retirando todas as forças militares do país. Na abertura da sessão desta quarta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, falou sobre os impactos do conflito.
Violação da Carta da ONU e do direito internacional
Ele destacou que a guerra está alimentando a instabilidade regional e as tensões e divisões no mundo, ao mesmo tempo em que desvia a atenção e os recursos de outras crises e pressiona questões globais.
Para o chefe da ONU, a invasão é uma afronta à consciência coletiva e uma violação da Carta da ONU e do direito internacional.
Guterres citou o trecho do tratado assinado pelos Estados-membros na fundação das Nações Unidas, ressaltando que não há ambiguidade: todos devem “se abster em suas relações internacionais da ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer estado, ou de qualquer outra forma inconsistente com os Propósitos das Nações Unidas”.
Anexação ilegal
O secretário-geral lembrou que a Assembleia Geral marcou sua posição sobre o tema, declarando ilegal a tentativa de anexação das regiões ucranianas de Kherson, Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk.
Para ele, a resolução transparece o compromisso da ONU com a soberania, independência, unidade e integridade territorial da Ucrânia em suas fronteiras internacionalmente reconhecidas.
Esforços da ONU
Guterres reforçou que a ONU se manteve ativa nas zonas de conflito, levando ajuda humanitária ao lado de parceiros.
Segundo ele, 40% dos ucranianos precisam de algum tipo apoio, já que a infraestrutura civil também foi bombardeada. Na última semana, a ONU lançou um apelo de US$ 5,6 bilhões para levar ajuda a ucranianos.
O secretário-geral destacou que, mesmo em meio à violência da guerra, a organização buscou soluções de maneira coordenada e criativa. Ele citou que em Mariupol, as Nações Unidas ajudaram a evacuar civis presos na usina siderúrgica Azovstal.
Guterres também mencionou a Iniciativa de Grãos do Mar Negro, que abriu uma possibilidade para que as partes do conflito apoiem a segurança alimentar global, com o apoio do governo de Turquia e das Nações Unidas.
A ONU vai continuar a apoiar essas iniciativas, para o benefício de milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente no Sul Global.
Consequências da guerra e ameaça nuclear
O chefe das Nações Unidas também ressaltou que neste ano, além do crescimento do sofrimento, ficou evidente o quanto o cenário pode piorar. Guterres apontou a atividade militar na região da usina atômica de Zaporizhzhia como irresponsável.
Ele elogiou o trabalho da Agência Internacional de Energia Atômica, que possui uma missão permanente de especialistas na maior instalação nuclear da Europa desde janeiro.
O secretário-geral ainda destacou que há ameaças implícitas do uso de armas nucleares e que o “uso tático” desses armamentos é totalmente inaceitável.
“Guerra não é a solução”
Guterres encerrou sua participação na sessão reafirmando que a “guerra não é a solução” e sim o problema. Ele voltou a destacar o sofrimento das pessoas na Ucrânia e a necessidade de paz na região e no mundo.
Para o secretário-geral, mesmo com pouca perspectiva atualmente, todos sabem que uma “paz genuína e duradoura deve ser baseada na Carta da ONU e no direito internacional”.
Ele concluiu afirmando que quanto mais a violência continuar, mais difícil será este trabalho.
Ameaça de guerra nuclear
O presidente da Assembleia Geral, Csaba Korosi, alertou para a grande ameaça de uma guerra nuclear, associada aos perigos de um acidente atômico.
Korosi fez o alerta durante um discurso na abertura da sessão especial do órgão sobre a guerra na Ucrânia. Ele citou “implicações globais potencialmente catastróficas de um conflito nuclear” que nunca pode ser vencido e nem deve ser travado.
O líder da Assembleia Geral lembrou do trabalho da Agência Internacional de Energia Atômica, Aiea, para garantir a segurança nuclear na Ucrânia.
Apelo combinado
Csaba Korosi disse que o primeiro aniversário da invasão deve ser um lembrete para todos de que não existem soluções militares para a guerra. Diante da perda de meios de subsistência, famílias e comunidades, ele apelou à Rússia que acabe com a agressão, a guerra e o “derramamento de sangue”.
Mais de 75 oradores devem assumir a tribuna em dois dias de reunião.
A ONU estima que a guerra já matou 8 mil pessoas e que 40% dos ucranianos precisem de assistência humanitária.
Num apelo combinado, as Nações Unidas pediram US$ 5,6 bilhões para apoiar os ucranianos.
Adoções de crianças ucranianas
Ao assumir o microfone, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, afirmou que a Rússia está, há um ano, atacando deliberadamente as infraestruturas civis em seu país e espalhando morte e destruição.
O ministro contou que os bombardeios deliberados a alvos civis são a prova de que a Rússia não quer a paz, mas sim a guerra. Segundo Kuleba, os russos estão forçando adoções de crianças ucranianas para que elas possam ser educadas em russo assimilando a cultura do país agressor. Para ele, a situação é um genocídio.
Ao falar diretamente aos membros da Assembleia Geral, Kuleba disse que nesta guerra, “não existem dois lados iguais, mas sim um agressor e uma vítima”. Para o chanceler ucraniano, não se trata “de ser amigo de um ou de outro”, mas de ficar do lado da Carta da ONU, do direito internacional e das resoluções das Nações Unidas.
Kuleba declarou que a Rússia pensa que as regras não se aplicam a ela e que existem somente para serem desrespeitadas. O ministro da Ucrânia afirmou que é hora de a comunidade internacional escolher a Carta da ONU e a lei internacional.
Para ele, é hora de enviar uma forte mensagem ao mundo adotando a resolução, que está em debate na Assembleia Geral, sobre uma “paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia” provando que os países-membros da ONU defendem a Carta da ONU em palavras e em ações.
“Cruzada contra a Rússia”
Já o embaixador da Rússia, Vassily Nebenzia, disse que “os países do Ocidente tentam mobilizar os Estados-membros da ONU para uma cruzada contra a Rússia ao submeter este projeto de resolução que, para ele, “permanece anti-russo e discriminatório”.
Nebenzia alegou existir “uma campanha de difamação que consiste em acusar a Rússia de uma agressão não provocada contra seu vizinho. Para ele, isso é o resultado de uma ambição imperial, desejo de tomar posse de territórios estrangeiros e destruir a Ucrânia como tal”.
O embaixador ressaltou que oito anos antes das “operações especiais militares russas”, o “nacionalismo criminoso chegava a Kyiv, como resultado de um golpe anticonstitucional apoiado pelo Ocidente”, que travou uma guerra sangrenta contra os habitantes de Donbass.
Para ele, contar a história “a partir de 24 de fevereiro de 2022, ignorando tudo o que aconteceu antes, é uma tentativa deliberada dos países do ocidente de enganar e ocultar as verdadeiras causas do conflito, que são fundamentais para entender as perspectivas de sua resolução pacífica”.