No Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado nesta segunda-feira (5), a Bahia tem o que mostrar, mas ainda há um longo caminho a percorrer na preservação de suas riquezas naturais. Pelo menos é o que avalia em entrevista ao jornal A Tarde, o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Eduardo Mendonça Sodré Martins.
Entre os aspectos destacados pelo secretário está o lançamento do programa Bahia + Verde que, explica, coloca o meio ambiente no centro das decisões do governo. Sodré Martins comemora também o potencial e os projetos que estão sendo implantados nas áreas de energia eólica, solar e agora hidrogênio verde.
“A Bahia vai olhar o desenvolvimento não só do ponto de vista de atração de empresas, mas também da preservação da cobertura vegetal, do mercado de carbono”, garante. Por outro lado, ele admite que ainda tem trabalho a fazer para preservar biomas ameaçados como a mata atlântica, o cerrado e a caatinga. O segredo, acrescenta, é trabalhar junto com a sociedade civil e o setor empresarial. “Todos comungam do mesmo interesse”. Acompanhe essas e outras questões relacionadas ao meio ambiente na entrevista que segue.
O governo acabou de lançar o Bahia + Verde, descrito como o maior programa de transição energética, econômica e social do Brasil. Em resumo, porque a Bahia com esse programa está dando um importante passo rumo ao futuro como você afirmou durante o evento?
Com esse programa, a Bahia coloca o meio ambiente no centro das decisões. E quando a gente dá esse destaque às políticas públicas sustentáveis não só está mobilizando o pequeno produtor, o agricultor, como também as grandes indústrias, além de trazer investimentos internacionais. O foco do mundo hoje está no desenvolvimento sustentável, no meio ambiente, na economia verde. E se a gente também focar nisso, tenha certeza que a Bahia ganhará destaque no mundo. O evento de lançamento do Bahia + Verde exemplificou isso. Nós tivemos representantes da ONU, Alemanha, França, Itália e Emirados Árabes. Isso mostra que a Bahia está disposta a atrair esse tipo investimento e olhar o desenvolvimento não só do ponto de vista de atração de empresas para o estado, mas também de preservação da cobertura vegetal, do mercado de carbono e por aí vai.
Você afirmou também que o Bahia + Verde será um dos primeiros a fomentar o turismo regenerativo sustentável como alternativa de renda. Como se dará isso na prática?
Muita gente não sabe, mas a Bahia é um celeiro na observação de pássaros e nós temos muitas unidades de conservação. Com isso, a gente consegue atrair um grande número de turistas internacionais da América Latina e da Europa. Qual é nosso objetivo com esse programa? Fomentar a visita a essas unidades no oeste baiano, na Chapada Diamantina, na região sul, na região metropolitana… Nós temos características únicas ambientais. Com o turismo regenerativo, vamos fortalecer essas unidades de conservação e criar rotas de turismo ambiental. Da mesma forma que temos a rota do chocolate, a rota do café, nós teremos rotas ambientais regenerativas que perpassem toda região sul, pela mata atlântica, passando pelas cabrucas (cultivo de cacau em sistema de agrofloresta), chegando a região da Chapada Diamantina, e entendo ali todos aqueles monumentos de não sei quantos mil anos, o sentido da preservação, de características históricas de outras eras. Criando esses caminhos, a gente consegue trazer olhares diferentes e outro tipo de turismo do que nós temos hoje. Saímos da ideia de turismo com datas previstas para o turismo de 365 dias por ano.
Recentemente, a Sema firmou acordos de cooperação técnica, sendo um deles com a Ufba e outro com a Bracell, empresa do ramo de celulose. Em uma entrevista, você prometeu atuar em conjunto com a comissão de Meio Ambiente do Senado Federal. Qual a importância dessas parcerias para gestão ambiental no estado?
Fundamental. Se nós trabalharmos o meio ambiente dentro de cada secretaria, de cada organismo, de cada autarquia, de cada ente, federal, estadual, municipal, a gente consegue construir, ao final de tudo, esse meio ambiente equilibrado. A gente está vendo hoje que o poder público, a sociedade civil e o setor empresarial comungam dos mesmos interesses. Se o meio ambiente é único, eu não posso trabalhar separado. Todos comungam do mesmo interesse, que é desenvolver economicamente, preservar o meio ambiente, preservar a cobertura vegetal, a segurança hídrica para que no fim a gente tenha o meio ambiente equilibrado.
Você representou a Bahia numa reunião do Comitê da Bacia do Rio São Francisco, realizada em Belo Horizonte. Qual é o quadro atual desse importante rio que corta boa parte da Bahia e quais são as principais iniciativas do Estado para revitalizá-lo?
