Com o Hamas e o Hezbollah duramente enfraquecidos, o grupo rebelde do Iêmen ganha proeminência dentro da aliança informal de milícias apoiadas pelo Irã.Num discurso esta semana, o líder do grupo rebelde Houthi, do Iêmen, anunciou com orgulho o balanço das ações de seu grupo em 2023: os houthis, que controlam grande parte do norte do Iêmen, atacaram 193 navios que passavam pelo país e lançaram mais de mil mísseis e drones contra seus inimigos, incluindo Israel, anunciou Abdul-Malik al-Houthi. Tudo isso em apoio ao grupo palestino Hamas, na Faixa de Gaza, e ao Hezbollah, no Líbano, acrescentou.
O grupo Houthi, que já chegou a ser descrito como “uma corja miliciana de sandálias” ou “lavradores com armas”, também lançou mísseis balísticos contra Israel e recentemente derrubou um drone americano.
E nada parece detê-los – nem a força-tarefa marítima internacional para proteger a navegação no Mar Vermelho nem os seguidos bombardeios aéreos nas áreas por eles controladas.
“Os houthis são hoje mais fortes, tecnicamente melhores e membros mais proeminentes do Eixo da Resistência do que eram no início da guerra”, escreve Mike Knights, membro sênior do Washington Institute for Near East Policy, numa análise feita este mês.
O chamado Eixo da Resistência é composto por grupos apoiados pelo Irã e contrários a Israel e aos EUA, como o Hamas, o Hezbollah e milícias iraquianas, e também por países como o próprio Irã e a Síria.
“Os houthis resistiram a um ano de guerra sem sofrer grandes reveses e apresentaram o melhor desempenho militar de todos os participantes do Eixo”, afirma Knights.
Como resultado, os houthis estão se tornando membros mais destacados do Eixo. O líder Abdul-Malik al-Houthi está até mesmo sendo apontado como possível substituto do ex-chefe do Hezbollah Hassan Nasrallah, que foi morto por Israel no mês passado, e vem atuando como uma espécie de chefe simbólico do Eixo da Resistência.
“Na ausência de Nasrallah, Abdul-Malik al-Houthi agiu rapidamente para preencher o vazio”, confirma o analista de segurança Mohammed Albasha, que é baseado nos EUA e é especializado em Oriente Médio e Iêmen. “Os houthis assumiram os holofotes.”
Poderão incomodar ainda mais
E os houthis deverão passar a incomodar ainda mais, dizem os especialistas, que apontam para uma série de fatores.
Em primeiro lugar, a distância deles de Israel pode ser vista como uma vantagem: ao contrário de grupos como o Hezbollah e o Hamas, os houthis estão a mais de 2 mil quilômetros de distância de Israel. “Além disso, o Hezbollah está sob o escrutínio de Israel há quatro décadas, enquanto o conhecimento sobre os houthis permanece limitado, na comparação”, diz Albasha.
Em segundo lugar: os houthis estão combatendo há décadas, primeiro como parte de uma insurgência contra a ditadura do Iêmen a partir de 2004, depois, a partir de 2014, numa guerra civil após o fim dessa ditadura e, desde 2015, contra uma coalizão internacional liderada pela Arábia Saudita que apoia seus oponentes na guerra civil.
“Ao longo de décadas de conflito, os houthis descentralizaram todos os aspectos de suas operações, desde o fornecimento de combustível e alimentos até a fabricação de armas”, explica Albasha.
As bases deles estão escondidas nas montanhas do Iêmen e em túneis subterrâneos, tornando os ataques aéreos menos eficazes, e seu “forte histórico em operações terrestres” serve como dissuasão para forças estrangeiras que cogitarem uma invasão terrestre, diz ele.
Os houthis também têm estabelecido contatos em outros lugares. Eles têm presença no Iraque e reivindicaram ataques a Israel em cooperação com milícias do Iraque apoiadas pelo Irã.
Mísseis mais modernos do Irã
Os houthis provavelmente também estão recebendo melhores armas do Irã. “Antes de 7 de outubro de 2023, o Irã fornecia aos houthis versões mais antigas de seus mísseis e drones”, diz Albasha. “Agora os houthis estão lançando variantes modificadas do iraniano Kheibar Shekan [míssil balístico de médio alcance]. É apenas uma questão de tempo até que os mísseis hipersônicos Fattah [do Irã] apareçam no Iêmen – se é que já não apareceram.”
Knights argumenta que o Iêmen seria um local ideal para esses mísseis devido à sua localização e à possibilidade de esconder essas armas nas montanhas.
Por estarem próximos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, os houthis também teriam condições de atacar esses vizinhos e interromper ainda mais o comércio e os negócios globais.
Na semana passada, ao anunciar ataques com mísseis a Israel, os houthis disseram que “os interesses americanos e britânicos na região” também estavam sob o alcance de seu fogo.
Se Israel optar por atacar as instalações de petróleo do Irã em retaliação ao recente ataque com mísseis de Teerã, os houthis podem muito bem responder atacando as instalações dos aliados dos EUA. Eles já dispararam foguetes contra instalações de produção de petróleo da Arábia Saudita e dos Emirados.
“Isso é algo para ficar preocupado, com certeza”, diz o analista Mick Mulroy, membro sênior do think tank Middle East Institute, com sede em Washington, e ex-subsecretário adjunto de Defesa dos EUA. “Os houthis poderiam atacar a infraestrutura dos países vizinhos, e o Irã poderia minar o Estreito de Ormuz. Os iranianos certamente têm a capacidade de fazer isso, o que, em essência, interromperia o transporte de energia para fora da região, causando choques econômicos. E aí, claro, os houthis poderiam continuar atacando os navios no Mar Vermelho”, afirmou.
Atitude de desdém e ousadia
Outro motivo pelo qual os houthis podem ganhar importância é a atitude de ousadia e desdém do grupo.
“Após duas décadas de vitórias, os houthis se tornaram mais ousados”, explica Albasha. “Muitos de seus combatentes estão em guerra desde a juventude e têm pouco a perder. Essa mentalidade de “e por que não?” lhes dá uma vantagem estratégica, e eles podem querer ultrapassar limites que outros hesitariam em cruzar”, sugeriu.
“Para o Irã, os houthis podem ser considerados tanto um fardo quanto uma forma de influência”, diz o especialista em Iêmen Ibrahim Jalal, do Carnegie Middle East Center. “Eles são uma vantagem por causa de sua imprevisibilidade, mas um fardo no sentido de que optam continuamente pelo acirramento. O presidente iraniano chegou a fazer comentários nesse sentido, de que esses caras são loucos.”
Jalal relata que, num determinado momento, logo depois que os EUA ameaçaram uma resposta militar à campanha dos houthis contra o transporte marítimo, os rebeldes houthis começaram a gritar “não nos importamos, que venha uma grande guerra mundial” em manifestações.
“E eles realmente não se importam, é um pouco insano”, diz Jalal. “E isso reflete o nível de desprezo deles pela população civil do Iêmen, que passou por tremendas dificuldades humanitárias e econômicas nas últimas duas décadas. Agora, eles estão provocando ainda mais problemas, como os ataques aéreos israelenses contra a infraestrutura civil, o que significa que a população sofre ainda mais.”