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sexta-feira 8 de outubro de 2021 às 09:46h

A Austrália enfrenta a China, informa The New York Times

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Quatro anos depois de declarar que “enfrentaria” a China, a Austrália luta com as consequências econômicas e políticas de uma mudança brusca na política e no tom, que ajudou a colocar as relações com Pequim em sua mais profunda crise em décadas.

As lucrativas exportações de minério de ferro da Austrália para a China não foram afetadas até agora. (Adam Ferguson / The New York Times)© Distributed by The New York Times Licensing Group As lucrativas exportações de minério de ferro da Austrália para a China não foram afetadas até agora. (Adam Ferguson / The New York Times)

Os aliados aplaudiram a Austrália por mostrar como as potências mundiais menores podem redefinir os laços com a China – movimento que se aprofundou com a decisão australiana de adquirir submarinos americanos movidos a energia nuclear. Mas, para críticos cada vez mais veementes, a Austrália também evidencia os riscos de perder o foco estratégico no processo de resistir à China.

Novas leis abrangentes para combater a influência do governo chinês colocaram a crescente população de etnia chinesa da Austrália sob suspeita, deixando muita gente com medo de debater o tema, mesmo com parentes. Relações internacionais aparentemente benignas – não apenas com a China – foram abaladas pela burocracia e pela coleta de informações mal orientada no combate à interferência sub-reptícia.

Agricultores e proprietários de vinícolas se perguntam quando a China vai levantar o bloqueio a seus produtos, se é que isso vai ser feito. Os investimentos propostos pelas empresas chinesas em setores como o de fazendas de laticínios foram interrompidos pelo governo australiano, muitas vezes com pouca explicação. Até mesmo uma promissora colaboração científica sobre as mudanças climáticas foi abruptamente cancelada.

“‘Vamos aprender com a Austrália’ se tornou axiomático, mas há uma série de lições de precaução que outros países também precisam aprender com a experiência australiana, particularmente o alarmismo desnecessário, que por sua vez levou a uma legislação de segurança nacional exagerada”, disse Andrew Chubb, pesquisador australiano da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, que escreveu um estudo sobre a resposta australiana às atividades do governo chinês.

Consulado da China em Sydney, Austrália, 27 de agosto de 2021. (Matthew Abbott / The New York Times)© Distributed by The New York Times Licensing Group Consulado da China em Sydney, Austrália, 27 de agosto de 2021. (Matthew Abbott / The New York Times)

Sob Xi Jinping, a China se tornou mais aguerrida e punitiva, com a intenção de nunca recuar quando desafiada, e impôs sanções e o congelamento de negociações de alto nível à Austrália. Mesmo a maioria dos críticos das políticas australianas mais duras também culpam Pequim pela deterioração das relações.

A retórica combativa do governo chinês, incluindo uma lista de 14 queixas entregues a jornalistas no fim do ano passado, agravou uma queda acentuada da opinião pública australiana em relação a Pequim. “Se a intenção era mudar nossa situação de políticas públicas, eles apenas garantiram que não haveria mudanças. O que precisamos fazer é demonstrar nossa resiliência. Isso vai ser bom não só para a Austrália, mas para todos os outros países que observam os acontecimentos de perto”, afirmou James Paterson, senador australiano do Partido Liberal, de centro-direita.

Até agora, a Austrália resistiu em grande parte aos golpes econômicos, já que a China ainda não encontrou uma alternativa viável para o minério de ferro australiano – que rendeu US$ 53 bilhões no primeiro semestre deste ano – e a Austrália encontrou novos mercados para alguns bens.

Contudo, algumas ex-autoridades australianas argumentam que a participação de mercado perdida na China será mais prejudicial com o tempo, e que o apego do governo à sua reputação de corajoso modelo de resistência contra a intimidação de Pequim está impedindo um debate saudável sobre como uma potência média como a Austrália deve gerenciar suas relações.

Há menos de uma década, a Austrália e a China se abraçavam calorosamente. Xi parecia pessoalmente empenhado na relação, mostrando seu amor pelos marsupiais e assinando um acordo de livre comércio.