A minha ida para a plenária do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco só demonstra a nova alma do governo do estado. Estamos presentes na ponta, participando dos comitês, nós temos diversos comitês de bacias, temos diversos conselhos que fazemos parte, para entender quem vive e depende daquele recurso hídrico. O São Francisco é um rio de grande importância, é um rio bem estruturado, mas que carece de uma atenção maior do poder público não só do leito do rio, mas dos outros afluentes que compõem a Bacia do São Francisco. Ele já tem a cobrança pelo uso do recurso hídrico. A gente vai inclusive utilizar essa cobrança como base para servir como aprendizado para aplicarmos em outros comitês de bacia. A gente pretende implantar esse método de cobrança pelo uso do recurso hídrico. Então, tem muita coisa a fazer.
Falando mais de recursos hídricos, nós temos centenas de comunidades no Estado que dependem de escassas fontes de água, muitas dispondo apenas de água salobra e até mesmo água de barreiro. O que a Bahia vem fazendo para enfrentar essa questão?
A gente vai trabalhar numa ponta que é a construção de políticas públicas até a outra ponta, que é a execução dessas políticas nas comunidades. Em relação aos recursos hídricos, algumas coisas já estão sendo feitas e outras serão aplicadas. Por exemplo, nós temos um programa chamado Água Doce, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. Em 10 anos, construímos 291 poços de água dessalinizada. São postos antigos da Cerb (Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia) desativados em que a água é salobra. A gente pega esses poços, aplica o sistema, torna essa água potável e desenvolve a comunidade do entorno. Além disso, a gente vai fazer revisão nos procedimentos de outorga. Para ter maior acesso às informações, controle e dados sobre as outorgas que são concedidas e fiscalizadas. A gente vai fazer também uma alocação negociada de água, que é justamente para atender a todos. Ou seja, se é um período de chuva em que aquele lençol freático, aquele corpo hídrico por ventura está mais cheio, a gente consegue distribuir esse recurso para que chegue lá na ponta. Da mesma forma, o inverso. Quando estiver num período de seca, e aquele recurso hídrico estiver com um volume muito baixo, a gente reduz a alocação.
Falando ainda do semiárido. O aquecimento global hoje é uma realidade e a Bahia tem boa parte de seu território no semiárido. Alguns especialistas falam no processo de desertificação dessa região. Essa é uma questão que preocupa muito?
Cem porcento. A gente tem, como você falou, boa parte do território dentro do semiárido. É o local onde se desenvolve boa parte das culturas que são mais resistentes e resilientes. E estamos trabalhando na construção do nosso Plano Estadual de Mudança Climática. Temos programas para alguns locais específicos, mas nosso foco é pegar essas áreas e trabalhar em conjunto com processo de licenciamento, compensação florestal, para a gente poder recuperar e diminuir o índice que nós temos de desmatamento na região. A região mais atingida pelo aquecimento global é a caatinga, um bioma 100% brasileiro. Nosso papel é, através desse plano, incluir a Bahia na agenda 2030, reduzindo as emissões com olho no mercado de carbono, com reflorestamento, diminuindo as intempéries. E diminuindo também, eu sei que é difícil, mas no que depender da secretaria a gente vai trabalhar, os eventos climáticos extremos. Você vê muita chuva, vê um tempo muito quente. Mas, nesse caso, não dá para trabalhar com um horizonte de curto prazo. Mas a gente vai dar início e que seja levado adiante nos próximos governos, pelas próximas gerações
Secretário, falando um pouco ainda em economia de baixo carbono. A Bahia e a Alemanha vêm trocando experiências e parcerias para o fomento dessa economia com base no hidrogênio verde (H₂V). O que o Estado vem fazendo para acelerar essa transição energética?
A parceria da Alemanha com a Bahia, e é algo que a gente precisa reverenciar, beneficia a cabruca também. Sobre o hidrogênio verde, a Bahia criou, no auge da inovação nesse quesito, quando o governador era Jaques Wagner, o mapa e o atlas eólico e, depois com o governador Rui Costa, o mapa e atlas de energia solar. Isso foi importante porque colocou a Bahia na vanguarda do investimento ainda no início da transição energética. Nosso papel agora é dar continuidade através de outras fontes de energia. E aí nós temos o hidrogênio verde, o diesel verde, o etanol verde e por vai. Nós estamos abertos a essas novas possibilidades. Porque a gente fala em hidrogênio verde? O hidrogênio já existe. Mas no momento em que se faz a eletrólise da água, a energia utilizada é renovada. Por isso se fala em hidrogênio verde. Já temos o mapa do hidrogênio verde, que vai ser lançado provavelmente agora em junho ou julho. Vamos fazer um grande lançamento para que todos tenham esse olhar para Bahia e, mais uma vez, o estado esteja na vanguarda desses investimentos.
