“Non au Mercosur” (“Não ao Mercosul”). Essas três palavras devem ser repetidas à exaustão nesta terça-feira (26) no parlamento francês, na rejeição ao acordo de livre-comércio Mercosul-União Europeia, negociado há 25 anos e ainda não assinado.
O veto francês está organizado para ser unânime, ou quase, liderado pelo governo Emmanuel Macron. A recusa, em nome da proteção do mercado europeu para os produtores agrícolas franceses, virou uma questão política nacional na França e, também, no Brasil. Pesquisas recentes, como a da Elabe, indicam 76% dos eleitores franceses em aberta oposição ao acordo com Mercosul.
A negativa previsível do parlamento francês será simbólica. A França de Macron está praticamente isolada na rejeição dentro da União Europeia. Alemanha e Espanha comandam a grupo favorável ao acordo, que pode impulsionar em até 40%, no médio prazo, as suas exportações de bens industriais de média e alta tecnologia para a América do Sul.
Daí, o isolamento francês. Vai valer a decisão do Parlamento Europeu, sob a regra de que, para ser adotado, o acordo com o Mercosul percisa do aval de pelo menos 15 países que representem 65% da população. A França, com alianças rarefeitas, por enquanto não representa mais que um terço dos europeus.
Confirmada a unanimidade, ou quase, pela rejeição no parlamento francês, o governo Macron ganha fôlego para uma manobra emergencial: conseguir dentro da União Europeia apoio para impedir a assinatura do acordo, prevista para a primeira semana de dezembro durante a cúpula do Mercosul em Montevidéu.
Seria uma vitória política charmosa, mas efêmera, extraída da “tolerância” dos sócios no bloco, mas com prazo de validade definido – até o primeiro semestre de 2025.
A União Europeia já não pode se dar ao luxo de dispensar acordos comerciais relevantes, passíveis de premiar sua indústria automobilística, por exemplo, com a perspectiva imediata de aumento na produção. Na Alemanha, fábricas estão sendo fechadas. Há um conflito comercial crescente entre as duas maiores economias industriais, Estados Unidos e China, e os governos europeus começam a se preparar para um cenário de guerra com a Rússia de Vladimir Putin.
Por isso, agoniza a tradição francesa de protecionismo agrícola, enraizada na política por influência dos sindicatos rurais, donos de milionários orçamentos que, também, oscilam conforme o êxito partidário nas eleições regionais.
É um jogo complexo. No alvo, está o agronegócio do Brasil e da Argentina, especialmente as grandes empresas brasileiras produtoras de carne. Elas não teriam muito a perder em vendas no mercado francês – ao contrário da rede Carrefour que extrai 20% do seu lucro anual nos supermercados que possui no Mercosul.
No entanto, há um prejuízo de reputação que o lobby francês está conseguindo impor aos principais produtores de carnes do Mercosul, com acusações de desobediência ao padrão ambiental e sanitário europeu (exemplo: dribles na proibição de comercialização de carnes com resíduos de hormônios, pesticidas, e antibióticos proscritos como cancerígenos). As empresas e o governo brasileiro qualificam essas alegações como ofensivas.
O jogo está apenas começando. E, tanto na França quanto no Brasil, já deixou de ser apenas uma questão de negócios. Virou insumo básico da política doméstica nos dois países.