Em 2017, no entanto, o primeiro-ministro da Austrália na época, Malcolm Turnbull, chegara a uma conclusão muito mais sombria a respeito da China, declarando que seu país “enfrentaria” a intromissão chinesa.

No ano passado, Turnbull contou em uma entrevista que a Austrália começara a ver o governo de Xi como imperial e que precisava resistir ao “bullying” de Pequim. O país estava cada vez mais alarmado com as exigências e o poder regionais da China, inclusive em relação ao Mar do Sul da China.

Na Austrália, houve uma preocupação interna adicional em relação aos esforços do governo chinês para influenciar empresas, universidades e políticos. O assunto veio à tona em 2017, quando notícias revelaram que um senador do Partido Trabalhista Australiano, Sam Dastyari, havia dado uma declaração apoiando as reivindicações marítimas da China depois de aceitar dinheiro de um empresário chinês.

Foi surgindo então a preocupação de que o peso dos Estados Unidos na região estava enfraquecendo em comparação com o da China, segundo Richard Maude, ex-diplomata que ajudou a escrever um documento de política externa australiano em 2017 que estabelecia uma mudança de estratégia.

Autoridades do governo australiano sabiam que a China provavelmente reagiria duramente às políticas de endurecimento, de acordo com Maude. O que não se previu foi o dano que a Austrália infligiria a si mesma.

A crescente preocupação com a influência política de Pequim alimentou suspeitas de que políticos, executivos de negócios, acadêmicos e, sobretudo, membros da grande população étnica chinesa da Austrália haviam sido cooptados.

A ansiedade entre os sino-australianos se concentra na nova legislação contra a interferência estrangeira. As leis exigem registro e relatos de qualquer pessoa envolvida em atividades em nome de governos estrangeiros, não apenas o da China. Quando Turnbull introduziu a legislação, garantiu que tinha como objetivo proteger os australianos chineses e outras comunidades da intimidação.

Defensores das leis dizem que elas ajudaram a enfraquecer os esforços do governo chinês de dominar grupos locais de sino-australianos. Ainda assim, a lei de influência e a expansão dos crimes de espionagem ainda não produziram uma condenação ou um aumento significativo da transparência em torno do lobby em nome da China.

Esses esforços intimidaram os sino-australianos, desencorajando-os de ingressar na vida pública, segundo Yun Jiang, ex-conselheiro político do governo australiano que agora produz a newsletter “China Neican”: “Há uma falta de representação dos sino-australianos – e australianos asiáticos em geral – no Parlamento, na política, na mídia. Há uma verdadeira diversidade de opiniões entre os sino-australianos, mas muitas vezes suas perspectivas estão ausentes do debate público.”

Os críticos da lei de influência agora incluem pelo menos dois ex-primeiros-ministros, um deles Turnbull, hoje aposentado da política. Em discursos que fez a audiências na Coreia do Sul e em Taiwan, declarou que tal exigência “não foi pretendida nem contemplada” quando promoveu a legislação.

Vários estudiosos argumentaram que as novas leis da Austrália estigmatizam indiscriminadamente qualquer associação com uma instituição chinesa, desde as forças armadas até grupos musicais.

“Muitas pessoas parecem pensar que precisamos mudar para competir com a China, mas essa mudança pode significar tornar-se mais como a China”, comentou Jiang.

Vários observadores acreditam que o escopo do debate tolerado dentro do governo diminuiu, criando o perigo de decisões de grupos no poder.

O foco intenso na segurança, argumentam os críticos, aumentou o risco de erros políticos, diminuindo a compreensão que a Austrália tem da China.

“Acho que houve uma falta de atenção à complexidade de lidar com a China. Há uma grande hesitação em mencionar o bom, o mau e o feio – ter uma visão diferente”, disse Linda Jakobson, fundadora da China Matters, organização que promove debates e estudos sobre políticas em relação a Pequim, e que teve seu financiamento do governo australiano cortado significativamente no último ano.

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