Há outros investimentos para a geração de energia renovável no Estado, a exemplo do Complexo Eólico Tanque Novo, lançado recentemente. Quais são os principais?
A gente vai fortalecer ainda mais esse tipo de energia, dando mais arcabouço para que se tenha uma segurança jurídica eficaz e concreta. Sem deixar de lado o envolvimento das comunidades, a participação social. Não adianta se ter uma torre de transmissão em cima e a comunidade embaixo não ter essa fonte de energia. Se ter uma torre eólica e a comunidade ao lado sem desenvolvimento. De nossa parte, é atuar junto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a Secretaria de Infraestrutura e sempre olhando por esse viés. De que existe uma comunidade no entorno que ela venha a ser mantida, preservada, valorizada.
A Bahia reúne características excepcionais para esses dois tipos de energia…
A Bahia tem um potencial eólico e solar que, se não for o maior, é um dos maiores do país. Além disso, ela tem uma grande vantagem, que é a possibilidade de geração híbrida. Se você observar dentro do mapa eólico e solar, que sobrepõe às condições das duas, você consegue gerar energia solar durante o dia, energia eólica durante a noite.
Falando agora um pouco sobre mata atlântica, que é o bioma mais desmatado do país e também o com maior número de espécies ameaçadas de extinção. Pesquisadores da Uesc publicaram um estudo agora em remanescentes da mata atlântica no sul da Bahia mostrando que a destruição do habitat pode levar ao colapso da biodiversidade. O que a Bahia está fazendo para evitar que isso aconteça?
Temos que pensar, e aí é nosso papel, que existe uma diferença entre o desmatamento ilegal e autorização da supressão de vegetação, que é um ato administrativo previsto em lei. Dentro desse dado que a SOS Mata Atlântica apresentou, por volta de 40% foi devidamente autorizado. Os outros 60% , parte foi autorizada pelos municípios – e nós não temos conhecimento, mas oficiamos inclusive para que tenhamos – e outra parte é de desmatamento ilegal. Esse, sim, ou já fiscalizado ou em processo de fiscalização. Precisamos entender não só o desmatamento em si, mas também a supressão devidamente autorizada, o que elas representaram. Houve compensação? Houve condicionantes para a licença? Houve alguma parte de ampliação de reserva legal? Ou seja, há uma série de fatores anteriores que permeiam todo o processo que não vem junto com essa análise. É óbvio que a gente fica impactado. Vamos dar mais tecnologia para esse tipo de ferramenta para que a gente tenha uma fiscalização mais efetiva na ponta. Vamos colocar o sistema do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) , a fiscalização remota, digital. Vamos ampliar os programas de proteção às espécies ameaçadas de extinção. Mas a gente vai olhar com outro viés. O que de fato foi feito? Qual foi a compensação? Nós conseguimos fomentar a criação de quantas reservas particulares de patrimônio natural?
Você considerada o replantio de vegetação nativa e a criação de corredores ecológicos um caminho para preservação da mata atlântica?
Com certeza. Nossa ideia central é cada vez mais fomentar a criação desses corredores ecológicos. A área de um se comunica com a área do outro, isso aí vai levando a formação desses corredores entre a área de preservação, uma área de compensação e por aí vamos ampliando essas áreas preservadas.
Falando de outro bioma, o cerrado. De acordo com dados do INPE, a Bahia foi o estado que mais perdeu área de cerrado, com 757,65 km² suprimidos. O Maranhão ficou em segundo lugar, com 339,2 km², que não chega nem à metade. Porque esse bioma está tão ameaçado no nosso estado?
Mais uma vez, olhando por um viés mais amplo. O cerrado se concentra sobretudo no extremo oeste baiano, onde está o agronegócio. Lá é um polo de crescimento industrial do agronegócio e, por isso, nós temos a autorização de supressão de vegetação. O que nós vamos fazer? Vamos olhar para esse viés e vamos trabalhar mecanismos para que se compense essa supressão. Estamos criando mecanismos internos de revisão de processos de licenciamento. Hoje esse licenciamento é liberado através de uma autorização de procedimento especial. Vamos negociar isso para que você tenha maior envolvimento com o todo que está em volta. Tem muita comunidade que fez fogo de pasto. A gente vai olhar isso como um todo, pensar na possibilidade de se fazer a compensação florestal, que é outro mecanismo inovador que devemos implementar nos próximos meses, que é a valorização dessa supressão e pecúnia. Então vamos utilizar esses mecanismos, mas a lei está posta, o Estado tem que cumprir a lei. Quando for possível a supressão vegetal da propriedade particular, a gente analisa a possibilidade e se tiver tudo dentro da conformidade a gente concede.
