Para cumprir parte de suas promessas em São Paulo – como a ligação Santos-Guarujá, a concessão da Hidrovia Tietê-Paraná ou a construção de moradias populares –, o governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos) precisará segundo o jornal Estadão, do aval do governo Lula.
Não que não se deva esperar divergências na democracia. Ao contrário, ela não só é, como disse Winston Churchill, a forma de governo menos ruim, como a mais plural. Na verdade, é a melhor exatamente porque é a mais plural. E o custo da pluralidade é a constante disputa de ideias e o risco de cisão social. Por isso, nela, a boa política é mais, não menos importante.
A democracia, na célebre definição de Abraham Lincoln, é o governo do povo, pelo povo, para o povo. Mas “povo” se diz em muitos sentidos. Do mais amplo ao mais estrito, ele é tanto a comunidade dos cidadãos que morreram, que vivem e que nascerão quanto só a dos vivos e, finalmente, a da maioria entre eles. No primeiro sentido, o povo é a Nação, cuja alma está inscrita na Constituição, que por sua vez se corporifica no Estado a serviço de todos, que por sua vez é conduzido e regulado pelos representantes eleitos pelas maiorias no Executivo e no Legislativo.
Bolsonaro inverteu essa ordem, submetendo o governo a interesses pessoais e corporativos e as políticas de Estado aos interesses do governo, que, para tanto, submeteu a Constituição a todo tipo de interpretações abusivas e tentativas de subversão. Há quatro anos, ele subia ao poder hostilizando o Legislativo. A relação com o Parlamento, dizia, se daria por “bancadas temáticas”, e cargos seriam distribuídos só por critérios técnicos sem negociações partidárias. Logo se viu que as nomeações só serviam para satisfazer suas bases eleitorais. Com o fracasso dessa má política, o governo se viu obrigado a prestar vassalagem à ala fisiológica do Congresso, nutrida com pedaços do Orçamento público. Enquanto acalentava amizades artificiais no Congresso, Bolsonaro criava inimizades artificiais em outras esferas do poder público, como juízes e governadores.
Muito antes, o PT já praticava essa lógica de “amigos e inimigos”. O partido nunca hesitou em sobrepor seu projeto de poder ao interesse público, por exemplo, sabotando, quando na oposição, políticas do governo e manietando, quando no governo, o voto de parlamentares (no mensalão), a máquina estatal (no petrolão) e as contas públicas (na pior recessão da história).
Agora, Tarcísio e Lula se dizem arautos de uma “nova política”. Tarcísio seria a face técnica e moderada do conservadorismo. Lula, mesmo sem admitir os abusos do PT, insinua que foram desvios e não resultados de uma coordenação programática, e que, de todo modo, agora será diferente, não o governo de um partido, mas de uma “frente ampla” progressista.
Enquanto isso, São Paulo, a locomotiva econômica do Brasil, continua esperando que impasses entre o governo federal e o estadual sejam destravados. A capacidade do Palácio do Planalto e do Palácio dos Bandeirantes de criarem consensos em favor do interesse público – ou, caso contrário, de justificarem suas divergências conforme esse interesse – será um teste para saber se seus líderes têm vocação de estadistas ou se são apenas representantes da demagogia de sempre.