Como é que está a relação com o agronegócio? Alguns produtores andam reclamando de demora na liberação do licenciamento ambiental…
Na verdade nós temos uma relação muito boa com todos os setores. A gente está ampliando agora essa relação da sociedade civil, poder público e setor empresarial. O que a gente está tendo, na verdade, é um ponto de vista mais criterioso. Não existe certo ou errado, nem bom nem ruim. Existem todos objetivando o mesmo caminho. Mas aqueles que descumprirem a lei e o decreto estabelecido pelo Ministério do Meio Ambiente, esses sofrerão punições. Os que não cometerem nenhum tipo de infração, sua autorização para supressão de vegetação será liberada, sua outorga sairá, seu licenciamento sairá sem problema.
O estado possui uma joia que é a Baía de Todos-os-Santos, muito mais preservada que a Baía de Guanabara, mas ainda sob perigo constante. Como o Estado pode usar o turismo náutico para manter a baía preservada?
A Baía de Todos-os-Santos vai precisar urgentemente de seu plano de manejo, e nós estamos construindo com a participação direta do gabinete. Para que a gente consiga ordenar o seu uso da melhor forma possível pelo turismo náutico, turismo de preservação, turismo histórico dos pescadores e marisqueiras que vivem lá há anos e anos. Ela e a maior baía navegável que temos no mundo e a gente precisa dar o valor que ela merece. A gente ainda tem um problema sério de pesca com bomba. Estamos conversando com a Companhia de Polícia de Proteção Ambiental para que se tenha uma nova base da Copa na Marina da Penha, recentemente inaugurada pela Secretaria de Turismo para que fique próximo dos locais e faça uma fiscalização efetiva. A gente tem que tratar também a questão do coral sol que é uma espécie de coral invasora e está matando nosso coral aqui. Então, estamos criando mecanismos para que tenhamos uma baía forte não só no turismo náutico, mas também com víeis preservacionista e de qualidade devido às características únicas que nós temos.
Como você viu o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente pela Câmara de Deputados, com a retirada da Agência Nacional de Águas (ANA) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR)?
Vejo como um jogo político. A gente precisa entender que quanto mais aberto ao diálogo nós tivermos, mais fácil será. Quando as questões ideológicas, fisiológicas estiverem à frente, seja para um lado ou para o outro, vão gerar este tipo de desconforto, de discussão. Então o diálogo sempre faz parte. E é isso que precisa ser feito. A ministra Marina Silva está fazendo um belíssimo trabalho e deve trazer, junto com o Legislativo, o meio ambiente para o centro da discussão. É o papel que ela precisa fazer, o papel que o governo tem que ter, a Câmara Federal, o Senado. Senão, voltaremos a ter mais uma vez a velha discussão de que o meio ambiente não está sendo devidamente observado no Brasil. É o que o mundo hoje clama.
Nesta segunda-feira, é Dia Mundial do Meio Ambiente e atualmente estamos com um novo governo com a ministra Maria Silva, um ícone dessa questão, à frente, como você lembrou há pouco. Quais são suas expectativas para os próximos anos?
A gente espera que, de fato, a gente consiga ter o meio ambiente, a nível federal, estadual, municipal, de uma certa tranquilidade do ponto de vista de que o desenvolvimento chegue, mas que seja respeitado tudo aquilo que for estabelecido pelos entes colaborativos. A nossa expectativa é grande, nós estamos envelopando e espelhando muita coisa que vem do governo federal. A gente está trabalhando em parceria com a Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente para a criação do primeiro Centro de Educação Socioambiental do país na Bahia. A vinda da ministra Marina vai trazer esse olhar diferente que o meio ambiente precisa. Nos últimos anos nós passamos por um desmonte total com o esvaziamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Nós já tivemos a posse do Conama na semana retrasada. A expectativa é alta para que a gente tenha um futuro melhor .
RAIO-X
Advogado especializado em direito e legislação ambiental, Eduardo Sodré Martins Mendonça é graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador, e pós-graduado em Direito e Legislação Ambiental pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele foi membro da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre 2011 e 2018, e professor universitário da Universidade Católica do Salvador.